domingo, 30 de abril de 2023

Conto: E ai meu?! Quanto tempo.

John como de costume acordou por volta das 11h da manhã. Lavou o rosto e em seguida ligou a tv para assistir o jornal e ver se via alguma proposta de emprego interessante. Nada que lhe chamasse a atenção, as mesmas notícias de sempre – desgraças e mais desgraças.

- Foda-se meu. De desgraça basta a minha vida.

John desliga a televisão, levanta-se e vai até a geladeira, abre e não encontra nada que lhe interessa. Procura o resto do conhaque que deixara da noite anterior, mas à garrafa estava seca. 

John revira suas coisas para ver se tem algum trocado perdido em algum lugar do seu barraco. Após muita procura consegui algumas moedas que dá para comprar uma garrafa de conhaque.

Assim John segue rumo à distribuidora de bebidas que fica próximo ao barraco onde mora. Com a grana que tinha não dava para comprar um bom conhaque tal como ele gostava. Mas como não podia comprar um bom, ia um ruim mesmo.

John compra a bebida e segue de volta para o seu barraco. De repente no seu caminho um rosto conhecido.

- E ai John, quanto tempo?! Você sumiu.

- E ai meu. Quanto tempo. Você é que sumiu.

- E ai. Ainda está morando por aqui?

- Sim, estou naquele mesmo lugar. E você, onde está morando? Cadê o Jack?

- Então você não sabe? A gente se separou. Me cansei dele. Disse ela, sorrindo. 

- Hum, que pena meu.

- Melhor só do que mal acompanhada, não é? E você ainda esta só? Não vai me convidar para tomar um conhaque com você?

- Sim, claro. Vamos lá para o meu barracão. Não é um conhaque de primeira, mas da para tomar.

John fora perdidamente apaixonado por Lia. Conheceu-a em um festival de rock. De repente ela surgiu dançando em meio a uma roda de hardcore – Ela era linda, seu olhar, seu sorriso, suas tattos. Foi amor à primeira vista. Como se tivesse hipnotizado, ele não conseguia tirar o olho dela dançando com um all star preto. E ela ao vê-lo sorri e caminha na direção dele. Sem trocar se quer uma palavra agarra-o e o beija.

John não podia acreditar no que estava acontecendo. Como tão bela mulher podia esta afim dele. Naquela mesma noite começaram a namorar. Mesmo com a vida louca que Lia levava, Joh decidiu morar com ela. Viveram meses felizes.

Em um belo dia ao voltar do trabalho para casa John encontra Lia na cama transando com o seu melhor amigo. John sentiu um ódio incrível dentro de si, pensa em mata-los. 

Mas de repente apenas uma crise de riso toma conta dele, e ele sorri, sorri gostosamente. Vira as costas e deixa Lia e Jack ali sem ação. John vai até um bar compra uma garrafa de conhaque e toma. Depois outra e outra. 

Após este fato ele nunca mais vira Lia, nunca mais a procurou ou tentou saber como ela estava vivendo com Jack. Ele ainda gostava muito dela, mas já mais correria atrás dela. Mesmo tendo tudo para odiá-la, ele não a odiava, mas também não tinha a ilusão de voltar a morar com ela.

Quando chegou ao barracão John colocou um rock pra tocar e depois abriu a garrafa de conhaque. Preparou uma dose para Lia e outra para ele. 

No mesmo ritmo que a garrafa de conhaque ia secando, o sangue dos dois ia si esquentando. E no ritmo que seus sangues iam se esquentando, eles iam se aproximando um do outro. E no ritmo em que iam se aproximando um do outro, foi impossível, sobretudo para John evitar que se entregassem ao desejo dos seus corpos.

- Hum, senti tanta falta de ti, de ficar contigo. Eu ti amo tanto John. Quero ficar a vida toda contigo.

- Também senti muita falta de ti.

John deitado com Lia nos seus braços, fumando um palheiro, após terminarem de transar e ouvir as juras de amor dela, pensava consigo:

- Essa vaca pensa que me engana. Pensa que eu vou cair nessa de novo? Ela esta muito enganada.


Por Pedro Ferreira Nunes - um rapaz latino americano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in roll. 

terça-feira, 25 de abril de 2023

Poema: Canção para Vera Lúcia


Canção para Vera Lúcia 

Quando nos dias mais cinzentos
Não tiver ânimo para levantar.
Quando no peito bater saudade 
de quem partiu para não voltar.
Não desista
vale a pena continuar.

Quando nada faz sentido
e a visão começa a turvar.
As respostas que procura 
não se deixa revelar.
Não desista 
vale a pena continuar. 

Quando se sentir culpada
e querer se isolar.
Não abrir seu coração 
com medo de se frustrar.
Não desista
vale a pena continuar. 

Quando se sentir perdida 
não saber aonde está. 
Na cabeça mil pensamentos
e um vazio de matar.
Não desista
vale a pena continuar.

Mesmo quando nada faz sentido
tudo parece desmoronar. 
Transforme a ausência em presença 
de quem aqui já não está. 
Não desista
Vale a pena continuar.

Por aqueles que ti amam 
vale a pena continuar.
Por você mesma 
é preciso perseverar.
Como diz uma canção:
- de algum jeito vai passar. 


Pedro Ferreira Nunes – Casa da Maria Lúcia. Lajeado - TO. 


quinta-feira, 20 de abril de 2023

O filme Vazante e as relações de poder

Para nós que crescemos numa cultura ribeirinha, vazante é o nome dado as porções de terra onde o rio chega no período de cheia levando nutrientes que contribuirá para que se torne um local propício para o cultivo de plantação como milho, feijão, melancia, mandioca entre outros. Algo totalmente contrário ao ambiente retratado pela cineasta Daniela Thomas no longa-metragem Vazante 2017) – um recorte do Brasil Colônia.

O longa-metragem é mais uma obra-prima do cinema nacional, com uma fotografia belíssima e um bom elenco. Com destaques para atuação do ator português Adriano Carvalho no papel do tropeiro Antônio. E Toumani Kouyaté no papel de um escravo rebelde. Aliás esses personagens retratam bem a dinâmica da narrativa construida em torno de relações entre dominador e dominado. Ainda que essa não se restringe a questão da cor como podemos perceber na relação do Antônio com sua esposa Beatriz. 

A sinopse do filme é a seguinte: “Em 1821, no interior do Brasil, nas serras pedregosas das Minas Gerais, depois da economia local, que era baseada na extração de diamantes, ter entrado em colapso, Antônio, um patriarca do século XIX, que ao voltar de uma longa viagem conduzindo uma tropa de escravos descobre que sua mulher morreu em trabalho de parto”, se casa com a jovem Beatriz, que na ausência do marido, fica sozinha com os escravos. “Solidão, incomunicabilidade e preconceito levam a uma espiral de violência.”

 A priori o filme não é sobre Antônio e Beatriz – mas sobre um período da nossa história marcado pela condição desumana que os negros eram submetidos (regime escravocrata). Isso fica evidente já no início da obra quando escravos  acorrentados são conduzidos por um caminho inóspito rumo a fazenda comandada por Antônio. Como também ao longo do filme através das cenas que mostra a condição degradante que os escravos vivem na Fazenda. No entanto, parece que isso não foi tão recebido pela crítica que acusou inclusive, no seu lançamento em 2017, a Diretora Daniela Thomas de racismo. Pode ser ingenuidade da minha parte, mas assistindo o filme não vi nada disso que a crítica aponta.

No entanto me pareceu que o conflito psicológico dos personagens acaba se sobrepondo ao aspecto histórico – este acaba ficando como pano de fundo de uma discussão sobre dominação – uma dominação que se dá a partir de uma relação de força que é estabelecida entre os indivíduos. Lembrando assim a microfísica do poder de Foucault. 

De acordo com Foucault “o poder não é algo que se detém como uma coisa, como uma propriedade, que se possui ou não. Não existe de um lado os que têm o poder e de outro aqueles que se encontram dele apartados”. Para nosso filósofo “rigorosamente falando, o poder não existe; existem sim práticas ou relações de poder. O poder é algo que se exerce, que se efetua, que funciona.” Como isso se dá? De acordo com Foucault “onde há poder há resistência, não existe propriamente o lugar de resistência, mas pontos móveis e transitórios que também se distribuem por toda a estrutura social. A guerra é luta, afrontamento, relação de força, situação estratégica. Não é um lugar que se ocupa, nem um objeto que se possui. Ele se exerce, se disputa. Nessa disputa ou se ganha ou se perde.”

Em vazante não há vencedores. Sobretudo por que a disputa não leva a outro paradigma – onde as relações de poder são estabelecidas a partir de uma ótica diferente. O que há é uma espécie de vazão de ódio que leva a eliminação do outro. Culminando assim numa tragédia. Talvez ai esteja uma justificativa para o nome do filme – a ideia de vazante como algo que sai do controle. Essa ideia de controle vem da ilusão de que possuímos o poder, mas lembrando de Foucault – o poder não é algo que se possui – é o que Antônio irá descobrir da pior forma possível. 

Nesse sentido a mensagem do filme parece caminhar para a ideia de que num contexto onde prevalece relações de dominação de um indivíduo sobre  o outro não há perspectiva para paz. Pelo contrário, caminha-se para um desfecho trágico. 

Enfim, vale a pena ver o filme. Além dos problemas filosóficos que a obra suscita, da questão histórica e outros elementos. Cabe destacar a beleza estética – a fotografia, a atuação do elenco – muito mais através de gestos, olhares ou de um suspiro. E o ritmo – um ritmo lento mas que não deixa de segurar o espectador pela dinâmica dos acontecimentos que vão sendo costurados de uma forma que a gente sabe que vai desembocar em algo e assim ficamos amarrados para saber o quê e como será. 

Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos.

sábado, 15 de abril de 2023

Memória e Esquecimento: O Exemplo do Cemitério do Bairro Correntinho em Miracema do Tocantins

“Não há fundamento mais forte da produção da indiferença do que à indiferença a morte”. 

Vladimir Safatle 


Na tradição filosófica aprendemos que não somos puramente racionais. De modo que devemos levar em consideração o aspecto emocional. Sim, nós somos afetados por afecções que, como diria Espinosa, aumenta e diminui a nossa potência de agir. E não temos como evitar. Por exemplo, diante da perda. E não há perda maior que a morte de alguém que amamos.

Não temos como ficar indiferente diante da morte, sobretudo de um ente querido. O contrário seria perder aquilo que nos faz humanos – a consciência da nossa finitude. Quando nos tornamos indiferentes, nos tornamos apáticos, nos comportamos como autômatos. E assim avançamos para uma sociedade egoísta onde perdemos os laços de solidariedade e a morte é banalizada. Por isso não nos custa lembrar as palavras do filósofo e professor Vladimir Safatle: “não há fundamento mais forte da produção da indiferença do que a indiferença à morte”. Aqui ele não está falando apenas da perda de uma pessoa querida. Mas em geral. Com isso ele chama atenção para o aspecto político do esquecimento. Sobretudo de mortes provocadas pela violência do Estado – onde se nega o direito à memória.

Na minha visão essa violência ocorre também na falta de preservação dos espaços destinado a memória dos nossos mortos – os cemitérios. Muitos cemitérios são tratados como depósito de corpos, sobretudo no interior. É o caso por exemplo, do localizado no Bairro Correntinho em Miracema. Onde você vê uma completa desorganização e um profundo desrespeito não só a memória daqueles que ali estão enterrados como também da cidade. Pois essas pessoas são parte importante da história da cidade e por tanto da sua identidade.

O arquiteto e urbanista José Maria Xavier de Oliveira (2014) salienta que é “necessário analisar espacialmente os cemitérios e sua funcionalidade para os dias atuais, pois estes na maioria das vezes são construções antigas e mesmo as mais recentes em determinados casos não cumprem as exigências legais vigentes. Estes locais são muitas vezes construídos de maneira aleatória, sem o necessário e suficiente para o uso adequado do espaço, e seguem modelos de arquitetura baseados em construções de meados do século XIX.” Ainda de acordo com Xavier (2014), não se pode perder de vista que são espaço de uma questão simbólica. “Espaços que se perderam ao longo do tempo e que permeia todo o inconsciente das pessoas”. Por isso “é preciso resgatar nas pessoas o desejo de irem com mais freqüência aos cemitérios, para “cultuar” os seus mortos e usufruírem do clima de paz e tranqüilidade, encontradas ali e que devido ao abandono e degradação destes equipamentos urbanos e muitas vezes do seu entorno se tornam cada vez mais difíceis.”

Para mim, esses espaços são museus a céu aberto que trás em cada túmulo um pedaço da história da cidade. Por tanto devem ser conservados como um património histórico (sobretudo no interior onde não há muito espaço de conservação da memória local). Desse modo é inaceitável ver túmulos sem nenhuma identificação, que com o tempo acabam recebendo outro sepultamento tendo em vista a falta de controle e de espaço. Não é sem tristeza que sepultamos um ente querido num lugar assim. Mas o fazemos por compreender a importância simbólica de sepultar aquela pessoa num local ligado a sua história. 

Há certamente aqueles que não vem sentido nisso. Para estes, se a pessoa morreu não tem mais o que fazer. Nada disso que fazemos já não importa. Platão no diálogo Fédon salienta essa questão através de Sócrates nos seus últimos momentos de vida. Ao ser questionado por Críton como deveriam proceder com o seu corpo. Ele responde que o seu discípulo deve fazer como achar melhor, já que ele não estará mais ali. O que importa é a alma. Se o indivíduo teve uma vida virtuosa certamente irá para um bom lugar. 

Ora, não negamos que todo esse ritual ligado à morte diz respeito a nós enquanto ser humano – os únicos que tem consciência da sua finitude. Sabemos que iremos morrer, e esse fim irremediável perpassa toda a nossa existência. Mas essa morte não é por completo pois continuaremos vivendo na memória daqueles que estão vivos – o que nos torna imortais em certo sentido. Que o diga Sócrates.

Diante disso não podemos deixar de nos indignar e nos posicionar contra o esquecimento. Sobretudo quando esse se dá contra uma parte específica da nossa população. Voltando ao exemplo do cemitério do bairro do Correntinho. Será que se ali fosse enterrado os figurões da cidade de Miracema teriamos o mesmo descaso? Enfim, cabe a nós nos mobilizarmos para que a memória dos nossos mortos seja respeitada.


Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente atua como Professor da Educação Básica no CENSP-LAJEADO.

segunda-feira, 10 de abril de 2023

No chão da escola: Comentários sobre o Novo Ensino Médio

✔Uma das principais críticas que tenho ouvido sobre a nova dinâmica do Ensino Médio é que os estudantes não estão tendo liberdade para escolher os itinerários formativos, como prometido. Pois a falta de condições estruturais das escolas, e de profissionais qualificados, não permite que essa escolha seja feita;

✔É importante lembrar que foi promessas como essa que proporcionou um apoio de 80% a reforma, através de uma consulta realizada pelo Governo Michel Temer. Ora, era evidente, que quem conhece as condições estruturais das escolas públicas, sobretudo no interior do interior do Brasil, sabe que isso é impossível; 

✔Não me surpreende os problemas que vem ocorrendo com a implantação da nova grade curricular do Ensino Médio. Sobretudo por que essa mudança foi meu objeto de análise no trabalho de conclusão de curso na graduação em Filosofia, intitulado de uma reflexão sobre a reforma do ensino médio a partir de Marcuse e Mészáros;

✔Esse trabalho me proporcionou entender a lógica por trás das mudanças propostas. E creio, me preparou para enfrenta-lá com mais tranquilidade a partir do chão da escola;

✔Enquanto professor de uma escola, não temos a opção de querer ou não a nova configuração do currículo escolar. Mas podemos resistir de outras formas. Como? Negando a lógica dominante que busca impor uma racionalidade tecnológica e restaurar o papel da crítica por meio de uma pedagogia radical nos moldes do que defendia Marcuse. Ou seja, aproveitar as contradições do sistema para jogar contra o sistema;

✔Um exemplo prático é o componente curricular de Projeto de Vida. Criado numa lógica para formar corpos dóceis para o mercado de trabalho, podemos nos apropriar dele e trabalha-lo numa perspectiva filosófica por meio de uma metodologia problematizadora;

✔As eletivas e trilhas de aprofundamento também são espaços que podemos disputar para recuperar e ampliar os espaços perdido pela área de humanas;

✔Ou seja, se é verdade que a nova estrutura curricular do ensino médio, nos trás uma série de limites, também há possibilidade de subversão da lógica imposta. Por que no final das contas quem concretiza o currículo é a professora e o professor na sala de aula;

✔Diante disso, não acredito que o caminho é a revogação do Novo Ensino Médio. Sobretudo se for para retornar a concepção que tínhamos anteriormente, que sejamos honesto, estava longe de ser progressista;

✔Precisamos sim defender mudanças que rompa com a lógica voltada para construção de uma racionalidade tecnológica. Essas mudanças só tem sentido se forem feitas a partir do chão da escola. Ou seja, ouvindo professores e estudantes; 

✔Nesse sentido, no início do ano, já colocamos em debate o lugar da Filosofia e das Ciências Sociais nas trilhas de aprofundamento da Rede Estadual da Educação do Tocantins. Creio que é um debate mais necessário no contexto atual do que a bandeira pela revogação do novo ensino médio;

✔Aliás se levarmos adiante a pauta pela revogação do novo ensino médio devemos nos questionar qual a força que temos no congresso nacional para aprovar uma reforma progressista. Não nos esquecemos que temos um dos parlamentos mais conservadores da história; 

✔Acredito que  podemos restaurar o pensamento critico sem necessariamente revogar a nova estrutura curricular. Óbvio que isso passa pela necessidade de formação dos professores para que compreendam de fato a nova dinâmica e a partir daí consigam subverte-la; 

✔Para que tenhamos mais força nesse debate precisamos estar organizado enquanto professores que atuam na educação básica. Nesse sentido é interessante iniciativas como dos professores de Filosofia no Ceará que criaram uma associação, em São Paulo já existia e também há uma discussão na Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia  (ANPOF) nesse sentido;

✔Um dos papéis dessa associação seria de reivindicar o ensino de Filosofia na Educação Básica com profissionais formados na área. Nesse sentido, fazer o enfrentamento para que tenha mais vaga nos concursos públicos para esses profissionais. Por exemplo, no concurso da educação do Tocantins há apenas 56 vagas num estado onde temos 139 municípios. No entanto não houve nenhum questionamento ao edital. Por que não houve? Por que não há organização dos professores dessa área;

✔Enfim, acredito que o debate acerca do novo ensino médio deve se deslocar da sua revogação para o que podemos fazer diante do que está posto. Até por que o Governo Lula já deixou claro que não tem disposição em fazê-lo, o congresso nacional também não. E a mobilização social não demonstra força para demove-los do contrário;

✔Essa também é a análise do Filósofo e Professor Renato Janine Ribeiro (Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência  - SBPC) numa entrevista recente para Carta Capital onde ele fala sobre os 100 dias do Governo Lula;

✔Até agora, a análise do Professor Renato é a mais lúcida em relação a essa temática. Inclusive a fala dele acerca de que muito das críticas feita ao novo ensino médio é feita por quem não conhece a realidade do ensino médio. Ele também defende a possibilidade de se fazer uma reforma da reforma, claro, ouvindo professores e estudantes;

✔Cabe a nós que estamos no chão da escola, fazer o enfrentamento a racionalidade tecnológica – fazendo da sala de aula uma trincheira de resistência – tanto nas aulas como nos projetos, tanto na formação geral básica como nos itinerários formativos. 


Pedro Ferreira Nunes – especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atual como Professor da Educação Básica no CENSP Lajeado. 

quarta-feira, 5 de abril de 2023

6° Coletânea de Poemas – Projeto Apparere

Mesmo com um público leitor escasso, falta de apoio e de reconhecimento muitos resistem produzindo literatura – em especial poesias. Uma amostra nesse sentido é a coletânea de Poemas organizada pelo Projeto Apparere – que chega na sua sexta edição – e uma edição de peso com 182 produções de autoras e autores de todo o Brasil. Para quem aprecia poesia não irá se decepcionar, encontrará nessa obra verdadeiros tesouros. Já os leitores novatos terá uma ótima introdução no mundo da poesia. 

A obra é fruto de um projeto que busca dá visibilidade a novos escritores. Uma iniciativa louvável sobretudo diante do que salientamos no início – a falta de apoio para que quem produz literatura possa publicar, divulgar e comercializar sua obra. O projeto Apparere dá a oportunidade para que o escritor e a escritora possa ter um trabalho publicado num livro impresso. Além da coletânea de poemas, o projeto promove periodicamente seleções de trabalhos a partir de determinados temas, sem cobrar pela participação. E posteriormente a obra é comercializada. Com isso possibilitando ao público leitor acesso a trabalhos que dificilmente encontrariam por aí (talvez no meio digital). E ao escritor a oportunidade de está numa publicação impressa com distribuição nacional – e assim ter uma amostra do seu trabalho reconhecido.

Os 182 trabalhos que encontramos na sexta coletânea de Poemas, foram selecionados num universo de 306 inscritos. A maioria segue o estilo livre e perpassam por diversas temáticas – reflexões filosóficas sobre a vida, sobre o amor, paixões, a condição feminina e questões sociais. Sobre a edição/diagramação ressaltamos a ótima qualidade do livro impresso – que contém 264 páginas. Cabe destacar a bela capa produzida pelo M. A. Thompson. A organização do livro segue a ordem alfabética do nome das autoras e autores. Antes há uma breve apresentação. E nas páginas finais encontramos uma breve biografia dos autores participantes – onde percebemos que muitos deles já tem várias obras publicadas, participam de coletâneas, tiveram seus trabalhos reconhecidos em concursos literários e inclusive fazem parte de academias de letras. Outros ainda estão no início, mas já demonstram talento.

Fazendo um exercício de crítica aos trabalhos ouso afirmar que há poemas muitos bons, outros nem tanto. Alguns percebemos uma maturidade na escrita, outros ainda carente de uma lapidação melhor. De todo modo acredito que o resultado final é uma coletânea de muita qualidade. Para evidenciar a minha afirmação destaco alguns trechos dos poemas. Por exemplo, o intitulado de Lembrança, do Adriano Vox – que reflete sobre memória.


“enquanto a neblina esconde metade da cidade

essa paisagem

daqui a pouco será passagem

como coisas da vida que não voltam,

mas eternizam um momento

(feliz)”


O poema desencontro, da Amanda Castro, fala sobre um relacionamento que está chegando ao fim pela falta de sintonia entre o casal:


“Quando preciso ir

Você volta.

Quando passou da hora de partir

Ainda estou na porta

Prolongando o fim...”


O duelo entre o Lápis e a borracha, é um cordel do Antonio Joel Marinho Sousa, muito bem elaborado. Escrito com simplicidade mais propondo uma reflexão profunda sobre a responsabilidade do que escrevemos, pois, a escrita pode alimentar o amor mas também o ódio:


“Então quando leio coisas

Que percebo ser bobagem

Eu vou lá pessoalmente

Com muita força e coragem

Apago tuas besteiras

Sucumbo suas maldades”.


“O Viajante”, do Janilson Barros do Amaral, traz diversos questionamentos, como por exemplo acerca da morte:


“Estou agora ao lado de um cemitério,

Com a beleza das suas árvores e dos seus túmulos,

E das Almas que viveram e hoje são eternas.

Por que as pessoas morrem?”


De autoria do Lano Andrado temos Julieta e Romeu, que fala de uma aventura romântica numa cidade interiorana:


“O que dizer daquele rio?

Daquela rua?

De você seminua,

Querendo sempre mais?


A lembrança de um romance de outrora é o tema do poema Adeus, meu amor elegíaco, de M.A Thompson:


“Não é fácil dizer adeus

A um amor que um dia foi

Não é fácil ver que se vai

O sorriso que um dia me iluminou”.


Mais um cordel que merece destaque, esse do Manoel Ramos intitulado de O poeta pescador:


“Eu sou um bom pescador

Que chamam de Manoel

Aprendi traçar meu mundo

Com a caneta e o papel

Faço a métrica e escansão

Das sílabas da oração 

Sou escritor de cordel”.


Os cães sem dono e os desafortunados, do Nelson Dias Silva também merece destaque. É um poema que fala sobre a verdadeira amizade – que tem o seu valor em si e não no que pode proporcionar, sobretudo do ponto de vista material:


“Os desafortunados 

São enxotados e humilhados

Na mesma proporção 

Que os cães sem dono

Aonde vão ou estejam

Não importa

Por todos os lugares.

Por isso não é raro constatar

A amizade desinteresseira

Entre cães sem dono

E desafortunados”.


Tenho o privilégio de participar dessa coletânea com o poema “Pouso das Araras”. Quem acompanha minhas atividades no Blog Das Barrancas do Rio Tocantins certamente já o conhece. Trata-se de um poema que fala sobre a dádiva que é a vida para ficarmos perdendo tempo com pequenez:


“Baby, se tu soubesses

Como a vida é cara. 

Não perderia tempo

Remoendo mágoas”.


Enfim, esses pequenos trechos não representa nem 10% do que encontramos na 6° coletânea de Poemas do Projeto Apparere. Mas a partir deles creio que se pode ter uma ideia do que o público leitor vai encontrar.


Pedro Ferreira Nunes – Um rapaz latino americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in roll.