quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Adaptabilidade

Depois do primeiro dia no meu novo local de trabalho e de toda receptividade que fez com que me sentisse acolhido. Achei que merecia uma cerveja. Desde que chegará ali mapeara todo o lugar. E percebi que o que não teria dificuldade era de encontrar um bar para tomar umas. E não precisaria nem ir muito longe.

Cheguei num lugar que não precisei dar mais do que dez passos de onde eu estava hospedado. Além do dono do bar e sua esposa não havia mais ninguém ali. Me chamou atenção a música que estava tocando – Roberto Carlos. Como um local aparentemente frequentado por peão de trecho estava tocando aquele tipo de música? Me questionei. A maioria dos bares atualmente tocam pop sertanejo. Ou por essas bandas do norte coisa pior do tipo Thiago Jhonathan. Perguntei qual cerveja que tinha e se eu poderia fumar um palheiro dentro do bar. O senhor que me atendeu apresentou o cardápio de cervejas e disse que não havia problema algum. 

Peguei a cerveja e sentei num canto escuro e o senhor sugeriu que eu sentasse num lugar mais claro por causa das muriçocas. A priori recusei dizendo que não tinha problemas. Mas como ele insistiu não me opus. Ele então sentou ao meu lado e começou a puxar conversa. Pelo rumo da prosa a minha ideia de que aquele lugar era frequentado por peão de trecho se confirmou. Foi no momento quando falei para ele que estava trabalhando no Colégio. E ele me perguntou se fazendo alguma reforma ou manutenção. Ou seja, deduzira que eu era um peão. Optei por não desaponta-lo e fiquei com a segunda opção. No final das contas ele não estava de todo errado. Nós professores da educação básica somos operários, ou seja, na linguagem popular, peões. 

Como não gosto de falar muito sobre mim. Logo tratei de reverter a situação. E comecei a questionar sobre a sua vida. E ele então se abriu. E a medida que eu demonstrava interesse pelo que ele estava falando. Ele ia se abrindo mais ainda. Enquanto o ouvia me passava pela cabeça que talvez não seria tão difícil aquela mudança. Logo eu estaria adaptado aquele bairro e aquela rotina. Iria conhecer pessoas novas, suas estórias e acabaria me integrando a comunidade. 

Eu tinha tido o primeiro contato com os estudantes em sala de aula e já havia me afeiçoado a eles. E eles também a mim (pelo menos alguns) por uns comentários que ouvi de uma coordenadora. E agora aquela interação com alguém da comunidade. Vai saber o que a vida nos reserva. Por enquanto vivamos o momento - Carpe Diem. 

Seu José, como se chamava o dono do bar. Me falou de quando chegará ali. De quando construiu o bar. 

– Aqui era só cerrado. Fui o primeiro a construir. Depois veio o dono dessa serralheria que fica aqui do lado. O povo dizia que a gente era doído. Pegavamos água para construir num córrego que existia onde é esse viaduto hoje. Eu sabia que um dia isso aqui ia ser movimentado. Ninguém acreditava. Meu pai mesmo tinha muita terra. Perdeu tudo.

E então ele me contou o início da capital, como foi surgindo aquela região a margem do centro. 

– Todos esses setores ai são frutos de ocupação (as aurenis). E virou o que virou – uma região bastante desenvolvida. 

Ao longo da nossa conversa descobri que o bar não era a principal fonte de subsistência do Seu Zé. Ele era servidor do município de Palmas e trabalhava como vigilante num posto de saúde. Além de possuir duas kit net de aluguel – que juntamente com o bar lhe proporcionava uma renda extra. Durante nossa conversa também descobri que ele tem o projeto de ser vereador. Perguntei se ele já tinha se candidatado alguma vez e ele disse que a vereador seria a primeira. Mas já tinha se candidatado a deputado estadual, no entanto percebeu que não estava tendo o apoio financeiro que deveria por parte do partido e acabou desistindo.

Fiquei curioso para saber com qual grupo político ele iria embarcar nessa aventura. Sobretudo quando notei numa fala dele uma simpatia pelo Presidente Lula. Ele disse que seria com Eduardo Siqueira Campos. Questionei-o sobre a aparente força da deputada estadual Janad Valcari. Ele disse que ela, enquanto vereadora não fez nada pela região Sul. De modo que preferia o herdeiro político do velho Siqueira Campos. Me disse que ele sempre lhe atendia e mostrou uma foto de uma visita que o Eduardo fizera ao seu bar.

Assunto não faltava. E a conversa seguiria até mais tarde. Mas eu tinha que repousar. Pois no dia seguinte teria que acordar cedo e seguir para o meu segundo dia na nova escola. Paguei a conta, me despedi de Seu Zé desejando-lhe boa sorte na empreitada como candidato a vereador da capital. E segui para o meu repouso. 

Agora que escrevo essas linhas lembrando desse episódio, me veio á cabeça uma característica minha – a adaptabilidade. Característica expressa nas muitas tatuagens de lagartos que tenho pelo meu corpo. Confesso que tenho uma certa resistência em mudar a minha rotina. Mas quando essas se tornam inevitáveis não há por que ficar lamentando. É se reorganizar e se adaptar a nova realidade. Por mais que doa vou conseguir. E seguir.

Por Pedro Ferreira Nunes – Um rapaz latino americano  que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock in roll.

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