Simone Campos, escritora carioca, transformou essas questões em inspiração para escrever um livro de contos intitulado de “amostra complexa” (Editora 7 letras, 2008). Os contos, lembram crônicas – o olhar de uma jovem, em conflito consigo e com o mundo, para o cotidiano. É como se tivéssemos acesso a um diário pessoal de uma adolescente do colegial.
“Eu falo e rio menos que as outras garotas, e pessoalmente acho que as pessoas ficam muito feias quando mostram os dentes, portanto falo e rio menos ainda”.
O trecho acima é do conto Mousmé (conto japonês). A partir do qual podemos imaginar o perfil da nossa narradora – uma jovem introvertida. Ao longo da leitura do conto isso fica mais evidente a partir da visão que ela tem dos seus colegas e professores – que na visão da narradora sempre se apaixonaram por ela desde o 6° Ano do Ensino Fundamental, ainda que ela nunca tenha correspondido. Eis aí mais uma coisa que conseguimos capitar na nossa personagem – Ela é observadora. Como podemos perceber no trecho a seguir do conto herói.
“Há em toda praça um mendigo maluco. O daqui de baixo tem mania de saudar freneticamente o nada; pela observação assídua, descobri que está fazendo sinal para um ônibus que só ele vê, e que nunca pára.”
Percebemos também uma certa indiferença com as expressões da questão social. Típico de um sujeito individualista que só pensa em si – que se acha o centro do universo. É a linha que se segue no conto sexo em anegue (conto africano).
“Eu queria mesmo era poder entrar em outra pessoa e espiar o que elas estão sentindo sobre elas mesmas. Por que aqui dentro eu já sei como é; e também já consigo sair e me ver como elas me vêem.”
Temos aí uma boa dose de prepotência. Alguém que se acha capaz de saber exatamente como as pessoas á vêem. Ora, a gente imagina, mas saber exatamente é demasiado taxativo. A maturidade certamente a fará mudar essa visão.
“Mas queria saber como elas se vêem, de verdade, por dentro. Saber se elas também se sentem mal assim quando pensam em si mesmas e, se sim, como conseguem disfarçar e levantar a cada dia e ir trabalhar, ou estudar, ou pelo menos andar pela rua sem que ninguém pense: lá vai a coisa toda errada. Assim pelo menos eu não me sentiria sozinha”.
A maturidade a fará compreender também que não precisamos trocar de lugar com o outro para saber que ele também sofre – que também se sentem sozinhos. Afinal de contas, como diz o ator Paulo Autran numa célebre entrevista – a solidão faz parte da condição humana.
Eita, acho que acabei divagando e fugindo do objetivo desse texto – fazer uma resenha (não uma análise filosófica) da obra. Voltemos então. Além dos contos citados acima. O livro é composto por mais 9 contos – que seguem a linha dos exemplos que demos acima.
Do ponto de vista estético diria que a obra, com exceção de alguns trechos, poderia ser melhor lapidada. Mas é preciso compreender que se trata de uma autora em formação – que demonstra muito talento pelas exceções que citamos – o que torna a leitura interessante. Assim como esse aspecto pessoal a partir do olhar feminino que faz com que nos tornamos uma espécie de cúmplice dessa criatura em conflito consigo e com o mundo:
“Era muito crueldade. Quer dizer, ela está tentando ser boazinha, más usa método de má. Acho que muitas mulheres fazem isso – as melhores, tenho que reconhecer” (Campos, Simone. In Tão bonito que dói, 2008).
Por Pedro Ferreira Nunes – Um rapaz latino americano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock in roll.
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