sábado, 30 de setembro de 2023

A final, a vitória e a comemoração

Não, eu não assisti a final da copa do Brasil entre São Paulo e Flamengo. Aliás, já tem um bom tempo que não assisto aos jogos do São Paulo ao vivo. Quem me conhece mais intimamente sabe o quanto sou são-Paulino. E sabe do meu estado de espírito quando o time perde alguma partida. Foi portanto da vontade de não me deixar afetar por afetos tristes que decidi não mais assistir os jogos do tricolor paulista. 

Não que o São Paulo perca sempre. Mas prefiro evitar determinadas emoções que tomam conta de mim durante uma partida de futebol. Isso não significa que eu tenha deixado de torcer pelo time bem como acompanha-lo. Porém com o resultado já dado. Quando o time ganha a alegria é imensa, quando o time perde vem a tristeza. No entanto esses afetos não são tão intensos como quando acompanho o jogo ao vivo.

Eu sabia que era a final de um campeonato. Não um campeonato qualquer, mas de um campeonato que poderia nos dá um título inédito. Ainda hoje tenho vivo na memória a final da Copa do Brasil contra o Cruzeiro nos anos 2000. Estávamos tão perto do título, tínhamos um bom time (Ceni, Belleti, Raí, França e companhia). Mas infelizmente perdemos. Agora seria contra o Flamengo – que ao lado do Palmeiras tem hegemonizado os campeonatos nacionais e continentais nos últimos anos.

Lá nos anos 2000 o São Paulo podia tá perdendo de 5 a 0 aos 40 minutos do segundo tempo que eu não deixava de acreditar. Hoje em dia sou bem pragmático. Não espero mais do que o time pode dar. E não comemoro antes do apito final. E foi assim em relação a final da Copa do Brasil, edição de 2023.

Eu sabia que o jogo estava rolando. Mas busquei me desligar de tudo para não saber o que estava acontecendo. Quando vi que o relógio marcava mais de 18h então acessei a Internet – o placar marcava 1 a 1 e o jogo ainda não havia acabada por causa dos acréscimos. Daí não pude deixar de sentir o que tentava evitar – o meu coração disparou tal como a bateria do Motorhead e não consegui mais pensar em nada além do que estava preste a acontecer. E aconteceu – a vitória do São Paulo. 

De repente um sentimento tomou conta de mim e eu comecei a chorar e chorar. Lembrei de minha mãe e do quanto ela estaria feliz. E cada vez que eu lembrava disso mais eu chorava descontroladamente. Certamente se minha mãe estivesse viva, ela estaria muito feliz por mim. Ela sabia o quanto uma vitória do São Paulo me afetava de alegria. E como ela queria me ver alegre ela sempre torcia pelo tricolor paulista. 

Sim, Maria Lúcia, somos campeões, esse título é nosso. Ah, como eu queria que a senhora estivesse aqui para ver minha alegria – e o fato dá senhora não está aqui dói. E isso faz a alegria virar tristeza. Que coisa estranha essa flutuação de afetos. Mas não podia me deixar afetar pela tristeza – ela certamente não gostaria de me ver triste. E assim aos poucos consegui me controlar e celebrar a grande conquista do tricolor paulista. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Apenas um rapaz latino-americano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in roll. 

segunda-feira, 25 de setembro de 2023

Eleições para o Conselho Tutelar do Lajeado

Fui abordado virtualmente e também observei um movimento por parte de alguns conhecidos promovendo nas redes campanhas de pessoas ao Conselho Tutelar do Lajeado. Nesse movimento um aspecto que me chamou atenção foi uma espécie de interesse privado se sobrepondo ao público. O que me levou a escrever uma reflexão através dessas linhas.

De certa forma esse movimento reflete a maneira como a política é compreendida no município – como um meio para alcançar interesses privados. O que é preocupante, sobretudo quando estamos falando da eleição para um órgão onde os indivíduos deveriam ter um mínimo de formação técnica. Afinal de contas terão que enfrentar situações de violação de direitos contra crianças e adolescentes, quase sempre tendo como autor alguém do núcleo familiar desse menor, que exigirá além de um comportamento ético, o conhecimento mínimo da Constituição Federal (CF/1988) e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Para fazer valer esse direitos o conselheiro tutelar deverá deixar de lado as relações pessoas – que no interior é muito forte. É aquela conversa – todo mundo conhece todo mundo. Sendo assim ninguém quer se indispor com ninguém  (sobretudo por que essa indisposição pode significar a perda de apoio político para o grupo do qual faz parte). Como consequência o que deveria ser feito, não é. 

E o reflexo disso podemos conferir no nosso cotidiano. Sobretudo, nós que atuamos na Educação. 

O direito à educação é considerado, tanto pela nossa carta magna como pelo ECA, um direito fundamental. E um dos papéis do conselho tutelar é assegurar esse direito as crianças e adolescentes. No entanto, para que isso se efetive precisamos de um Conselho Tutelar atuante. Que intervenha não só diante de um determinado caso quando provocado. Mas de forma preventiva – fazendo um trabalho de conscientização junto às famílias. 

Esse diálogo com as famílias é fundamental. Pois o Conselho Tutelar não pode ser visto como um órgão policialesco. O conselheiro ou a conselheira precisa ter sensibilidade para compreender, que sobretudo em situações como o acesso a educação, não é algo intencional por parte das famílias. Tem o aspecto da permanência que exige políticas públicas que dê suporte a essas famílias. Nesse sentido além desse diálogo com as famílias, o conselho tutelar precisa também dialogar com outros órgãos e instituições. Sem abrir mão da sua autonomia. Afinal de contas é para isso que se realiza uma eleição e não um contrato.

Percebem o quanto isso é muito importante para que a gente vote, sem querer fazer juízo de valor a nenhum candidato, em qualquer um?! Por que é meu amigo. Por que é esposa de um conhecido. Por que o vereador tal me pediu. Por que é meu familiar. Por que faz parte da minha igreja e etc.

Também não queremos dizer que é por isso que um determinado candidato ou candidata não mereça o seu voto. Isso deve ser definido a partir de uma análise honesta sua, da capacidade desse indivíduo. Questione-se: - fulano de tal terá capacidade de exercer a função de conselheiro tutelar ou ele está interessado apenas numa ocupação remunerada – que não é grande coisa, mas para realidade que vivemos é muito.

Analisando alguns nomes dos candidatos a conselheiro tutelar em Lajeado, ficaria com a segunda opção – o que é preocupante. Sobretudo porque aponta para uma repetição de processos anteriores. Desse modo, se isso se repetir continuaremos com um Conselho Tutelar que não cumpre de fato o seu papel na defesa dos direitos das crianças e adolescentes. 

Diante disso esperamos que a eleição para o Conselho Tutelar seja levado a sério pela comunidade. Que o bem comum possa prevalecer sobre os interesses pessoais. Ainda que nesses interesses pessoas haja boa vontade. No entanto, para exercer uma função tão importante como a de conselheiro tutelar é necessário mais do que boa vontade. É necessário conhecimento e capacidade de por esse conhecimento em prática. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 


quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Poema: Mercadão

Miracema do Tocantins  (Década de 1953)

  
Para Maria Lúcia, in memoriam

Quando passo naquela rua,
sinto uma dor no coração. 
Lembro da minha infância, 
lembro do mercadão.

Onde eu ia vender peixe,
para uns trocados ganhar.
Me divertia ouvindo os Xerente,
a sua língua falar.

Era um lugar animado,
muito especial.
Com suas cores e sabores,
e um clima fraternal.

Ficava na 1° de Janeiro,
com a rua Maranhão. 
No Centro de Miracema,
perto do Castenheirão.

Em nome da modernidade,
transformaram-no num shopping. 
Um crime contra um patrimônio, 
da velha Miracema do Norte.

Quanta mediocridade,
quanta falta de valor.
Destruir um patrimônio,
que o seu povo forjou.

Mas só o destruíram fisicamente,
não na nossa memória. 
Nela ele sobrevive, 
és parte da nossa história. 

Mas sempre que passo ali, 
não tem jeito não.
Lembro da minha infância, 
lembro do mercadão. 

Pedro Ferreira Nunes - Casa da Maria Lúcia. Lajeado do Tocantins. Verão de 2023.


sexta-feira, 15 de setembro de 2023

O desafio da avaliação na Educação Básica a partir do que diz a LDB e o DCT – Tocantins

As mudanças que vem ocorrendo no campo educacional exige da nossa parte pensar cada vez mais no processo avaliativo para além da preocupação com notas e índices. Quando o aspecto qualitativo for mais importante que o quantitativo a melhoria dos índices será automático. Uma educação onde a preocupação com a nota vem antes da preocupação com conhecimento não pode prosperar. Ora, a nota é uma consequência se você adquire conhecimento.

Não é possível pensar o processo formativo sem a avaliação. Ou seja, sem uma análise-reflexiva do aprendizado do estudante numa determinada etapa de ensino. Por isso, não podemos reduzi-la a uma prova ou uma nota – que muitas vezes é utilizada para punir e excluir. Avaliar é levar em consideração diferentes fatores. Desse modo quando reduzimos a uma única dimensão o nosso processo avaliativo, o resultado não pode ser outro se não um equívoco.

Quando analisamos a legislação educacional, sobretudo a lei de diretrizes e bases da educação  (LDB – 9394/96), com alterações da lei 13.415/17, encontramos o seguinte:

§ 8º Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação processual e formativa serão organizados nas redes de ensino por meio de atividades teóricas e práticas, provas orais e escritas, seminários, projetos e atividades on-line, de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre:


I - domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção

moderna;


II - conhecimento das formas contemporâneas de linguagem.”

Temos ai o apontamento de que a avaliação deve ser abrangente, levando em consideração tanto os aspectos objetivos como subjetivos, e utilizando diferentes estratégias e ferramentas que demonstre que o estudante domina os princípios do conhecimento científico e tecnológico, bem como as diferentes formas de linguagens. 

Abro um parêntese para salientar que parece que há uma falha dos nossos legisladores ao reduzir a formação básica apenas ao domínio dos princípios do conhecimento científico, tecnológico e nas diferentes formas de linguagens. Faltou a dimensão ética, defesa dos direitos humanos, da democracia e o exercício da cidadania. 

É importante não perder de vista que estamos falando da educação básica. Desse modo, no processo avaliativo não podemos exigir que o estudante saía do Ensino Médio como um especialista. Daí que a legislação é clara a falar num domínio dos princípios. Para ter uma formação mais aprofundada temos a formação superior.

Seguindo o que determina a lei de diretrizes e bases da educação  (LDB – 9394/96), o Documento Curricular no Território do Tocantins (DCT), pontua a existencia de três tipos de avaliação que deve ser apropriada pelo corpo docente, tendo em vista que todas tem a sua importância dentro das suas especificidades.

O primeiro tipo de avaliação que o DCT destaca é a diagnóstica que não tem como objetivo atribuir nota ou valores. “São utilizadas como indutoras do processo de ensino, funcionando como um guia durante o processo.” A segunda é a somativa, compreendida como “um instrumento necessário que configura o resultado do desempenho dos estudantes ao final de um período de estudos, geralmente com fins de certificação”. Por fim, tem a avaliação formativa “que se baseia em critérios referenciados com foco no estudante, de forma que para avaliar o progresso da sua aprendizagem, deve ser considerado seu esforço individual, seu contexto particular de possibilidades, e o seu progresso ao longo do tempo de estudo.”

Percebemos que esses diferentes tipos de avaliação deve dialogar entre si. Não podendo um ser trabalhado de forma isolado. Num contexto onde o objetivo é o desenvolvimento de competências e habilidades, o DCT ressalta a necessidade de se pensar em instrumentos adequados “à natureza da habilidade trabalhada e seu respectivo objeto de conhecimento, em que habilidades com trato cognitivo requerem avaliação com foco no cognitivo (geralmente conceitos), as que exigem o desenvolvimento de procedimentos para a promoção de situações em que o estudante possa demonstrar a execução do mesmo, enquanto no trabalho com habilidades com foco no atitudinal requer que o docente promova situações em que prevaleça a análise, reflexão e adoção de novas posturas frente aos desafios propostos.”

Nesse sentido o DCT do Tocantins orienta que a escola deve construir coletivamente sua proposta avaliativa, adotando instrumentos variados e levando em consideração os três tipos de avaliação (diagnóstica, formativa e somativa).

Ainda de acordo com o DCT: “A avaliação é entendida como caminho para construção do conhecimento de maneira integral, com foco nas múltiplas dimensões do desenvolvimento dos estudantes, visto que envolve suas competências e habilidades. Composta de várias etapas, deve ser o resultado da análise crítica da prática pedagógica, considerando os professores e os estudantes como sujeitos da avaliação.”

Diante disso o nosso desafio na escola, sobretudo no processo de construção do Projeto Político Pedagógico  (PPP) – que é onde decidimos coletivamente, entre outros, qual o modelo de avaliação adotaremos. É pensar a avaliação como uma análise-reflexiva do aprendizado do estudante. Outro ponto é a necessidade de desconstruir a avaliação de uma perspectiva vertical. Ou seja, de um movimento do professor para o aluno. Ora, a avaliação só tem sentido se ela provoca uma autoavaliação nos atores do processo. Essas autoavaliações por sua vez provocará uma nova avaliação. Com isso percebemos um movimento dialético provocando mudanças qualitativas. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica no CENSP Lajeado.


domingo, 10 de setembro de 2023

Conto: As moscas

Para pequena Maria Cecília 


Enquanto esperava o ônibus de volta da faculdade para casa não pôde deixar de ouvir a conversa entre duas meninas que também estavam ali esperando suas condução.

- O que você andou aprontando nesse final de semana?

- Fui na praia do lixão. Respondeu sorrindo. 

- Praia do Lixão?

- Amiga. É assim que a gente apelidou aquela praia. Tem um lixão bem na entrada.

Ele conhecia bem o lugar. Sempre passava ali correndo de tardezinha. Pensava consigo: - que bela referência para o principal ponto turístico da cidade.

Essa lembrança veio a sua cabeça quando passava correndo por aquelas bandas: - se aquelas meninas voltarem aqui já não veram aquela paisagem degradante. Creio que saíram com outra impressão. A usina de compostagem foi desativada e o mato verde dá uma impressão de área recuperada. 

Mas se caso elas resolvessem, assim como ele, praticar uma corrida por aquelas bandas veriam que não passa de aparência. O odor que dali exala não deixa dúvidas – o lixão continua ativo contaminando o solo e o ar. E o pior é que além da praia agora há um setor de moradias.

- Como fica a saúde das pessoas que moram ali? Pensou sobretudo nas crianças. – Respirar esse ar certamente não é saudável. 

- E as moscas. Disse-lhe certa vez um amigo.

- Mas moscas tem em todo lugar.

- Não como lá. 

Ele não tinha como discordar. Não morava lá. Passava apenas correndo. E apesar do odor não podia deixar de invejar aqueles que ali viviam, por terem uma bela vista da cidade.

- A gente até evita de chamar um amigo para um almoço em casa. Ter que ficar abanando mosca da comida. Ninguém merece.

Ele não disse nada. Mas pensou que havia naquela declaração uma certa dose de exagero.

- Um dia você vai ver. 

Moscas há em todo lugar. Mas não naquela quantidade. Imediatamente ele lembrou do amigo. – É,  não era exagero. Foi durante um almoço de celebração de aniversário de outro amigo que morava por ali que ele viu o fenômeno. Mesmo não sendo um especialista ele tinha certeza que aquilo não era natural. 

- Essas moscas. Era o que mais se ouvia por ali.

Ele lembrou da célebre peça do Jean-Paul Sartre (As moscas, 1943) – onde o filósofo e escritor francês faz uma alusão a ocupação nazista da França a partir da lenda grega de Oristes. Mas as moscas aqui não são simbólicas. São bem reais. Porém há algo em comum entre as moscas de Sartre e a daquele lugar. Ambas nos leva a política. Nesse sentido o povo daqui tem muito que se inspirar na peça Sartreana. Sobretudo a necessidade de resistência para mudar determinada situação. 

– Haverá algum Orestes nesse lugar? Certemente não na Câmara de Vereadores da  cidade. Pensa consigo.

Mais um dia de corrida por aquelas bandas. Ele não pôde deixar de observar as crianças brincado, enquanto as moscas as espreitam. Qual será o futuro daquelas crianças? Questinava-se. Enquanto isso no seu fone de ouvido, Jão  da Periferia S.A berra: “Todos devemos protestar/Não podemos nos intimidar/A terra nunca foi lugar de amor e paz/E quem está aqui tem que lutar”. Quem sabe um dia. Quem sabe um dia. Dizia para si mesmo.

Por Pedro Ferreira Nunes – apenas um rapaz latino-americano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in roll. 

terça-feira, 5 de setembro de 2023

Nos corredores do HGP

Algum dia do mês de Julho de 2021 - a mim  me pareceu que não tinha mais de 18 anos. Mas confesso que não sou muito bom em fisionomias. Na situação em que estávamos – no corredor de um hospital público – há uma aproximação maior, ainda que não queiramos. Eu acompanhando minha mãe. Ela em observação – mais tarde descobriria que era devido uma depressão severa que havia feito tentar o suicídio. 

Vendo aquele cenário triste, pensei comigo: - Se as pessoas fossem um pouco mais inteligentes agiriam de forma a evitar que um dia pudessem cair num lugar desses. Mas infelizmente não é bem assim. Por isso o negócio da saúde é tão lucrativo na nossa sociedade. Lembrei do Rousseau e a crítica que ele faz aos médicos. Lembrei também de um poema de Dom Pedro Calsadaglia criticando a mercantilização da saúde. Se estivéssemos pagando certamente não estaríamos naquela situação. O que é lamentável, pois todos deveríamos ter acesso a um sistema de saúde  pública de qualidade. 

A noite seria longa. Sem leitos disponíveis tínhamos que nos conformar com as cadeiras do corredor. Para fazer com que aquelas horas fossem mais tragáveis possíveis melhor era estabelecer uma relação de cooperação entre nós. E isso não foi nenhum pouco difícil. Parece que há uma espécie de união natural na dor. Foi nesse contexto que conheci aquela menina e um pouco de sua história de vida. 

De início ela parecia um pouco tímida. Já eu estava super ambientado (com minha boina na cabeça e uma bandana no rosto estilo soldado do EZLN, que “pouco” chama atenção) ajudando no que era possível aqueles que estavam mais necessitados que nós. 

Vi que havia uma cadeira vazia. E como ela estava em pé ao meu lado falei para sentar. Inicialmente ela disse que não, mas depois sentou. Talvez a minha iniciativa, demonstrando preocupação e cuidado, fez ela me ver com outros olhos. Já num segundo momento a iniciativa partiu dela. O motivo da conversa – minhas tatuagens. 

A partir dali ela foi se abrindo comigo. Logo confessou que gostava de meninas. Disse que achava homens negros lindos. E não via problemas gostar de meninas e achar os homens lindos – ainda que não sentisse atração por eles. Algumas senhoras ficaram horrorizados com aquela declaração. Eu sorri. Gostei da atitude dela. Ela então percebeu em mim alguém que não a julgava por ser quem era ela. E então nossa amizade se fortaleceu.

Algo naquela menina solitária me atraia. E eu quis saber mais sobre ela. E como cada vez mais ela me dava intimidade para pergunta-la eu o fiz. Por que ela estava ali? Qual era o seu problema? Já que aparentemente ela era perfeita. Ela não fez rodeios: - eu tentei suicídio, me mutilo há muitos anos. E me mostrou tanto nos pulsos como nas costas as marcas. E o que teria ocasionado isso? O pé na bunda de uma namorada? Eu quis saber. Ela disse: - A morte de minha mãe. Fiquei sem palavras. 

O que dizer para alguém que quer tirar a própria vida? O que fazer para que ela pense diferente? Da minha parte nada. Só me restava o silêncio. Eu não tinha como sentir a dor dela. De modo que qualquer coisa que eu falasse seria deslocado da realidade. E para fazer discurso vazio era melhor o silêncio. Talvez o meu silêncio demonstrasse mais respeito com sua dor do que tentar empurrar algum discurso vazio para convencê-la do contrário. 

Já o setor de psiquiatria do hospital seguia o caminho dos antidepressivos. Até quando resolveriam? Quem sabe.

Nas horas que passamos juntos ao invés de julga-la, busquei demonstrar compreensão. Ao invés de critica-la lhe apoiei. Do meio para o fim ela já estava planejando uma festa onde eu seria o convidado especial. – vai dá certo, respondi sorrindo. Ela me pediu um abraço. Ultimamente isso tem sido quase um mantra para mim. Ainda que tenho consciência que nem sempre vai dá certo. Mas tudo bem, por que a vida é assim. E assim como defendia Platão e Aristóteles devemos aprender isso desde cedo.

Não sei o que aconteceu com ela depois daquela noite. Sei que ela foi para casa um pouco melhor do que chegou ali. Espero que ela possa encontrar o apoio afetivo tão necessário para que possa vencer essa doença que lhe faz atentar contra a própria vida (ao contrário do que alguns ainda pensam, depressão é doença sim. E tem levado muito dos nossos jovens). 

Que nos seus episódios de crise mais aguda ela possa se lembrar daquele momento que foi tirar sangue e me pediu para acompanha-la. Vendo o seu nevorsimo lhe estendi a mão e ela agarrou firmemente. Ela então viu que não estava sozinha e venceu o medo. 

Por Pedro Ferreira Nunes – um rapaz latino-americano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in Roll.