Esse é enredo do filme “O Padre e a Moça” (1966) de Joaquim Pedro de Andrade, baseado num poema do Carlos Drumond de Andrade. Na contramão do seu “Macunaíma”, o cineasta nos intrega um filme denso, num ritmo lento, num cenário de decadência tal como as figuras que ali vivem. Mas ao mesmo tempo, uma história que prende, que nos provoca, que nos faz refletir. É sem dúvida um belo filme da cinematografia nacional.
O filme tem início com a chegada do jovem Padre (Paulo José) ao povoado, que se deu devido a morte do Padre António – vigário da igreja local. A partir daí somos levados a conhecer os indivíduos que ali vivem, bem como os seus dramas. Entre eles está Mariana (Helena Ignez), uma linda jovem, que vive como prisioneira na casa do homem mais rico da localidade – Honorato (Mário Lago). Este cria a jovem desde pequena, após ela ficar órfão, mas vive com a moça como se fosse sua mulher. E agora com a morte do Padre António, pretende oficializar aquela união. Já Vitorino (Fauzi Arap), um comerciante local, também é apaixonado por Mariana, e vive embriagado, como reflexo da sua impotência de enfrentar Honorato para ficar com ela.
A chegada do Padre mexe com a vida desses personagens. Sobretudo de Mariana que se apaixona por ele, e vê ali uma chance de sair da prisão ao lado de um homem que ela não ama. Mas o Padre resiste a abandonar sua batina para ficar com a jovem. E busca reprimir o sentimento que nutre por ela. Enquanto isso o plano de Honorato de fazer de Mariana sua esposa avança, mesmo diante da revolta de Vitorino, que clama ao Padre para que possa intervir diante daquela “pouca vergonha”.
A cena que dá uma virada na história é quando Mariana, sai escondida a noite e vai procurar o Padre para declarar o seu amor. No dia seguinte o Padre cai em desgraça. Toda a cidade vira as costas para ele, até mesmo Vitorino. Diante disso o Padre se vê num beco sem saída. Agora, só lhe resta apressar o seu retorno, mas não pode deixar Mariana naquele sofrimento. Irá leva-la com ele –os dois partiram em fuga, mas não se iluda, não será para serem felizes para sempre.
Aqui não nos interessa falar sobre como termina o filme. O ponto que gostaríamos de chamar atenção é para conduta da comunidade diante do drama de Mariana. Não se vê nenhuma atitude de repreensão, por parte da comunidade, a conduta de Honorato em relação a moça. Mesmo que se percebe ali claramente, nas palavras de Vitorino, “uma pouca vergonha”. No entanto essa mesma comunidade que se omite diante da conduta de Honorato, não pensa duas vezes em condenar o Padre e a Moça.
Estamos assim, diante de um bom exemplo de como o conservadorismo funciona na prática. Isto é, há uma espécie de seletividade para determinar o que é certo ou errado do ponto de vista moral. Para compreendermos melhor essa seletividade é preciso entender uma característica do conservadorismo – o senso de comunidade. Se você faz parte dessa comunidade, como é o caso do Honorato (e tem poder), relava-se a sua conduta imoral, mas se não, o julgamento é impiedoso.
Diante dos tempos que estamos vivendo, o filme “O Padre e a Moça” ganha relevo importante. Sabemos o quão é difícil fazer o debate sobre costumes na nossa sociedade. Sobretudo diante da hipocrisia que há por trás do discurso conservador. No entanto, é uma discussão necessária, se não quisermos ser queimados em praça pública por ir contra “a moral e os bons costumes”.
Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos.
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