sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

A palestra

O que esperar de uma palestra, com uma coach, intitulada “Voce é a chave do seu sucesso”? Não foi contra a minha vontade que aceitei a proposta de participarmos do momento. Mas me lembrei daquela máxima que diz que não podemos julgar o livro pela capa. Então vamos lá. Além do mais estamos falando de Tudy Vieira a maior master coach do Tocantins. Não que isso causa impressão em alguém como eu que não se impressiona com as frases de efeito do Cortela, Carnal, Clóvis de Barros e companhia. No entanto não há nada tão ruim que não podemos aprender algo.

A palestra foi previsível. Seguindo a lógica do discurso liberal da moda que faz uma apologia da autoexploração. Isso com uma estratégia  de comédia stand-up que capitura a atenção do público e truques psicológicos que leva a platéia a ter um comportamento de massa. Em “Psicologia das massas e análise do Eu” Freud, a partir de Le Bon, descreve a massa como algo “impulsiva, volúvel, e excitável”. Para que isso ocorra é necessário um líder. E consciente disso, Tudy Vieira se comporta como tal.

Nesse sentido uma estratégia adotada por ela é compartilhar sua experiência pessoal e falar a linguagem do seu público. Quem melhor para nos liderar do que alguém que é exemplo de sucesso, que venceu uma vida de dificuldade, que fala como nós?! Logo se estabelece uma relação de confiança que se o líder mandar os seus seguidores fazer algo, farão sem questionar.

Pronto. Ai temos o cenário perfeito para que ela possa dar o seu show. E despejar um monte de asneiras que serão acatadas como verdade pelo público presente. Apesar da fala agradável o discurso é claro: “aconteça o que acontecer. A culpa é sempre sua. Por tanto para de reclamar e faça.” Tudy parece se esquecer que vivemos em sociedade – e que essa sociedade se organiza de determinada forma gerando desigualdade. E ao contrário do que ela pensa não é por falta de vontade que muitos não saem de uma condição de miséria. No fundo ela tem consciência disso. Sabe muito bem que ela é uma exceção. Mas o importante é que as pessoas introjete esse discurso e se tornem conformistas. Que se autoexplorem e acreditem, como diz Byung Chu Ha, que isso é realização. 

Um dos momentos mais interessante da palestra foi quando alguém perguntou-a sobre depressão. Inicialmente ela tentou fugir da pergunta dizendo que a mesma deveria ser respondida por um especialista na área. Mas para não deixar a pessoa sem resposta disse que o que causava essa doença é a falta de vontade por parte das pessoas – a preguiça em mudar. Reafirmando assim o seu discurso de responsabilizar unicamente o indivíduo pelos seus infortúnios. 

É importante destacarmos que um dos motivos do aumento da depressão no contexto atual é justamente esse tipo de lógica que leva a uma frustração do individuo. Nesse sentido é importante lembrar de uma fala do filósofo e professor Vladimir Safatle sobre a depressão no programa Café Filosófico – onde ele aborda justamente os ideais empresariais de si. 

Para Safatle a depressão nada mais é do que uma situação em que o indivíduo chega numa conclusão onde não tem mais força, não tem mais potência, não consegue mais. Quando isso ocorre entra então o discurso da Tudy Vieira e companhia, culpabilizando o indivíduo pelo fracasso. Para Safatle essa lógica produz uma implosão depressiva – onde o indivíduo não consegue mais enunciar desejo algum. Por isso para ele a depressão é uma das maneiras mais astuta de sujeição social.

Percebem o quão essa lógica do discurso da Tudy é nociva?! E o pior é ver ele ser introduzido na educação. Aliás, a palestra foi justamente para os servidores da educação do Lajeado. Onde tivemos um anúncio de uma parceria com o Sebrae que irá trabalhar educação empreendedora na rede Municipal. Mas essa realidade não é só aqui. Em Palmas também vimos esse movimento. E em outros municípios também. Com isso a escola pública, e por conseguinte a educação, que sempre teve os seus limites, agora vai se tornar um espaço de produção de indivíduos frustrados (mais do que já são), conformistas e depressivos. Por isso concluímos dizendo: Ai de nós,  Ai de nós. Menos Tudys e Sebraes. Mais humanidades. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos . 


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