Vi
várias declarações indignadas de camaradas meus a respeito do
projeto que pretende tirar de Paulo Freire o titulo de patrono da
Educação brasileira. – Como pode um absurdo desses com uma figura
que deixou um legado inquestionável e reconhecido em todo o mundo? É
óbvio, só podia ser mais uma do movimento escola “sem” partido.
Sem partido mesmo? “Pero no mucho, pero no mucho”.
Com
respeito a meus camaradas, não sei se isso é motivo para tanta
indignação. Não que Paulo Freire não seja digno de ser patrono da
educação brasileira. A questão é: A educação brasileira é
digna de ter Paulo Freire como seu patrono?
Me
parece um contrassenso ter Paulo Freire como patrono de uma educação
que caminha justamente no sentido contrário de tudo aquilo que ele
sempre defendeu. Uma educação que em pleno século XXI ainda não
resolveu o problema do analfabetismo. O Brasil é hoje o segundo país
na América do Sul com maior número de analfabetos adultos. Se
fossemos contabilizar o analfabetismo funcional então, o estrago
seria muito maior. Porém o fato do Brasil ocupar 85º lugar no
ranking da ONU em relação à Educação, ficando acima na América
do Sul apenas do Suriname e da Guiana, é bastante esclarecedor.
Para
Helene (2017) “nosso sistema educacional é extremamente desigual e
excludente: quase metade dos jovens é excluída da escola antes de
completar o ensino médio, basicamente, por razões econômicas”.
Tal fato pode ser comprovado pelo estudo do IBGE que mostrou que 1,3
milhões de jovens entre 15 e 17 anos abandonaram a escola
recentemente. Mas para além da questão econômica está um sistema
educacional que existe justamente para não dar certo. Ora, por que
cargas d´agua alguém que tira vantagens dessa situação moveria
uma palha para modifica-lo?
Pelo
contrário, o que farão é uma cortina de fumaça para encobrir os
reais problemas, tentando assim desviar o foco dos verdadeiros
problemas. Um exemplo concreto disso é o discurso do deputado tucano
Rogério Marinho (relator da famigerada reforma trabalhista no
congresso nacional) que resume os problemas da educação na questão
da formação dos professores – formação de professores que
segundo ele “No Brasil, abandonou-se a pedagogia em prol de
discursos políticos e militantes”.
Seguindo
essa linha o deputado Rogerio Marinho pegará Paulo Freire como
exemplo desse discurso político e militante na educação
brasileira. Em nenhum momento o deputado fala da questão estrutural
das escolas, fala do currículo, da valorização profissional, como
também omite que a maioria dos professores são formados em
universidades privadas. Uma formação que é tudo, menos Freriana.
Mas isso são detalhes não é mesmo senhor Marinho?!
Ao
utilizar Paulo Freire como bode expiatório tentando culpar o seu
legado pelo “fracasso de nossa educação”. O movimento escola
“sem” partido e o senhor Rogério Marinho mostra que não querem
mudar nada, a não ser para pior. Mais uma coisa o deputado tucano
tem razão ao dizer que Paulo Freire “é muito comentado e pouco
lido”. De fato isso é verdade. E o seu próprio discurso comprova
bem essa questão. O que quer dizer duas coisas – ou ele nunca leu
uma obra de Paulo Freire ou ele conhece muito bem a obra Freiriana e
a distorce intencionalmente para atingir os seus propósitos.
Propósitos
esses que no final das contas é o aprofundamento da lógica
mercadológica na educação pública. E o pior é que esse discurso
ganha eco na sociedade – mas só sendo muito ingênuo para crer que
o fato de tirar o titulo de patrono da educação brasileira de Paulo
Freire irá “transformar” a educação pública no Brasil.
Outra
questão importante é sobre o argumento do deputado Rogério Marinho
de que Paulo Freire é “patrono do fracasso”. Não nos iludamos.
Que fracasso? Mais uma vez utilizarei uma citação de Darcy Ribeiro
que tenho utilizado bastante nos meus textos - “a crise educacional
do Brasil da qual tanto se fala, não é uma crise, é um programa.
Um programa em curso, cujos frutos, amanhã, falarão por si mesmos”.
Ora não dar para falar em fracasso quando a educação na nossa
sociedade tem cumprido exatamente o papel que as elites desejam –
manter o trabalhador alienado – e, por conseguinte a ordem
hegemônica do capital.
Diante
de tudo isso fazemos o seguinte questionamento: o projeto de tirar o
titulo de patrono da educação de Paulo Freire, titulo esse dado por
um projeto de lei aprovado no Congresso Nacional, é motivo para
tanta revolta? Não estamos mais uma vez caindo num factoide para
desviar a atenção das questões realmente importantes? Ora, a
esquerda precisa parar de cair nessas armadilhas, de aceitar esse
debate raso e superficial. Que importa se Paulo Freire é ou não
patrono da Educação Brasileira? O que isso tem mudado na situação
dos oprimidos? Se quisermos realmente defender Paulo Freire devemos
retomar o seu legado na prática e não apenas no discurso. E isso
passa pela sua defesa da educação como um ato político.
De
acordo com suas palavras “não é possível negar, de um lado, a
politicidade da educação e, do outro, a educabilidade do ato
político... se educação é sempre um ato político os educadores
são seres políticos, importa saber a favor de quem fazem política,
qual a nossa opção”. Diante dessas palavras os defensores da
escola “sem” partido se levantam apontando o dedo acusando Paulo
Freire de fazer política, de tomar partido. Ora, isso não deve ser
motivo de indignação para nós, mas sim de orgulho. Paulo Freire
sempre tomou partido pelos oprimidos de modo que esse legado, dado a
partir da sua militância, ninguém tira dele.
Por
fim, se o movimento escola “sem” partido quer de fato tocar esse
projeto de retirada do titulo de patrono da educação brasileira de
Paulo Freire – que faça. Estarão nos fazendo um grande favor.
Pois isso não me incomoda, o que me incomoda é o nome de Paulo
Freire ser patrono de um sistema educacional excludente, de um modelo
de educação que reproduz o conformismo – o engodo da conciliação
de classes e o discurso da “neutralidade”. Aliás, fica a dica,
deem esse titulo para o Alexandre Frota ou para o Danilo Gentili.
Pedro
Ferreira Nunes é Educador Popular e Militante do Coletivo José
Porfírio.
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