domingo, 25 de fevereiro de 2024

Uma noite em Macondo

Cheguei em Macondo por volta de umas 18h. Nunca havia estado ali. Mas era como se eu conhecesse cada palmo daquele lugar. Percorrir as ruas do povoado e vi dezenas de rostos que me pareceram familiares. Pietro Crispi ainda não havia fechado sua loja de música. Ou seria o seu irmão? O padre Nicanor na porta do seu templo pregava para as moscas. Arcadio voltando da escola provavelmente seguia ao encontro de Santa Sofia de la Piedad. Numa esquina, Pilar Terneira nos braços de um amante qualquer. 

Ao passar pela taberna de Catarino não me contive e entrei. Pedi uma bebida e fiquei observando o movimento das mulheres cheirando flores mortas, atendendo a clientela. Num canto atracado com uma qualquer me pareceu Aureliano José. Provavelmente tentando esquecer de Amaranta. O lugar estava animado. Mas eu precisava seguir viagem. Aquela pequena de olhar convidativo ficaria para outra oportunidade. Quem sabe?!

Segui caminho e avistei a casa dos Buendias. Vi uma jovem senhora bordando. Creio que era Amaranta. Em outro canto um senhor conversava sozinho em baixo de um pé de árvore. Era o velho José Arcadio Buendía conversando com o espírito do Prudêncio Aguilar. Visitacion passou apressada rumo a cozinha onde estava Dona Úrsula preparando algumas guloseimas. Como não admirar dona Úrsula – ela representa a figura trágica da mulher que é obrigada a deixar de ser para si – doando-se integralmente a família. E aquela, não era uma família qualquer. 

Que coisa estranha. No interior o tempo parece passar mais lentamente. Mas aquela noite não. Quando me dei conta já era quase manhã. E eu precisava ir embora dali. Mas não podia fazer isso sem antes passar no cemitério e visitar o túmulo do grande Melquiades. E assim o fiz. No caminho passei numa casa que provavelmente pertencia a José e Rebeca. Por um segundo me pareceu ver o vulto de uma figura toda tatuada – sim, era a casa do casal que se formou de uma paixão avassaladora.

Passei no cemitério. Sentei ao lado do túmulo do velho Melquiades, acendi um palheiro, e enquanto fumava fiquei meditando sobre aquela figura – que dedicou toda a vida a busca pelo conhecimento. E havia impregnado naquele povo – sobretudo no José Arcadio Buendía – a paixão pelo extraordinário. Só esqueceu de dizer que quem ousa seguir o caminho do extraordinário é tido como louco. E acaba tendo um final trágico. E de tragédia os Buendias entendiam bem – afinal de contas estavam condenados a cem anos de solidão.

De repente me pareceu ouvir um trotar de cavalos. A frente da tropa três figuras se destacavam. Roque Carniceiro, Gerineldo Márquez e o grande Coronel Aureliano Buendía – com seu ar solitário e um olhar perdido no horizonte. Pronto, agora eu podia partir satisfeito de Macondo. Tinha visto o mais famoso dos Buendias – o terror dos conservadores. 

Segui viagem esperando voltar um dia aquela cidade. Reencontrar aqueles rostos conhecidos, tomar umas na taberna de Catarino. Quem sabe me deitar com uma daquelas mulheres cheirando a flores mortas. Vai saber o que a vida nos reserva. Talvez eu até me case com uma das filhas do Sr. Moscote e fique morando ali. 

Ou não. Talvez quando eu retornar, Macondo já tenha se modificado bastante. Sobretudo com a chegada das modernidades trazida pelos gringos da companhia bananeira. Muito desses rostos conhecidos estarão descansando no cemitério – José Arcadio Bundía e seus filhos – netos e bisnetos – que herdaram não só sobrenome, mas também os nomes que vão se repetindo – Joses e Aurelianos. E as tragédias. Visitacion, Dona Úrsula, Rebeca, Amaranta. Já não encontrarei a taberna de Catarino, Pilar Terneira e nem as mulheres cheirando a flores mortas.

Nessa Macondo não me interessa viver. Apenas passarei buscando em alguma paisagem, lembranças do passado – dos velhos rostos e lugares. E seguirei meu caminho. Quem sabe eu não sou um desses condenados a cem anos de solidão.

Pedro Ferreira Nunes – apenas um rapaz latino-americano que gosta de ler  escrever, correr e ouvir Rock in roll. 

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