quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Crônica: A morte d’um limoeiro

Baruch Espinosa
 “Tenho evitado cuidadosamente rir-me dos atos humanos, ou desprezá-los; o que tenho feito é tratar de compreendê-los.” 
Baruch Espinosa

No meu quintal havia um limoeiro que produzia bastante limões. Mas de repente suas folhas e frutos secaram, e ele morreu. O que teria ocorrido? Alguma praga? Para algumas pessoas não. O diagnóstico seria mão ruim. Mão ruim? Isso mesmo. No interior há uma crença de que algumas pessoas tem a mão ruim ao ponto de que quando colhe alguma fruta no quintal alheio a árvore da qual essa fruta fora colhida, morre.

Não sei bem se esse fenômeno tem algum fundamento racional ou se é apenas uma infeliz coincidência. De todo modo não pude deixar de pensar comigo no tipo de energia que essa pessoa carrega consigo – uma energia capaz de matar uma árvore não deve ser coisa boa. No entanto me disseram que ter uma “mão ruim” não significa que se é uma pessoa ruim. O que seria então e por que? Como toda crença não há uma explicação. É assim e ponto – ou você acredita ou você não acredita.

Que exista pessoas que não são boas companhias, certamente. Pessoas que parecem capaz de sugar nossas energias e nos deixar para baixo, não há dúvida – ou como diria Baruch Espinosa – pessoas que diminuem a nossa potência de agir. Mas daí dizer que há pessoas que tem uma espécie de maldição que quando tocam numa planta condenam-na á morte, me parece um tanto de loucura.

O fato é que o limoeiro no nosso quintal morreu. Aparentemente não foi nenhuma praga – o que reforça a tese de que teria sido mão ruim. Prefiro ficar com Espinosa e dizer: Ele teve um mau encontro – isto é, um encontro com algo ou alguém que lhe afetou com um afeto triste – que diminuiu a sua potência de agir.

Taí, talvez a filosofia do Espinosa pode nos ajudar a explicar tudo isso. Para Espinosa tudo que existe (incluindo nós humanos e as árvores) faz parte de uma única substância. Essa substância é entendida como “o que existe em si e por si é concebido” (Ética, p. 78). Por tanto, algo perfeito. E se somos parte dessa substância também carregamos essa atribuição. Desse modo não teríamos conosco uma energia capaz de destruição. O que pode acontecer é termos ideias inadequada das coisas – sobretudo quando nos  deixamos guiar por superstições – que por sua vez nos leva a cultivar paixões tristes – que diminuem a nossa potência de agir.

Entre as paixões tristes que diminuem a nossa potência de agir estão o ódio, o ressentimento, o desespero e a inveja. Desse modo quando agimos afetado por uma dessas afecções não só estamos causando dano ao outro, mas também a nós mesmos. E esse outro que causamos dano não necessariamente precisa ser outra pessoa. Pode ser, por exemplo, uma árvore.

A partir dessa perspectiva digamos então que o nosso limoeiro não morreu por causa de uma mão ruim (olhos, talvez). Mas que tenha sido afetado por um afeto como a inveja. E isso diminuiu a sua potência de agir ao ponto de leva-lo á morte – o que talvez não tenha sido ruim. Dizem que algumas coisas precisam morrer para renascer mais forte – quem sabe esse não seja o caso do nosso limoeiro. Já quem ou que fez isso com ele pagará uma pena maior. Aliás,  já está pagando, pois viver com esse tipo de afecção não deve ser fácil. “Que a terra lhe seja leve”.

Por Pedro Ferreira Nunes – Poeta, Escritor e Educador Popular.

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