segunda-feira, 13 de novembro de 2017

A educação brasileira é digna de ter Paulo Freire como seu patrono?


Vi várias declarações indignadas de camaradas meus a respeito do projeto que pretende tirar de Paulo Freire o titulo de patrono da Educação brasileira. – Como pode um absurdo desses com uma figura que deixou um legado inquestionável e reconhecido em todo o mundo? É óbvio, só podia ser mais uma do movimento escola “sem” partido. Sem partido mesmo? “Pero no mucho, pero no mucho”.
Com respeito a meus camaradas, não sei se isso é motivo para tanta indignação. Não que Paulo Freire não seja digno de ser patrono da educação brasileira. A questão é: A educação brasileira é digna de ter Paulo Freire como seu patrono?
Me parece um contrassenso ter Paulo Freire como patrono de uma educação que caminha justamente no sentido contrário de tudo aquilo que ele sempre defendeu. Uma educação que em pleno século XXI ainda não resolveu o problema do analfabetismo. O Brasil é hoje o segundo país na América do Sul com maior número de analfabetos adultos. Se fossemos contabilizar o analfabetismo funcional então, o estrago seria muito maior. Porém o fato do Brasil ocupar 85º lugar no ranking da ONU em relação à Educação, ficando acima na América do Sul apenas do Suriname e da Guiana, é bastante esclarecedor.
Para Helene (2017) “nosso sistema educacional é extremamente desigual e excludente: quase metade dos jovens é excluída da escola antes de completar o ensino médio, basicamente, por razões econômicas”. Tal fato pode ser comprovado pelo estudo do IBGE que mostrou que 1,3 milhões de jovens entre 15 e 17 anos abandonaram a escola recentemente. Mas para além da questão econômica está um sistema educacional que existe justamente para não dar certo. Ora, por que cargas d´agua alguém que tira vantagens dessa situação moveria uma palha para modifica-lo?
Pelo contrário, o que farão é uma cortina de fumaça para encobrir os reais problemas, tentando assim desviar o foco dos verdadeiros problemas. Um exemplo concreto disso é o discurso do deputado tucano Rogério Marinho (relator da famigerada reforma trabalhista no congresso nacional) que resume os problemas da educação na questão da formação dos professores – formação de professores que segundo ele “No Brasil, abandonou-se a pedagogia em prol de discursos políticos e militantes”.
Seguindo essa linha o deputado Rogerio Marinho pegará Paulo Freire como exemplo desse discurso político e militante na educação brasileira. Em nenhum momento o deputado fala da questão estrutural das escolas, fala do currículo, da valorização profissional, como também omite que a maioria dos professores são formados em universidades privadas. Uma formação que é tudo, menos Freriana. Mas isso são detalhes não é mesmo senhor Marinho?!
Ao utilizar Paulo Freire como bode expiatório tentando culpar o seu legado pelo “fracasso de nossa educação”. O movimento escola “sem” partido e o senhor Rogério Marinho mostra que não querem mudar nada, a não ser para pior. Mais uma coisa o deputado tucano tem razão ao dizer que Paulo Freire “é muito comentado e pouco lido”. De fato isso é verdade. E o seu próprio discurso comprova bem essa questão. O que quer dizer duas coisas – ou ele nunca leu uma obra de Paulo Freire ou ele conhece muito bem a obra Freiriana e a distorce intencionalmente para atingir os seus propósitos.
Propósitos esses que no final das contas é o aprofundamento da lógica mercadológica na educação pública. E o pior é que esse discurso ganha eco na sociedade – mas só sendo muito ingênuo para crer que o fato de tirar o titulo de patrono da educação brasileira de Paulo Freire irá “transformar” a educação pública no Brasil.
Outra questão importante é sobre o argumento do deputado Rogério Marinho de que Paulo Freire é “patrono do fracasso”. Não nos iludamos. Que fracasso? Mais uma vez utilizarei uma citação de Darcy Ribeiro que tenho utilizado bastante nos meus textos - “a crise educacional do Brasil da qual tanto se fala, não é uma crise, é um programa. Um programa em curso, cujos frutos, amanhã, falarão por si mesmos”. Ora não dar para falar em fracasso quando a educação na nossa sociedade tem cumprido exatamente o papel que as elites desejam – manter o trabalhador alienado – e, por conseguinte a ordem hegemônica do capital.
Diante de tudo isso fazemos o seguinte questionamento: o projeto de tirar o titulo de patrono da educação de Paulo Freire, titulo esse dado por um projeto de lei aprovado no Congresso Nacional, é motivo para tanta revolta? Não estamos mais uma vez caindo num factoide para desviar a atenção das questões realmente importantes? Ora, a esquerda precisa parar de cair nessas armadilhas, de aceitar esse debate raso e superficial. Que importa se Paulo Freire é ou não patrono da Educação Brasileira? O que isso tem mudado na situação dos oprimidos? Se quisermos realmente defender Paulo Freire devemos retomar o seu legado na prática e não apenas no discurso. E isso passa pela sua defesa da educação como um ato político.
De acordo com suas palavras “não é possível negar, de um lado, a politicidade da educação e, do outro, a educabilidade do ato político... se educação é sempre um ato político os educadores são seres políticos, importa saber a favor de quem fazem política, qual a nossa opção”. Diante dessas palavras os defensores da escola “sem” partido se levantam apontando o dedo acusando Paulo Freire de fazer política, de tomar partido. Ora, isso não deve ser motivo de indignação para nós, mas sim de orgulho. Paulo Freire sempre tomou partido pelos oprimidos de modo que esse legado, dado a partir da sua militância, ninguém tira dele.
Por fim, se o movimento escola “sem” partido quer de fato tocar esse projeto de retirada do titulo de patrono da educação brasileira de Paulo Freire – que faça. Estarão nos fazendo um grande favor. Pois isso não me incomoda, o que me incomoda é o nome de Paulo Freire ser patrono de um sistema educacional excludente, de um modelo de educação que reproduz o conformismo – o engodo da conciliação de classes e o discurso da “neutralidade”. Aliás, fica a dica, deem esse titulo para o Alexandre Frota ou para o Danilo Gentili.
Pedro Ferreira Nunes é Educador Popular e Militante do Coletivo José Porfírio.

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