segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Castro Alves e as Vozes d’África – Festival Virtual de Arte e Literatura do CENSP-LAJEADO

“O povo é como o sol! Da treva escura

Rompe um dia co’a destra iluminada...”.

Castro Alves 


Castro Alves e as Vozes d’África – eis aí o tema do Festival de Arte e Literatura do Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência (Munícipio de Lajeado)  que ocorrerá na Semana de 16 á 20 de Novembro – onde se celebra o dia da Consciência Negra – uma data que ganha relevo este ano devido ao Movimento Black Lives Matter – que sacudiu os Estados Unidos da América e que tem inspirado manifestações no mundo todo contra o racismo.

No Brasil essa luta vem ocorrendo há séculos, quando a escravidão ainda era permitida oficialmente. De modo que se hoje á luta dos Negros por cidadania plena é difícil, imagina naquela época então. Mas foi nesse contexto que o jovem Castro Alves,  aspirante a advogado, levantou sua voz através da poesia para denunciar os horrores e imoralidade da escravidão – Não teve medo de mostrar na Casa Grande a condição desumana imposta nas senzalas. Tornou-se conhecido como o Poeta dos Escravos – o que dava voz aqueles que não tinham direito a palavra. 

No poema O sol e o povo (1865) ele escreveu: “O povo é como o sol! Da treva escura. Rompe um dia co’a destra iluminada. Como o Lázaro estala a sepultura”. Certamente ele estaria feliz vendo o levante de movimentos como Black Lives Matter. Pois como mostra os versos citados, ele sempre acreditou na capacidade do povo negro despertar e lutar por sua libertação. Como também podemos perceber em poemas como “A criança”, “Antítese” e “Saudação a Palmares”.

Desse modo o Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência não poderia escolher melhor nome para homenagear no seu festival de Arte e Literatura. Castro Alves foi um grande humanista, defensor da liberdade, amante das artes e da literatura. Aliás, fez dessa a sua arma em defesa de uma sociedade melhor. Em tempos onde a arte e a literatura, e também as ciências estão sobre ataque, celebrá-lo consiste num ato de subversão. E precisamos cada vez mais de atos de subversão para que as trevas não prevaleçam sobre a luz.

Não é a primeira vez que o Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência realiza um festival de Arte e Literatura e muito menos promove a Consciência Negra – tais ações estão no Projeto Político Pedagógico da Escola que está em consonância com as dez competências gerais da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), entre elas a valorização e utilização dos “conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva”. 

Essa edição se dará no formato virtual devido a suspensão das aulas presenciais como medida de prevenção á COVID-19. Será mais uma experiência das muitas que estamos vivendo nesse contexto de pandemia. Se exitosa ou não, não sabemos. Mas se tem algo que temos aprendido nesse período é não ter medo de tentar – agir ao invés de se acomodar. Quando isso é assumido pelo coletivo então, a probabilidade de acerto aumenta significativamente. 

Sendo de forma virtual o alcance do evento é muito maior – qualquer pessoa com acesso a internet poderá apreciar as produções artísticas e literárias dos estudantes do CENSP-Lajeado. Além de acompanhar importantes reflexões dos nossos professores, através de videos-entrevistas, sobre temas relevantes como o racismo, a cultura quilombola, o papel da educação, entre outros. Além disso também haverá lives através do Google Meet. Sendo que numa dessas teremos uma roda de conversa sobre o nosso Poeta, a sua obra e o seu legado.

Fica então o convite a quem possa interessar (link do evento:https://sites.google.com/view/fal-censplajeado/in%C3%ADcio?authuser=0). Para mais detalhes e informações é só acompanhar as redes sociais do CENSP-LAJEADO.  E para concluir, citemos mais uma vez Castro Alves:

Parte, pois, solta livre aos quatro ventos

A alma cheia das crenças do poeta!...

Ergue-te, ó luz! – Estrela para o povo,

Para os tiranos – lúgubre cometa. 

                         Adeus, meu canto. 1865.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.



terça-feira, 10 de novembro de 2020

Alguns comentários sobre a reta final das eleições no Tocantins

Caminhamos para reta final das eleições no Tocantins, pois ao contrário de outros Estados, independente da distância entre o primeiro e segundo colocado não teremos segundo turno, já que nenhum município tocantinense possuí mais de 200 mil eleitores. Até agora nenhuma grande surpresa que contrarie as análises que venho fazendo desde 2019 sobre o cenário político-partidário tocantinense. O que não é nada bom pois significa um cenário de estagnação – de mais do mesmo.

Em Palmas

Cinthia Ribeiro (PSDB) caminha para sua reeleição com apoio de forças tradicionais da política tocantinense e figuras como o Ex-Governador Siqueira Campos. Nenhum candidato da oposição tem conseguido mostrar força suficiente para derrota-la. Alguns analistas creditam isso no fato de haver muita fragmentação na oposição. De modo, que se houvesse unidade da oposição em torno de uma única candidatura a eleição de Cinthia Ribeiro não seria tão fácil assim. Sinceramente não vejo sentido numa unidade da oposição unicamente para derrotar a atual prefeita. Essa unidade só teria sentido se fosse  construída em torno de um projeto comum de cidade e não unicamente pelo poder. Esse projeto comum não existe, de modo que seria forçoso colocar num mesmo palanque grupos com discursos contrários. O PSB do Andrino/Amastha fez isso com Vicentinho e Katia Abreu e deu um belo tiro no pé. 

Em Araguaína e Gurupi

Na segunda e terceira maior cidade do Tocantins os candidatos apoiados pelas atuais gestões caminham para triunfar. É aquela história, uma gestão bem avaliada pela população,  é um poderoso cabo eleitoral que dificilmente deixa de eleger um sucessor aliado da gestão. E esse é o caso de Dimas (Podemos) em Araguaína e de Laurez (PSDB) em Gurupi – duas gestões bem avaliadas pelos seus munícipes. Nesses municípios são os pupilos políticos desses atuais gestores que lideram – Wagner Rodrigues (SD) e Gutierres Torquato (PSB). A lógica seguida pela população é que esses candidatos vão dar continuidade ao projeto de governo em curso nesses municípios. Mas não é isso que geralmente acontece. E o que não faltam são exemplos na política tocantinense que corroboram com o que estou falando. Só para pegar um exemplo mais recente Amastha e Cinthia Ribeiro. O fato é que se Wagner e Gutierres (se eleitos) pretendem ter uma vida longa como gestores precisaram mostrar personalidade própria e se afastarem dos seus padrinhos políticos. Até mesmo se opor dependendo das circunstâncias. 

Em Porto Nacional e Paraíso 

Juntamente com Palmas, Araguaína e Gurupi. Porto Nacional e Paraíso formam as cinco cidades com maior eleitorado no Tocantins. Na velha Porto a família Andrade tenta retornar ao poder, para tanto terá que derrotar o atual prefeito Joaquim Maia (MDB) – candidato a reeleição. Um ponto interessante nessa disputa é o apoio de figuras do MDB ao candidato da família Andrade. Justamente o que falamos que aconteceria, sobretudo se falando do Senador Eduardo Gomes. De todo modo, a população de Porto caminha para eleger um projeto que todos conhecem bem. Já em Paraíso o cenário é o mesmo de Araguaína e Gurupi. Isto é,  o candidato favorito é o candidato apoiado pelo atual prefeito – Moisés Avelino (MDB) que é bem avaliado pela população local.

Miracema e Lajeado

Não são duas cidades que tem um grande peso no cenário político tocantinense. Mas não poderia deixar de falar delas: por uma questão afetiva em relação a Miracema. E por Lajeado ser o lugar onde moro. Em Miracema o cenário é o que apresentamos num artigo “Conjuntura política em Miracema: Rupturas, Realinhamentos e Ressentimentos”. Quando olhamos a disputa eleitoral entre Saulo Milhomem (PP) e Camila Fernandes (MDB) vemos como o ressentimento tem dado o tom da campanha. Não é de hoje que esse afeto tem tomado conta da política miracemense. Talvez o resultado das eleições possa contribuir para que isso diminua, já que enquanto não houver uma resposta oficial acerca do assassinato do Prefeito Moisés Costa, isso não será totalmente superado. Em Lajeado tem se confirmado o que apontamos no artigo “Lajeado: Análise do resultado da eleição suplementar e perspectiva para 2020”. O resultado dessa eleição dependeria do sucesso da atual gestão e da capacidade de manter as alianças construídas no pleito suplementar. Como isso não aconteceu temos uma eleição bastante disputada entre o atual prefeito Júnior Bandeira  (MDB) e o Vereador José Edival (PSC). Ao contrário do que dizem, a eleição de José Edival não significa uma renovação,  mas o retorno de um grupo que comandou o município até a cassação do mandato do ex-prefeito Tércio Neto. Se a opção for pelo Júnior Bandeira a opção é pela continuidade da gestão iniciada em Dezembro de 2019. E também por um estilo de governo bastante conhecido já que o Bandeira administrou a cidade entre 2000 e 2008.

Alguma conclusão 

Apresentamos aqui o cenário apenas em alguns municípios Tocantinenses.  Nos demais a situação não é muito diferente. A população escolherá entre continuar ou retornar a um projeto de governo conhecido – pois é preciso ter claro que eleger um nome diferente não é eleger um grupo político diferente e muito menos um projeto de governo.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Perguntas a se fazer para definir em quem votar para compor a Câmara de Vereadores da sua cidade

 “Ele apenas se recusou,
antes que fosse tarde de mais.
Pois sabia se aceitasse,
não poderia voltar atrás. 
Em seu olhar estava a resposta,
mas ninguém conseguiu entender.
E ficaram a se perguntar,
Por que?”
Inocentes 

Votar ou não votar? Eis a questão com que milhares de eleitores se deperam em anos eleitorais. A opção não votar tem ganhado mais adepto a cada ano (vide o aumento significativo do número de abstenções, votos nulos e brancos). Mas a grande maioria opta por votar mesmo sabendo da enorme probabilidade de se decepcionar com o seu ou sua elegida. Alguns desses, na próxima eleição, aumentarão as estatísticas das abstenções, votos nulos e brancos. Outros buscam justificar dizendo: - Como eu poderia saber?! Ninguém tem estrela na testa. É como se dissessem: - Nessa errei, na próxima acerto. Ou então acabam se deslocando para uma posição totalmente pragmática: - Ele rouba, mas faz.

Quanto a esses últimos não há muito o que  fazer. Mas os outros sim – esses poderão buscar diminuir a probabilidade de elegerem candidatos que depois os decepcionaram. E creio que um dos caminhos para diminuir essa probabilidade é fazendo algumas perguntas que lhes ajudaram a escolher melhor.


Qual a história do candidato ou candidata? 

Você deve minimamente saber em quem está votando. Qual a trajetória dessa pessoa. De onde veio. Qual a sua formação. A sua experiência. O que já fez. O que deixou de fazer. Como se posicionou diante de determinadas questões. São informações importantes que lhe ajudará a compor o perfil de um determinado candidato ou candidata e a partir daí vê se este é o perfil que você busca como sendo o melhor para ocupar uma cadeira no legislativo da sua cidade. Saber o perfil da sua candidata ou do seu candidato é o primeiro passo para que você não se decepcione quando ele ou ela se posicionar de determinada forma. O que não tem sentido é você votar em alguém com um perfil conservador e esperar que ele ou ela tenha uma postura progressista. Nesses casos o equívoco não é dele ou dela, mas seu.


Qual a relação da candidata ou candidato com a cidade?

Essa pergunta é importante por que não necessariamente você tem que votar em alguém que nasceu na sua cidade (um filho da terra como dizem). Mas essa candidata ou candidato deve conhecer a realidade socioeconômica do local da qual pretende ser um representante político. E esse conhecimento depende da relação que se estabelece na e com a comunidade. Alguns querem apenas explorar – sugar os parcos recursos do local – e quando se enchem batem as asas e vão embora. Já outros buscam contribuir para melhoria das condições de vida local – e ainda que as coisas não estão fáceis, não abandonam o barco. Votar em alguém natural do lugar poderia ser a solução, mas não necessariamente. O fato da pessoa ser um filho ou filha da terra não significa que ela tem uma relação diferente na e com a comunidade das que falamos anteriormente. Por tanto também se faz necessário, se você optar em votar em alguém nascido no local, saber a relação dessa pessoa na e com a comunidade – é uma relação de exploração ou uma relação de busca da melhoria das condições de vida de todas e todos? Esse questionamento é importante pois possibilita ao eleitor fazer um recorte de classe na hora de escolher em quem votar.


A candidata ou candidato sabe o que faz um vereador?

Si alguém se candidata a um determinado cargo o mínimo que se espera é que essa pessoa saiba os deveres e direitos desse cargo.  O problema é que muitos eleitores não sabem qual é o papel dos legisladores – de modo que fica difícil saber se o candidato ou candidata a vereador sabe qual será o seu papel se caso for eleito. Isso exige portanto que o eleitor se informe quanto ao que faz um vereador para que tenha condição de identificar se o candidato ou candidata a esse cargo também tem esse conhecimento. Sabendo o que faz um vereador, o eleitor irá eliminar muitos candidatos que se apresentam prometendo aquilo que não é da sua alçada, mas sim do executivo (no caso da prefeita ou prefeito). O que não dá é se votar em alguém que não sabe o que faz um vereador e esperar um bom desempenho desse. Não significa que a candidata ou candidato deva ser um especialista – que não possa no decorrer do mandato ir aprendendo e melhorando. Mas se não procura ter o mínimo de informação acerca do cargo que se propõem desempenhar (para não prometer o que não irá cumprir) é bom você pensar melhor antes de votar numa figura assim.


O que o candidato ou candidata pode fazer pela cidade?

Essa, na minha visão, é a principal pergunta a se fazer. A partir dela podemos compreender tanto o candidato ou candidata, como o eleitor e a eleitora. É uma pergunta que geralmente não se faz – o que refleti a visão individualista hegemônica – onde as pessoas estão mais preocupadas consigo mesma do que com o coletivo. Nesse contexto o que prevalece é a pergunta: - o que você pode fazer por mim? Óbvio, o candidato ou candidata, que não é idiota responderá exatamente aquilo que você espera ouvir. Mas assim como promete pra você, prometerá também para muitos outros. E por mais honesto que seja não conseguirá satisfazer a todos – pois é humanamente impossível agradar o que cada um, num universo de milhares, deseja. Quando isso acontece vem então a decepção: “- Ah, fulano de tal me enganou, me prometeu isso e não cumpriu”. Me desculpe, você quis ser enganado. Você mereceu ser enganado ao pensar em si e não no coletivo. Quando fores votar em alguém busque saber o que esse alguém pode fazer pela cidade – pois fazendo para cidade estará fazendo por todos, incluindo você. Se o candidato ou candidata não tem projetos para cidade, mas apenas promessas para conquistar seu voto, não reclame se depois de eleito ele ou ela virar as costas para ti.

Creio que essas quatro perguntas – que não precisam serem feitas para um determinado candidato ou candidata – e nem encaradas como uma receita de “Como votar bem”. São apenas pontos de reflexão para que você faça uma escolha consciente na hora de definir em quem votar.  São perguntas que mostram como a política conduzida a partir de uma ótica racional é o caminho para que façamos boas escolhas acerca dos rumos que a cidade irá tomar e de quem melhor pode conduzi-la nessa jornada. Óbvio, não é necessário você seguir essa lógica, mas não se iluda esperando um resultado adverso do que que tem colhido – não vai achando que ao votar numa figura medíocre terá outra coisa se não mandatos medíocres. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Crônica: A morte d’um limoeiro

Baruch Espinosa
 “Tenho evitado cuidadosamente rir-me dos atos humanos, ou desprezá-los; o que tenho feito é tratar de compreendê-los.” 
Baruch Espinosa

No meu quintal havia um limoeiro que produzia bastante limões. Mas de repente suas folhas e frutos secaram, e ele morreu. O que teria ocorrido? Alguma praga? Para algumas pessoas não. O diagnóstico seria mão ruim. Mão ruim? Isso mesmo. No interior há uma crença de que algumas pessoas tem a mão ruim ao ponto de que quando colhe alguma fruta no quintal alheio a árvore da qual essa fruta fora colhida, morre.

Não sei bem se esse fenômeno tem algum fundamento racional ou se é apenas uma infeliz coincidência. De todo modo não pude deixar de pensar comigo no tipo de energia que essa pessoa carrega consigo – uma energia capaz de matar uma árvore não deve ser coisa boa. No entanto me disseram que ter uma “mão ruim” não significa que se é uma pessoa ruim. O que seria então e por que? Como toda crença não há uma explicação. É assim e ponto – ou você acredita ou você não acredita.

Que exista pessoas que não são boas companhias, certamente. Pessoas que parecem capaz de sugar nossas energias e nos deixar para baixo, não há dúvida – ou como diria Baruch Espinosa – pessoas que diminuem a nossa potência de agir. Mas daí dizer que há pessoas que tem uma espécie de maldição que quando tocam numa planta condenam-na á morte, me parece um tanto de loucura.

O fato é que o limoeiro no nosso quintal morreu. Aparentemente não foi nenhuma praga – o que reforça a tese de que teria sido mão ruim. Prefiro ficar com Espinosa e dizer: Ele teve um mau encontro – isto é, um encontro com algo ou alguém que lhe afetou com um afeto triste – que diminuiu a sua potência de agir.

Taí, talvez a filosofia do Espinosa pode nos ajudar a explicar tudo isso. Para Espinosa tudo que existe (incluindo nós humanos e as árvores) faz parte de uma única substância. Essa substância é entendida como “o que existe em si e por si é concebido” (Ética, p. 78). Por tanto, algo perfeito. E se somos parte dessa substância também carregamos essa atribuição. Desse modo não teríamos conosco uma energia capaz de destruição. O que pode acontecer é termos ideias inadequada das coisas – sobretudo quando nos  deixamos guiar por superstições – que por sua vez nos leva a cultivar paixões tristes – que diminuem a nossa potência de agir.

Entre as paixões tristes que diminuem a nossa potência de agir estão o ódio, o ressentimento, o desespero e a inveja. Desse modo quando agimos afetado por uma dessas afecções não só estamos causando dano ao outro, mas também a nós mesmos. E esse outro que causamos dano não necessariamente precisa ser outra pessoa. Pode ser, por exemplo, uma árvore.

A partir dessa perspectiva digamos então que o nosso limoeiro não morreu por causa de uma mão ruim (olhos, talvez). Mas que tenha sido afetado por um afeto como a inveja. E isso diminuiu a sua potência de agir ao ponto de leva-lo á morte – o que talvez não tenha sido ruim. Dizem que algumas coisas precisam morrer para renascer mais forte – quem sabe esse não seja o caso do nosso limoeiro. Já quem ou que fez isso com ele pagará uma pena maior. Aliás,  já está pagando, pois viver com esse tipo de afecção não deve ser fácil. “Que a terra lhe seja leve”.

Por Pedro Ferreira Nunes – Poeta, Escritor e Educador Popular.

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Ética e Política em tempos de pandemia

Para início de conversa vou lhes contar uma breve estorinha. Imaginem uma cidadezinha litorânea que sobrevive graças ao dinheiro que os turistas que vão visitar as praias locais gastam ali. De repente surgi um tubarão atacando os turistas e vitimando alguns. Imaginem o pânico que se instala naquele local. Então as autoridades políticas e técnicas começam a discutir o que fazer diante desse problema que surgiu. Por um lado as autoridades técnicas vão defender a interdição imediata das praias e o cancelamento da temporada de verão. Já as autoridades políticas vão defender o contrário, justificando que se a temporada for cancelada a cidade entrará em colapso financeiro. E os impactos para população que ali vive serão enormes. Nesse primeiro momento a posição defendida pelas autoridades políticas prevalece. E assim as praias continuam aberta para banho, mas com uma vigilância um pouco maior. Mesmo assim no final de semana seguinte o tubarão ataca novamente deixando mais uma vítima mortal. A partir daí as autoridades políticas se convencem de que não adianta aumentar a vigilância, é preciso resolver o problema pela raiz – o inimigo  (no caso o tubarão) precisa ser eliminado ou se não a vida não voltará ao normal naquela pequena cidade. Convencida então a autoridade política, as medidas de prevenção como interdição das praias e cancelamento da temporada são tomadas, e então se parte para caçada.

Essa estorinha que acabei de contar é o enredo do filme “O Tubarão” de Steve Spielberg lançado em 1975 – completando portanto 45 anos agora em 2020. Justamente no momento em que a humanidade enfrenta um terrível inimigo que tem vitimado milhares de pessoas mundo afora. Diante disso podemos fazer um paralelo entre o enredo do filme “O Tubarão” e o momento que estamos vivendo. Tanto a nível de Tocantins, a nível de Brasil,  como também a nível mundial. Como todos sabem o foco inicial do Novo Coronavírus se deu na China. E a partir daí foi se alastrando para o mundo todo. A medida que o vírus foi se alastrando vimos duas posturas que se assemelham muito as posturas das autoridades daquela cidadezinha onde apareceu o tubarão. Um lado dizendo se tratar de um problema minúsculo que passaria logo, logo. Por tanto não precisaria se tomar medidas drásticas. Ainda mais pelo fato de que o nosso país tem determinadas características que iria impedir um estrago tal como vimos em países como Itália e Espanha. Em suma, minimizando a crise que estamos vivendo, dizendo que havia um certo exagero por parte daqueles que defendiam o isolamento social, o fechamento das escolas, das universidades e do comércio não essencial. E por outro lado, aqueles fundamentados sobretudo nas orientações da OMS (Organização Mundial da Saúde) alertavam para o fato de que se tratava de um problema sério e enquanto não se descobrisse uma vacina eficaz seria necessário algumas medidas (especialmente o isolamento social, uso de máscara e de álcool em gel) para evitar uma proliferação maior do vírus. Temos ai portanto as duas principais posições que vimos surgir nesse período de pandemia. Por um lado alguns minimizando a gravidade da crise argumentando que o pior seria o isolamento social que desencadearia uma crise ainda maior com a consequente quebra econômica. E do outro lado se chamando atenção para a gravidade do problema e para necessidade de se tomar algumas medidas, que se não elimina o vírus, pelo menos evitando que ele se fortaleça. 

Quando nós fazemos esse tipo de reflexão, de como agir em determinada situação nós estamos no campo da Ética. Pois a ética é justamente isso, é a reflexão acerca das nossas ações. Nós agimos moralmente. E a partir da Ética nós refletimos sobre esse agir moral. Para ficar mais claro vejamos uma questão Ética do contexto atual: Por que mesmo diante dos números de casos e de mortes as pessoas continuam ignorando os alertas das autoridades sanitárias? Mesmo diante dos números  (que são reais) e das estórias de famílias devastadas por esse vírus não nos sensibilizamos e continuamos agindo como se nada estivesse acontecendo? Quando agimos assim, estamos agindo de forma virtuosa? Na concepção clássica de ética, agir virtuosamente é agir em busca do bem. E agir através de ações justas. A partir do momento que ignoro as orientações dos profissionais da saúde, colocando em risco não só a própria vida, mas sobretudo daqueles que estão ao meu redor, da comunidade que eu vivo. Será que estou agindo virtuosamente? É uma questão Ética que a filosofia nos propõem nesse contexto de pandemia.

O filósofo brasileiro Vladimir Safatle nos chama atenção para o fato de que a substância ética de um povo é definida a partir da maneira que ela lida com a morte. Como estamos lidando com as mortes decorrentes da COVID-19? Qual o nosso comportamento diante do crescente número de mortes? Mortes evitáveis em muitos casos. Esse comportamento revela a nossa substância ética, ou melhor dizendo, a falta dela. Pois se agir eticamente é agir em busca do bem, estamos agindo de forma contrária. Estamos agindo de maneira egoísta e não virtuosa. Estamos agindo pela indiferença. E são vários os exemplos nesse sentido: pessoas em festas clandestinas, se aglomerando em pontos de banho, não utilizando máscaras em locais públicos. Ignorando totalmente os alertas dos profissionais de saúde. E mesmo das autoridades políticas por meio dos decretos. É como se nada estivesse acontecendo. Milhares de pessoas morrendo e... uma completa indiferença. Uma diferença que percebemos no discurso daqueles que dizem: - Ah, já tava pra morrer! Também, tinha um monte de doenças – era cardíaco, era diabético. Uma indiferença total diante do luto do outro – da vida, a vida não tem nenhum valor. Isso mostra muito da nossa substância ética. Quando nos comportamos com total indiferença, seguimos na contramão do que propõem a ética. Tanto que é necessário decretos e outras  medidas de vigilância para impedir que as pessoas se aglomerem. Quando chegamos ao ponto de ter que ameaçar com multa as pessoas para que usem máscaras, não há nem o que dizer. E esse não é o único exemplo da nossa falta de consciência ética. É só observarmos o aumento de bens e serviços e os casos de desvios de recursos públicos da saúde, sobretudo num momento desses em que muitas pessoas morrem por falta de um atendimento básico.

Chegamos então a um ponto importante que é a relação entre ética e política. No livro clássico do Aristóteles “Ética á Nicômaco.  Ele nos diz que a finalidade da política é a busca pelo bem humano, sobretudo numa perspectiva coletiva. E como ela faz isso? Despertando nos cidadãos ações nobres. Será que é isso que isso que está acontecendo? Será se nossos representantes políticos estão utilizando a política para despertar nos cidadãos ações nobres. Reflitam sobre isso, pensem nas medidas que as autoridades políticas estão tomando – são ações, são políticas, que buscam unir a população para que superemos esse momento? Nós sabemos qual é o problema. Ainda não sabemos como destrui-lo, mas sabemos como evitar que ele se fortaleça. E mesmo sabendo de tudo isso, por que agimos de forma contrária. São questões que a filosofia moral, que os filósofos estão fazendo nesse contexto. E que todos nós, cidadãos, deveríamos fazer. Pois é a partir dessas reflexões que definiremos como será o mundo de amanhã. Essas reflexões contribuíram para construção do mundo pós-pandemia de COVID-19. Nós queremos um mundo que avance cada vez mais para a sua destruição ou nós queremos um mundo onde as pessoas sejam mais solidárias? Nós queremos um mundo onde cada um olha apenas para o seu próprio umbigo. Ou queremos um mundo (uma cidade, um Estado, um país) onde todos se ajudam e caminham unidos para vencer os desafios que surgiram. Pois uma coisa é fato, a pandemia de COVID-19, não é a primeira e nem será a última crise que a humanidade vai enfrentar. Antes dela tivemos outras, e no futuro certamente haverão outros desafios que precisaremos enfrentar. Como enfrentar esses problemas e o que surgirá a partir daí está na mão de todos nós. Nós podemos optar por enfrentar tal como a Filosofia nos propõem, de forma racional. Ou podemos deixar nos guiar pela irracionalidade e caminhar para nossa autodestruição. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. Aula ministrada para estudantes da 3° Série do Ensino Médio do CENSP-LAJEADO. 

terça-feira, 20 de outubro de 2020

Campanhas eleitorais no Tocantins: Muito barulho, poucas ideias!

Carreata em Miracema 
Muito barulho, poucas ideias – eis aí como poderíamos definir as campanhas eleitorais dos candidatos que estão pleiteando um cargo nessas eleições municipais de 2020 nas cidades Tocantinenses. Sobretudo no interior. Ao que parece, partem da concepção de que, quem fizer mais barulho em carretas, é aquele que mais terá chance de ser eleito. Nesse caso a força de mobilização está mais no poderio econômico no que nas propostas e projetos (ideias) dos candidatos.

Em alguns municípios a principal disputa entre os candidatos tem sido essa, a de quem faz mais barulho. Dessa forma quando um faz uma movimentação mobilizando o seu eleitorado. No momento seguinte o outro busca mobilizar ainda mais gente para demonstrar mais força que o seu adversário. Que no momento seguinte não deixará de dar outra resposta no mesmo sentido. Refletindo sobre isso me veio na cabeça o exemplo de dois adolescentes disputando quem é mais “pegador”. 

Eis ai o nível de maturidade dos nossos candidatos e seus correligionários – a maturidade de um adolescente alienado. Enquanto isso os problemas dos municípios – que são muitos – deixam de serem discutidos seriamente.

Esse exemplo nos mostra como estamos cada vez mais sobre o domínio da mediocracia. E não é o único. Em alguns municípios por exemplo, a disputa não é entre quem tem o melhor projeto de governo, mas qual o candidato que tem a bênção do atual gestor. Em outros municípios chegamos ao cúmulo de um candidato adotar o sobrenome de um ex-gestor com o objetivo de atrair mais votos. E o interessante nesses casos é que são geralmente candidatos defensores da meritocracia. Mas no caso essa meritocracia deve ser aplicada só aos outros. Já eles não se intimidam em utilizar um padrinho para conseguirem alcançar o que almejam. De modo que podemos dizer que há mais mediocridade do que mérito nessa ação.

Sendo eleito não dá para esperar algo diferente desses senhores e senhoras. Políticos medíocres que são, se cercaram de pessoas medíocres. E farão uma gestão medíocre. Como fazer para que isso não aconteça? Começar justamente se atentando para duas questões: primeiro, o candidato tem ideias próprias? Segundo, tem projeto de governo voltado a enfrentar os problemas da sua cidade? 

Votar fundamentado nas respostas dessas duas questões é votar buscando o melhor para sua cidade. E votar buscando o melhor para sua cidade é votar buscando o melhor para você. O que estamos ponderando é para que se faça uma escolha racional. Afinal de contas estaremos elegendo aqueles que conduziram o nosso município nos próximos quatro anos – que definiram as nossas prioridades (Ainda mais quando temos uma sociedade Civil pouco organizada).

Sabemos que nas médias e pequenas cidades Tocantinenses os eleitores não tem muitas opções. Sobretudo no que diz respeito á candidatos progressistas. A alternativa será então votar no menos pior (o mau menor) ou não votar. Quem optar pelo menos pior deve saber que este pode até ser uma alternativa mas não será a solução. De modo que continua valendo o que defendo há anos, isto é, a construção de candidaturas progressistas compromissadas com as causas populares – mas sei que isso ainda está um tanto distante da maioria dos nossos médios e pequenos municípios. 

Á curto prazo podemos e devemos fortalecer as organizações da sociedade civil existentes nesses municípios. Para que possam desempenhar, de forma mais autônoma, o papel de fiscalizar e cobrar dos representantes políticos locais a execução de políticas que visem atender o bem comum. Além de propor e realizar ações que contribuam no combate às expressões da questão social que afligem esses municípios.

Quem sabe também, não possamos dar um recado já nessas eleições a esses candidatos que acreditam que eleição se ganha no barulho e não pelo fato de se ter o melhor projeto para conduzir a cidade nos próximos quatro anos. Se conseguíssemos isso, já seria uma grande mudança de perspectiva 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Por que Professor?!

“Educar é combater. E o silêncio não é meu idioma”.

Callajeros


Não é raro aqueles que optam por cursar uma licenciatura ouvir a pergunta: Por que Professor? Pergunta que não parte apenas do senso comum, mas também de profissionais frustrados com a profissão, com os quais nos deparamos sobretudo no período de estágio – ou quando começamos trabalhar numa escola pública. 

Por que não se pergunta a um estudante de Medicina: por que Médico? Ou um estudante de Direito: por que Advogado? Ou ainda um estudante de Engenharia: por que Engenheiro? Pelo fato dessas profissões não serem tão desvalorizadas quanta a profissão de professor, sobretudo professor da educação básica.

O professor da educação básica trabalha muito e ganha pouco. Quase sempre está inserido num ambiente de trabalho insalubre – sem condições estruturais para desenvolver as atividades. De modo que não é de se admirar que se tenha um índice de adoecimento mental enorme entre os profissionais da educação.

Quando ocorre uma mudança como a que estamos vivendo em consequência da pandemia de COVID-19, ele tem que se virar como pode para garantir minimamente, que o estudante não seja mais prejudicado do que está sendo. Por exemplo, tirando dinheiro do próprio bolso para se equipar melhor, do ponto de vista tecnológico. Pois o Estado exige que ele dê  aulas remotas através do ensino híbrido mas não lhe fornece uma estrutura mínima para que essas aulas sejam dadas. 

É por essas e outras que essa pergunta (por que professor?) é feita para um pobre estudante que está cursando uma licenciatura na intenção de se tornar professor da educação básica. Ou mesmo a quem já está atuando na área. É camarada, há que se ter uma boa dose de amor pela profissão. E também de loucura. Pois afinal de contas como diz Nietzsche: “há sempre alguma loucura no amor”. No caso do professor da educação básica, põe loucura nisso.

Talvez tenha sido isso que me atraiu para docência, essa dose de loucura que existe em ser professor. Em se doar quase integralmente a uma causa que parece perdida – a de humanizar através da educação, num sistema que desumaniza.

É um desafio atuar nesse contexto. Talvez por isso é cada vez menor o número de criaturas dispostas a cursar uma licenciatura e se tornar um professor. Entre esses poucos, parte significativa chegam ali por “acidente” – foi o possível com a nota que alcançaram no ENEM. Com isso muitos desistiram no meio do caminho ou se tornaram profissionais frustrados – que alimentaram a visão de que estudar para ser professor é uma perca de tempo. 

Nunca tive uma visão romântica acerca da profissão. Para mim sempre foi muito claro que assim como a educação é prioridade só nos discursos de candidatos a algum cargo de representante político,  da mesma forma é o discurso que defende a valorização do professor. Deixa o professor ir fazer uma greve por mais valorização salarial e condições de trabalho que veremos o discurso mudar radicalmente. Não pense que o governante de plantão pensará duas vezes em jogar seus cães fardados com cassetetes, gás lacrimogêneo e balas de borracha em cima dos grevistas. 

Apesar disso ou talvez por isso não me desânimo. Pois para mim isso reflete o medo que o Estado tem do professor – do seu papel transformador. Eles querem profissionais submissos, medíocres. Por isso é preciso tornar a profissão menos atrativa e mais desvalorizada. Sendo assim ajo de forma contrária, busco a excelência, busco fazer a diferença. Sem esperar reconhecimento de quem quer que seja. Apenas a satisfação íntima de está sendo coerente com o que acredito.

Por isso nunca me incomodei com a pergunta: Por que Professor? Tanto que nunca me dei o trabalho de respondê-la. Ora, não preciso justificar as minhas escolhas para ninguém. Preciso apenas ter consciência se é isso que quero de fato. E se é isso que quero de fato, busco fazer da melhor forma possível. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. Atualmente atua como Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.