domingo, 10 de outubro de 2021

Conto: A última cerveja da noite

Quando ela o viu chegar, teve certeza que o conhecia de algum lugar. Estava um pouco mudado – o cabelo e a barba um pouco grande. Mas aquele olhar e aquele sorriso eram inconfundíveis. Pensou em ir até ele e cumprimenta-ló, mas não tinha tanta intimidade assim. O fez a distância com um gesto de cabeça e um sorriso. Ele também retribuiu o gesto, mas apenas por educação já que não sabia de quem se tratava.

Ele tentou buscar na memória quem seria aquela menina – de onde a conhecia. Mas não conseguiu se recordar. Apenas sabia que ela o conhecia pois se não não o teria cumprimentado daquela forma. Isso as vezes acontecia e ele se lamentava por não conseguir retribuir de forma afetuosa o carinho que recebia. Ir até ela e perguntar quem ela era, seria pior, pois poderia magoa-lá ao demostrar que ele não se recordava dela. Decidiu então deixar para lá e aproveitar a noite com os amigos.

A noite estava animada. Muita gente jovem curtindo, tomando cerveja e dançando ao som de músicas descartáveis. Não era o ambiente e nem o som que ele gostava, mas não tinha alternativa. Ela também preferia outra vibe, mas sabia que por ali era isso ou isso mesmo – eis a realidade de quem vive no interior e não tem muitas opções culturais para relachar nos finais de semana. Ela sabia bem disso, ele mais ainda, já que nascera e crescera no interior.

Só em tê-lo encontrado por ali – coisa muito rara – era um sinal que aquela seria uma noite especial. Melhor ainda seria ter a oportunidade de falar com ele, dizer o quanto o admirava. Ela que se encantou por ele quando o conheceu – um sujeito simples e muito atencioso – não podia imaginar que se tratava de um escritor. Só depois daquele encontro, navegando pela internet, foi que ela descobriu uns escritos dele e se tornou mais do que uma admiradora, uma fã.

- Sabe aquele cara ali... Dizia ela para as amigas – ele é incrível. Por que não vai até lá? Por que não fala com ele? Questionavam as amigas. – Não, não. Não tenho coragem. Dizia ela. – Não seja covarde. – Não é covardia. É respeito. Ele está aqui curtindo com os amigos, não vou importuna-ló. Até por que acho que ele nem se lembra de mim. – Refresca a memória dele então. 

Ele não comentou nada com os amigos mas vez e outra não deixava de olhar para ela dançando com as amigas. – De onde eu conheço essa menina? Ela não me é estranha. Pelo estilo ela não é daqui. E se nos conhecemos também não é desse lugar pois quase nunca venho aqui. Pensava ele consigo enquanto tomava mais uma cerveja.

E enquanto ele num canto e ela noutro não tomava uma atitude – a noite ia passando. O movimento começou a diminuir com as pessoas partindo para suas casas e logo tudo se encerraria. Foi então que surgiu um amigo em comum dos dois que decidiu junta-los – sem saber que eles se conheciam de outros verões, sem saber que era tudo que ela queria desde que o viu ali. Ele por sua vez, agora saberia de onde a conhecia, e se não a conhecia, iria conhece-lá. 

- Então. Essa é a minha amiga Ana. E esse é o meu brother...

- Não fala. Eu sei o nome dele. Nos conhecemos naquele rolê quando escalamos as serras gerais, mais um grupo de amigos. É John o seu nome, né?!

- Isso mesmo. Nossa é você!!! Eu não ti reconheci.

- Já eu assim que ti vi não tive dúvidas. Sou muito boa para guardar na memória a fisionomia das pessoas.

Ele não podia dizer a mesma coisa. O que era estranho para um escritor. Talvez ai esteja uma explicação para o fato de não haver muitas descrições dos seus personagens nas estórias que escrevia. Diante dele ela parecia mais frágil do que aquela menina que subiu as serras gerais. O penteado do cabelo estava diferente e estava usando óculos. Mas era ela, a voz e o sorriso eram inconfundíveis. 

Desde que escalaram as serras gerais nunca mais haviam se visto. Fazia o que? Um, dois anos? Ele já não se recordava, mas lembra que tiveram uma sintonia bacana naquela aventura. Ele quis saber o que ela andara fazendo nesse tempo todo. Ela falou da descoberta que fizera sobre ele ser um escritor. O elogiou pelas estórias que escrevia e confessou que essas estórias fizeram ela se apaixonar mais ainda pela aquela região. 

Ele recebeu timidamente os elogios e até com uma certa vergonha. Aliás era assim que sempre ficava quando alguém o elogiava pelo que escrevia. Ele não acreditava que as pessoas lessem o que ele escrevia e gostasse. Falou para ela que poderia ser melhor. Se fosse reescrever hoje faria diferente. Ela disse que o dele é muito melhor do que as outras coisas que existe sobre aquela região. Ai ele ficou mais tímido ainda do que era. 

Enquanto eles conversavam animadamente como velhos amigos que há muito tempo não se viam, uma torcida se formou próximo deles incentivando para que eles se beijassem. Afinal de contas foram unidos ali para isso e não para bater papo. – Estão querendo que a gente se beije. Comentou ele sorrindo. – Beija-ló? Por que não? Pensou ela. – Mas será que ele quer me beijar? Se quisesse teria feito. Mas beijar só por beijar, só por pressão dos amigos, não. Ele era muito especial para que um encontro terminasse num beijo um tanto forçado. Quem sabe num outro dia, num outro lugar, noutra vibe?! Onde o beijo não fosse apenas um beijo. Mas uma manifestação do amor.

Eles então se despediram prometendo manter contato. Enquanto os amigos, observavam decepcionados, o beijo não dado. Eles no entanto não se importavam. Guardaram o beijo para o momento adequado. E se esse momento nunca chegasse? – Paciência. É a vida camaradas. Dizia ele sorrindo e tomando a última cerveja da noite.

Pedro Ferreira Nunes – Educador, Poeta e Escritor Popular.

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