terça-feira, 27 de março de 2018

Língua de Tradição e Língua Técnica: A oposição entre dois gêneros de língua.

Em “Língua de tradição e língua técnica”, Martin Heidegger ao abordar a questão da técnica relacionando-a com a linguagem fala da oposição entre duas formas de língua. De que gênero é essa oposição? Em que domínio se exerce? Como é relativa à nossa própria existência (Dasein)? 

Inicialmente é importante apontar o que é língua para o filósofo. De acordo com suas próprias palavras “a língua é expressão deste entremeio do sujeito e do objeto”, ou ainda, o que faz sermos aquilo que somos. Dessa maneira o filósofo se oporá ao reducionismo da língua como mero instrumento de informação. Fato que tem sido levado ao extremo pela técnica moderna. E por que isso ocorre? 

Para Heidegger esse fenômeno acontece por que ao se compreender como instrumento, a técnica moderna tende a “apresentar toda e qualquer coisa sob esse aspecto”. E isso nada mais é do que uma abordagem superficial tanto da técnica como da língua. Essa abordagem superficial acaba submetendo à língua a técnica. É dessa situação que surge o que o filósofo denomina de língua técnica, que de acordo com suas palavras “é a expressão mais violenta e mais perigosa contra o caráter próprio da língua”. Um exemplo dessa agressão violenta a língua pode ser observada pela teoria cibernética, que por sua vez é um grande exemplo da dominação da técnica moderna, sobretudo quando esta tenta estabelecer uma espécie de unificação da língua através da técnica. 

Heidegger diz que no contexto da cibernética a “língua está reduzida, isto é, limitada a produção de sinais, ao envio de mensagens”. Isso tem sido levado ao extremo na atualidade com as redes sociais. E inclusive avançado para o contexto educacional, aonde os defensores da teoria da informação tenta construir uma língua técnica que se imponha como a única – desprezando, portanto a língua natural ou da tradição. 

Se para Heidegger a língua técnica é uma invenção da técnica moderna que por se compreender como instrumento transforma tudo em mero instrumento. Do que se trata a língua de tradição? De acordo com as palavras do filósofo trata-se da “língua corrente que não foi tecnizada”. Essa língua pode ser compreendida também como língua natural. Que ainda que seja desprezada pela técnica moderna “é sempre conservada e permanece, por assim dizer, como pano de fundo de toda transformação técnica”.

Diante de tudo isso fica mais evidente as questões levantadas pelo filósofo relativas ao gênero da oposição entre língua de tradição e língua técnica, em que domínio se exerce essa oposição bem como porque é relativa à nossa própria existência (Dasein). Percebemos que para Heidegger essa oposição se dá pelo fato de que se trata de dois gêneros de língua – que como falamos anteriormente é diferente – enquanto uma surge espontaneamente à outra é imposta – imposição que se dá através de uma tentativa de unificação e, por conseguinte de dominação do homem. E ai surge à questão do por que esse problema é relativo à nossa própria existência. Por que reflete na nossa relação com o mundo – se muda a nossa relação com o mundo, muda o nosso modo de estar no mundo, muda o nosso modo de ser.

Para Heidegger quando a língua técnica interfere na nossa forma de relacionar com o mundo é um grande perigo. Dai que é necessário se discutir à relação do homem com a língua. O que nos permitirá descobrir o poder da língua. 

Por fim, ainda que não tenhamos condições de afirmar totalmente, nos parece que essa discussão com o avanço tecnológico já não está apenas no campo da metafísica tal como colocada por Heidegger. Mesmo assim pouco ou quase nada se discute a cerca da relação do homem com a língua. Por que a reflexão dessa relação tem sido desprezada? A teoria da informação triunfou? Com a internet e as redes sociais avançamos a passos largos para unificação da língua? E a academia o que tem feito? Reafirmado ainda mais o domínio da técnica moderna e, por conseguinte da língua técnica? Eis ai algumas questões em aberto que valem apena serem aprofundadas em relação a essa discussão.

Pedro Ferreira Nunes – é Graduando em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins e Coordenador do Centro Acadêmico de Filosofia – CAFIL/UFT.

Referência Bibliográfica 

HEIDEGGER, MARTIN. Língua de Tradição e Língua Técnica. Tradução: Mário Botas. Grafibastos. 1ª Ed.- Lisboa: 1985.

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