“Marx elaborou as bases de uma vasta concepção do homem e do mundo. Por força das condições em que viveu e em virtude da urgência das tarefas que se impôs, não pode desenvolver suas idéias no que concerne aos diversos planos da atividade humana: concentrou-se nos exame dos problemas econômicos, sociais e políticos.”
Leandro Konder
Nesse ano em que se celebra os 200 anos do natalício de Karl Marx têm sido publicado várias livros que resgatam a sua trajetória de vida bem como a relevância das suas obras. Porém não falaremos aqui de uma dessas novidades. Mas de um livro que já foi publicado há certo tempo – a primeira edição data de 1968. Trata-se de “Marx: Vida e Obra” escrito pelo filósofo Leandro Konder. A edição da qual falaremos é a 7ª publicada pela editora “Paz e Terra” em 1999.
Comecemos, pois falando do autor do livro – Leandro Konder – sem dúvidas uma das referencias filosóficas na América Latina nos estudos Marxianos e Marxistas. Leandro Konder Nasceu no Rio de Janeiro no ano de 1936 numa família envolvida com a militância política. Inclusive seu pai – o médico Valério Konder – era líder comunista. Leandro Konder por sua vez formou-se em Direito, mas foi na Filosofia, onde doutorou-se, que digamos, ele se encontrou. Dedicou boa parte da vida a militância política e a docência e é a partir daí que surgiram suas obras. Entre elas podemos destacar: “Marxismo e alienação”, “O que é dialética”, “O marxismo na batalha das ideias”, “O futuro da filosofia da práxis”, “A questão da ideologia” e “Sobre o amor”.
“Marx: Vida e Obra” é dividido por tópicos que são desenvolvidos de forma breve. Ele parte do “Nascimento” de Karl Marx em “Tréves, no sul da Prússia Renana, região situada hoje na Alemanha” (pag. 11). Passando pela “infância”, a relação com sua companheira de toda a vida – “Jenny”. A vida universitária, a atividade como jornalista, a amizade e parceria com “Engels”. O seu desenvolvimento intelectual, a militância política, as “polêmicas” travadas com tudo e todos. As perseguições que sofrerá fazendo com que “mudasse mais de país do que de sapatos” como diria Brecht. A miséria permanente, as perdas sofridas, enfim a “morte” e o seu legado.
E no meio de todas essas questões Leandro Konder vai introduzindo os principais conceitos marxianos e o contexto em que foram elaborados. Por exemplo, “Alienação”, “Dialética”, “Materialismo”, “Prática”, “Mais-Valia” entre outros. Tudo numa escrita bem objetiva – no intuito apenas de introduzir Marx aqueles que não o conhecem, mas querem se aventurar nos estudos da sua obra. Konder acerta na medida, sobretudo ao deixar aquele gosto de “quero mais”. E isso leva o leitor a ir buscar outras leituras, especialmente do próprio Karl Marx.
Para se ter uma ideia como ele desenvolve isso vejamos um trecho do livro no tópico sobre a polêmica que ele trava com “Proudhon”, polêmica da qual teve como fruto a obra “A miséria da Filosofia” em resposta “A filosofia da miséria” de Proudhon.
"Proudhon condenava a filosofia dos que procuravam explorar a miséria dos trabalhadores, conduzindo-os por caminhos revolucionários (que, a seu ver só lhe trariam prejuízos). Marx criticou Proudhon por reduzir a dialética hegeliana às proporções mais mesquinhas que poderiam ser imaginadas. “Na França, ele tem o direito de ser um mau economista, porque passa por ser um bom filósofo alemão. Na Alemanha, tem o direito de ser um mau filósofo, porque passa por ser um dos melhores economistas franceses”." (KONDER, 1999; 59)
É essa trilha que Leandro Konder segue por toda a obra. Trazendo questões da vida e da obra de Karl Marx intercalando com citações diretas do próprio biografado. Como podemos verificar em mais um trecho no tópico onde o autor aborda a “Dor” sofrida por Marx com a perda do filho Edgar aos nove anos de idade.
"A morte do garoto deixou Marx acabrunhadíssimo. Em total prostração, ele escreveu a Engels: “tenho passado por todas as espécies de dificuldades, mas só agora sei mesmo o que é uma verdadeira desgraça”. E, dois meses depois, ainda escreveu a Lassalle: “Bacon diz que os grandes homens têm relações tão diversas com a natureza e com o mundo, têm tantos objetivos a reter-lhes a atenção, que lhes é fácil esquecer a dor de qualquer perda. Pois bem: não sou um desses grandes homens. A morte de meu filho me abalou profundamente o coração e a cabeça. E continuo a sentir-lhe a falta com a mesma intensidade que no primeiro dia”. "(KONDER, 1999:87)
A narrativa de Konder não é cansativa, pelo contrário. Tem uma verve literária que torna a leitura por demais agradável. E assim vemos se materializar diante de nós o homem que Engels definiu como “Revolucionário” que se dedicou a cooperar de diversas formas com a superação da “sociedade capitalista e das instituições de Estado por ela criadas”. O homem que tinha como elemento a luta. “E lutou com paixão, uma tenacidade, um êxito, como poucos.” (Engels)
Falando da posteridade da obra de Karl Marx, Leandro Konder ressalta que mesmo pensadores não marxistas reconhecem a vitalidade do seu pensamento.
"é por isso que um Heidegger por exemplo, no fim da vida estava se dedicando a reflexões sobre temas colhidos na obra de Marx. É por isso que Jean-Paul Sartre, tendo partido de pontos de vista existencialistas, desemboca na conclusão de que: “o marxismo é a filosofia insuperável do nosso tempo”. E é por isso que o católico Jean Lacroix, replica àqueles que se apegam a uma versão dogmática do marxismo, escreve: “Em sua inspiração mais profunda, o espirito marxista é, sem dúvida, uma negação radical de todo dogmatismo”." (KONDER, 1999; 151)
Sem dúvidas “Marx: Vida e obra” de Leandro Konder é uma ótima maneira de se introduzir nos estudos da obra Marxiana. E por que começar lendo uma biografia em vez de ler o próprio Marx? Por que acreditamos, tal como aponta uma perspectiva hermenêutica, que não podemos conhecer a obra de um autor sem entender quem foi esse autor e o contexto no qual ele desenvolveu suas ideias.
Além disso, não podemos deixar de lado a biografia de Karl Marx para não cairmos numa visão reducionista da sua obra ou então tirar o seu conteúdo subversivo e revolucionário. Isso não quer dizer que devemos, se de fato queremos entende-lo, se limitar a leitura de uma biografia.
Aliás, o próprio Leandro Konder deixa claro que o seu objetivo com essa obra é apenas nos legar uma “breve introdução a Marx”. Afirmando que “quem quiser aprofundar seus estudos sobre Marx e suas concepções, evidentemente, deverá procurar lê-las nos próprios textos de sua autoria”. (KONDER, 1999; 153). Uma questão fundamental, sobretudo nos tempos medíocres que vivemos.
Pedro Ferreira Nunes – Cursou a Faculdade de Serviço Social e atualmente estuda Filosofia na Universidade Federal do Tocantins. É Educador popular e Militante do Coletivo José Porfírio.