sábado, 10 de agosto de 2024

Resenha: O velório de mais de vinte anos, do jj Leandro

Narrativas curtas, estórias trágicas que mostram a nossa condição de seres finitos. Com uma boa dose de humor indigesto. É o que encontramos nessa coletânea de contos do escritor Maranhense, radicado em Araguaína, jj Leandro - uma das referências na prosa ficcional produzida no Tocantins.

A coletânea foi publicada em 2023, numa edição de alta qualidade pela editora Penalux. A obra é organizada em duas partes: a primeira é denominada de contos para ler com lupa e tem 95 estórias. Já a segunda parte denominada de contos para ler no microscópio trás 102. A grande maioria tem como temática a questão da finitude, ou seja, a morte. O título da coletânea mostra bem isso - o velório de mais de vinte anos - que é um dos contos que compõem o livro. 

Desse modo, além do aspecto estético, as estórias do jj Leandro nos leva a refletir sobre uma questão incontornável da nossa condição humana - que é a morte. E assim o autor contribui para que essa temática seja discutida com maior naturalidade na nossa sociedade.

Essa bandeira tem sido levantada ultimamente por Andreas Kisser (músico e integrante da banda Sepultura) que perdeu a esposa para um câncer e a partir de então fundou o movimento Mãetricia que tem como bandeira a defesa da morte digna. Algo que, quem já passou por uma situação de luto, sabe que é necessário.

Voltando ao livro, no conto que dá título à obra o personagem é um ancião de mais de 100 anos que de repente morre após viver por muitos anos em estado vegetativo. Ou seja, alguém que já havia morrido em vida - se tornando um peso para a família. Tanto que quando morre é imediatamente enterrado. Pois seus familiares julgam já tê-lo velado por muito tempo.

Nesse conto a gente percebe uma característica da literatura do jj Leandro - o humor ácido - que nos leva da alegria a tristeza e da tristeza a alegria. Me lembrou um pouco um punk rock que nos traz verdades indigestas - difíceis de engolir. Mas, necessárias.

Assim como um punk, jj Leandro busca inspiração para os seus contos na realidade. Inclusive em episódios que marcaram nossa história recente. Por exemplo, no conto à queima roupa:

ele resolveu seguir o conselho do líder religioso e abdicar da compra do feijão para família… Melhor vender uma quinquilharias de casa e comprar pela primeira vez na vida uma arma… (pág. 35).

Com isso temos outro aspecto da literatura do jj Leandro, nessa obra. O viés político ao denunciar um discurso que nos leva a passividade, a apatia ou a violência - uma violência que se volta contra nós.

Do ponto de vista estético, temos narrativas bem construídas. Mas acredito que o ponto forte da obra é o caráter provocador - que alimenta a dúvida e nos faz pensar. Ou seja, é como se as estórias não tivessem um ponto final. Na nossa cabeça somos levados a vislumbrar outros desfechos possíveis, como no conto besta que é concluído com uma interrogação. Com isso o autor provoca o leitor a não se comportar passivamente. Mas como coautor.

Como são narrativas curtas a leitura flui rapidamente, sobretudo porque jj Leandro não tem uma linguagem complexa. É direita, lembrando novamente as letras de punk rock. A segunda parte então, mais ainda, onde alguns se resumem a uma frase como em aprendiz: 

morreu no horizonte como o sol, mas sem a certeza de voltar no dia seguinte (pág. 218).

Ou o patíbulo:

foi o lugar mais alto em que subiu na vida (pág. 217).

Enfim, não tenho dúvida em afirmar que o velório de mais de vinte anos, se coloca como uma das principais obras de ficção escrita no Tocantins, no campo da prosa. Aliás, na minha análise, jj Leandro é uma das referências quando falamos em conto, não só no Tocantins. Mas ele também já produziu outras obras entre romance e poesia. A exemplo de quase ave (2002).

O velório de mais de vinte anos, assim como outras, de outros autores publicadas nos últimos anos, mostra a força e qualidade da literatura que vem sendo produzida no Tocantins. Óbvio, como em todo lugar, tem muita coisa que carece de maior maturidade literária, sobretudo no campo da prosa. Mas tem aquelas que vão para a prateleira das referências. É o caso desse.

Pedro Ferreira Nunes - É Professor na Rede Estadual de Ensino do Tocantins e também se aventura na produção literária.

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