sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Crítica a sequência didática de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas elaborada pela Gerência de Formação Continuada do Tocantins

Sempre que participamos de uma formação, os técnicos da Secretaria de Estado da Educação do Tocantins (SEDUC), fazem questão de lembrar sua origem - o chão da sala de aula. Trata-se de uma estratégia para minar a resistência dos colegas que estão nas escolas, bem como dar maior legitimidade ao que será apresentado. Analisando esse discurso, que virou inclusive uma piada entre nós, me ocorreu que se trata de uma falácia. Pois não necessariamente o que será dito não quer dizer que deva ser acolhido só por que foi pensado por alguém que veio da sala de aula. Até porque quando falamos deste lugar, estamos falando de um lugar dinâmico.

Comecei a refletir sobre essas coisas durante uma formação da Gerência de Formação Continuada do Tocantins sobre sequência didática para serem desenvolvidas pelos componentes curriculares da área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.  A primeira coisa que me chamou atenção foi uma perspectiva unidimensional da sala de aula e consequentemente da educação.

Antes de aprofundarmos a esse respeito é importante conhecermos o conceito de unidimensional que tem origem no pensamento do filósofo frankfurtiano Herbert Marcuse - ao analisar a ideologia da sociedade industrial. Este filósofo chama atenção para uma imposição de uma racionalidade tecnológica que tem por objetivo a construção de uma sociedade sem oposição, que funciona a partir de uma única visão - a visão da classe dominante. Nesse contexto, dois elementos são fundamentais. A ausência da crítica, e consequentemente, as possibilidades de mudança. E de novas formas de controle, mais suaves. Desse modo, Marcuse irá denunciar o caráter autoritário dessa sociedade.

A educação não está alheia a esse processo, e quando vemos formações como essa, isso fica evidente. Ora, quando se elabora uma sequência didática de cima para baixo. Sem levar em consideração as diferentes realidades que encontramos, não podemos dizer outra coisa senão que é a imposição de uma perspectiva unidimensional à sala de aula.

Quem atua como professor sabe que encontramos diferentes realidades dentro de uma única sala de aula, imagina então de uma turma para outra, de uma escola para outra, de uma região para outra e daí por diante (sem falar nas condições estruturais). De modo, que qualquer fórmula elaborada fora da realidade em que se está tende ao fracasso. Obviamente esse é o caso da sequência didática em análise.

Um argumento que utilizaria para fundamentar minha crítica é a fala de professores que acabam de se formar e ingressam na docência na educação básica e tentam aplicar na sala de aula o que aprendeu na academia. Ou seja, percebem o distanciamento entre a teoria e a prática. Tendo portanto que enfrentar o desafio a partir da prática na sala de aula de desenvolver a sua didática e metodologia, assimilando o que Marx determina de práxis.

Dito isso não poderíamos, para quem não sabe, definir o conceito de práxis em Marx, a partir da leitura feita por Adolfo Sánchez Vázquez. Refere-se a relação intrínseca entre teoria e prática. Nas palavras de Vázquez (2011), ao falar da filosofia da práxis: “uma teoria que veja seu próprio âmbito como limite que deve ser transcendido mediante sua vinculação consciente com a prática”. Num movimento dialético da prática à teoria e da teoria à prática. Tendo no entanto a prática como validadora da teoria e não o contrário.

Seguindo essa linha, se quem pensa as ações pedagógicas da educação pública no Tocantins (sobretudo para a sala de aula) estão seriamente preocupados com a melhoria do ensino. Deveriam ouvir quem está (que é bem diferente de quem já esteve) no chão da sala de aula. Ninguém melhor de quem está enfrentando diariamente os desafios de uma sala de aula, com metodologias e didáticas exitosas (e outras nem tanto) para apontar novas possibilidades. Óbvio que com a carga-horária de trabalho em sala de aula poucos irão se dispor. De modo que deve se pensar uma redução dessa carga-horária para que o professor possa pesquisar e planejar. E consequentemente desenvolver o seu fazer profissional com mais qualidade.

Acredito que os colegas que elaboraram essa sequência didática fizeram com a melhor das intenções - ajudar quem está no chão da sala de aula (sobretudo os novos professores que iniciaram a carreira agora e estão um tanto perdidos). Mas ao fazer isso não estão resolvendo o problema. Pior, estão contribuindo para imposição de uma perspectiva unidimensional à sala de aula. E assim estão, talvez de forma inconsciente, contribuindo para a manutenção da ordem vigente. Que as outras áreas engulam isso sem questionar, compreendo. Mas nós da área de humanidades de forma alguma.

Pedro Ferreira Nunes - É Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. E atua como Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins.

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