domingo, 30 de junho de 2024

Como diz a letra de uma canção: “How I whish you were here...”

Imagino o que você não teria dito quando soubesse que eu teria que deixar nossa casa para ir trabalhar em outra cidade. Eu lhe convenceria da necessidade dessa mudança. Deixando claro que seria transitório. Você aceitaria com a condição de que eu não ficasse muitos dias sem ir vê-la.

No início era essa a minha intenção. Mas a rotina do trabalho, que não raramente se estende pelo final de semana, me obrigou a repensar essa questão. Mas não deixo de ir. Se você ainda estivesse na nossa casa talvez, ou certamente, fosse diferente. O difícil seria ti encontarar em casa, sobretudo no final de semana. Mas tudo bem, nunca gostei que você ficasse em casa deixando de fazer o que gostava – passear, está no movimento – ainda que para trabalhar – sua diversão era ver família e amigos se divertindo. 

Não saio muito por aqui. Além da rotina de casa para o trabalho, saio para fazer minhas corridas vespertinas e vou ao supermercado e a feira. Tudo praticamente no quintal de casa. As vezes até planejo mentalmente ir no cinema ou numa dessas casas por onde passam bandas de rock. Mas acabo desistindo. Compro algumas cervejas e fico no meu canto. Bebo, fumo, planejo, leio, escrevo e fico vendo vídeos em aplicativos da internet. Ah, também toco contrabaixo. Isso mesmo, um contrabaixo. Há muito tempo que eu estava namorando comprar um. Agora deu certo. Acretido que vou ter mais sucesso tocando contrabaixo do que a guitarra e o violão. Mas não vou me desfazer deles. 

Esses instrumentos me conectam com o adolescente sonhador dos tempos do Ensino Médio que sonhava ter uma banda de rock. Nem ti conto, esses dias encontrei uma foto do tempo do colegial com eu vestido numa camisa da minha banda (que nunca tocou). A foto foi tirada num evento do colégio sobre cultura tocantinense. E além de mim aparece o Rudinei (Neto de Dona Olga), o Adevagno (filho do seu Piauí), o Diva e a Daniela. Além da professora Kênia. Você lembra dela, né?!

Aqui onde moro é tranquilo. E não se preocupe por que não estou falando isso para lhe acalmar. Se você tivesse a oportunidade iria conferir. E provavelmente faria amizade com o povo daqui. Sobretudo com a senhora que é dona da kit net. Nunca vi uma pessoa para fazer amizade tão fácil como você. Já eu, confesso que nem cumprimento meus vizinhos.

No trabalho as coisas estão fluindo bem. Os estudantes me veem como uma espécie de Rockstar. E vivem me fazendo declaração de amor. Quanto às aulas – algumas funcionam, outras nem tanto. As vezes saio contente, outras vezes frustrado. Mas compreendi que isso faz parte. É como um concerto de banda de punk rock – nem sempre é aquele espetáculo que arrebata o público. No entanto, o show tem que continuar.

Mas o que eu queria mesmo era que você estivesse aqui. Não há um momento que eu não pense nisso. Ainda mais quando estou num lugar que sei que você iria amar como numa festa junina ou numa praia. Com isso concluo essas linhas falando o quanto sinto sua falta. Ti trago sempre dentro de mim.

Abraços ternos,

Pedro 

Ps: agora em Julho vou passar as férias na nossa casa. Cuidarei de tudo, das plantas e do quintal. Os meninos estão dizendo que viram do Goiás. Vou aguardá-los. 


terça-feira, 25 de junho de 2024

Palmas e as festas juninas ou em defesa da celebração

Creio que há poucas cidades fora do nordeste que vivem as festas juninas tão intensamente como Palmas. Acredito que isso seja reflexo da comunidade nordestina presente na capital e no Tocantins. E a maior expressão desse movimento é o arraiá da capital construído sobretudo por quem mora na periferia.

É da periferia que vem as quadrilhas que fazem o arraiá da capital ser o espetáculo que é. Mas esse é apenas o ponto de culminância de um movimento que acontece em todas as regiões da capital, em espaços como escolas, feiras livres, igrejas entre outros. Entre os nomes que se destacam estão a Cafundó do Brejo (a junina mais antiga da cidade), Matutos da Noite, Estrela do Sertão e Nação Junina.

Assim como no nordeste, esses grupos juninos se profissionalizaram e se organizam muito antes das festividades para poder apresentar o melhor espetáculo e ser reconhecido pelo público e pela crítica em campeonatos regionais e nacionais que premiam os melhores.

Não dá para negar a beleza das quadrilhas e reconhecer a importância delas para a cultura sertânica. Além de ser um espaço feito, sobretudo, pela juventude demonstrar o seu talento na música, na dança, na escrita e na moda. Em resumo, desenvolver e demonstrar a criatividade - fruir e produzir cultura.

Apesar de reconhecer a importância e beleza desse movimento confesso que ainda prefiro as quadrilhas tradicionais. Talvez porque tenho um olhar nostálgico. Me lembro da minha infância na rua Maranhão em Miracema - da baixa preta - de quando dançava quadrilha na escola. 

Entendo, no entanto, que as coisas mudam, para os nossos olhos nostálgicos nem sempre para melhor. Mas é legal ver a força desse movimento na capital. Comecei a observar isso morando no Aureny I (berço de grupos pioneiros das quadrilhas juninas em Palmas).

Foi num certo domingo do mês de abril. Ouvi gritos como numa torcida num jogo de futebol. Mas não era bem futebol. Lembrei então dos famosos grupos juninos de Palmas e fui pesquisar na internet para ver se achava alguma coisa. E encontrei uma reportagem falando que o Aureny I é berço de dois grupos: Cafundó do Brejo e Caipiras do Borocoxó. Aí então confirmei minhas suspeitas. Depois, um dia a noite, os vi ensaiando na feira coberta do setor. E então, percebi o quanto eles levam a sério. E o quanto é importante para a periferia da Capital, esquecida pelo poder público no que diz respeito a políticas de incentivo à produção e fruição cultural.

Mas também é importante para todos nós que estamos absortos no tempo do trabalho e nos esquecemos de um aspecto fundamental da vida que é a celebração. Nessa linha é importante o que diz Byung-Chul Han no seu texto “Tempo de celebração - a festa numa época sem celebração”:

“A festa é o evento, o lugar onde estamos junto com os deuses, onde inclusive nós próprios nos tornamos divinos. Os deuses se alegram quando os seres humanos jogam e brincam; os seres humanos jogam e brincam para os deuses. Se vivemos numa época sem festa, se vivemos numa época desprovida de celebrações, já não temos mais qualquer relação com o divino.”

E falando em festas juninas percebemos um caráter religioso muito forte, sobretudo ligado ao catolicismo. Não por acaso o símbolo principal é uma fogueira em homenagem a São João. Pereira Júnior, ressalta que: “Os festejos joaninos são integrantes do patrimônio cultural em seu sentido mais amplo, articulando de maneira dinâmica o trabalho e o lazer, a devoção e o entretenimento, instaurando um período particular de expressão de valores e tradições populares.” 

Ainda de acordo com este autor: “São esses movimentos de celebração, essas trocas e intercâmbios que nos permitem afirmar que há uma identidade inerente ao período joanino que atribui ao evento um caráter cultural singular, além de um lugar de memória.”

Para concluir retomemos ao Byung-Chul Han que fala sobre a importância do tempo de celebração, sobretudo num contexto atual:

"O tempo da celebração é o tempo pleno, em contraposição ao tempo do trabalho, como tempo vazio, que deve ser simplesmente preenchido, que se move entre tédio e ocupação. A festa, ao contrário, realiza um instante de elevada intensidade vital.”

Nós brasileiros compreendemos isso como ninguém. Pois somos um dos povos mais festivos do planeta. E as festas juninas são um exemplo nesse sentido ao lado do carnaval. 

Pedro Ferreira Nunes - É Professor da Educação Básica na Rede Estadual da Educação do Tocantins.

quinta-feira, 20 de junho de 2024

Os afetos que circulam entre os muros das escolas II

Estamos em outra escola, mas o ambiente de conflitos não é diferente. De um lado professores desmotivados, adoecidos mentalmente, que mal vem à hora de poderem se aposentar. Do outro lado, estudantes sem perspectivas de vida. 

É nesse cenário que chega um professor substituto que terá pela frente o desafio de encarar esse ambiente um tanto insalubre juntamente com uma vida pessoal não menos insalubre - sua mãe suicidou-se e ele acabou sendo criado pelo avô. 

Atualmente o seu avô vive num asilo, mas ele visita-o com frequência. Mesmo suspeitando que o motivo do suicídio da mãe tenha sido um possível abuso por parte do avô, ele não o abandona. Mas carrega esse trauma consigo.

Na escola percebe, sobretudo a partir do contato com uma aluna, que não é só os professores que estão adoecidos mentalmente. Ele se torna um espelho para essa aluna que está passando por um momento de muita dificuldade - em casa sofrendo abuso do pai, e na escola sofrendo bullying dos colegas por não se encaixar nos padrões de beleza socialmente impostos. O problema é que na situação psíquica que o professor se encontra ele não é lá um grande espelho. 

A situação acaba se deteriorando tanto em casa como na escola e a estudante acaba cometendo suicido.

Esse enredo descrito é do filme norte-americano Detach-ment (que no Brasil recebeu o título de “O substituto”) de 2013, dirigido por Tony Kaye – contando a experiência do Professor Barthes numa escola secundarista como professor substituto. Um ponto a se ressaltar é que o diretor do filme traz depoimentos reais de professores para dar uma ênfase maior à situação dramática da educação naquele país. 

Outro ponto é a ênfase dada ao fator externo, isto é, como os afetos que nos afetam fora da escola influenciam nos afetos que circulam entre os muros da escola. E nesse caso específico, um afeto que se sobressai é a culpa. 

De acordo com Espinoza (2014, p. 66) a culpa “é a tristeza concomitante à ideia de um feito que cremos ser produto de um livre decreto de nossa mente”. Essa tristeza limita ou diminui a nossa potência de agir e isso é bem perceptível no filme através da expressão facial tanto dos professores como dos alunos. Mas a cena que explicita isso de forma contundente é o suicídio da estudante.

Para Espinoza (2014, p. 43) “a mente deixa de afirmar o corpo por que surge uma outra ideia que exclui a existência presente de nosso corpo, e consequentemente de nossa mente, e é contrária à ideia que constitui a essência de nossa mente”. E isso pode ocorrer quando somos afetados pela culpa e não temos a capacidade defendida por Aristóteles (1991), isto é, de agir moderadamente.

Pedro Ferreira Nunes – Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Ensino do Tocantins no CEMIL Santa Rita de Cássia.

sábado, 15 de junho de 2024

Uma leitura da obra “Os miseráveis”, do Victor Hugo

Morrer é nada, minha querida. Horrível é não viver”
Victor Hugo, in Os miseráveis 


“Em nenhum outro lugar, as profundas e infinitas contradições humanas aparecem tão dramaticamente explícitas do que no campo de batalha. Talvez seja pela grandiosidade da proximidade da morte...”. Filósofa Victor Hugo num dos trechos da sua célebre obra Os miseráveis, publicada em 1862. E continua. “Será ali que a solidão esmagadora em que, ao fim e ao cabo, nascemos, em que somos confinados e em que morreremos se faz mais evidente e onde a nossa essência  (a covardia, a mesquinhez, o egoísmo e outros tantos sentimentos, destacadamente os ruins, pois, muitas vezes, a nossa benignidade é apenas a grande mentira que contamos sobre nós mesmos e para nós mesmos), nos confronta.”

Os trechos acima que abrem, digamos o terceiro ato da obra, reflete um dos aspectos da narrativa clássica do célebre escritor francês do século XIX – uma discussão filosófica sobre a natureza humana. O que nos faz imediatamente lembrar de Thomas Hobbes e Rousseau. Enquanto o primeiro acredita na maldade como inerente ao ser humano. O segundo discorda. Victor Hugo claramente concorda com o primeiro. Ainda que aponte por meio dos seus personagens, como Jean Valjean ações benevolentes. Que numa análise minuciosa são realizadas não pensando no outro, mas em si. Ou seja, são ações que acabam tendo um caráter egoísta.

Nessa linha o título da obra ganha dois sentidos. O primeiro está relacionado ao que foi dito anteriormente, ligado a nossa natureza. Já o segundo se relaciona a questão material, com a desigualdade social (que não deixa de está relacionado com o primeiro). Desse modo além do aspecto acerca da discussão da natureza humana, também temos a questão política. Que se dá, na nossa ótica, com uma discussão sobre o papel do Estado. 

Para compreender melhor essa dinâmica, Victor Hugo desenvolve alguns personagens importantes. A começar por aquele que poderíamos denominar de protagonista – Jean Valjean. Considerado um criminoso pelo Estado o que o fará ser perseguido por quase toda a vida pelo implacável inspetor de Polícia Javert.

Aqui não poderíamos deixar de lembrar de Aristóteles quando diz que a política deveria ser a arte de fazer justiça. Mas que justiça é essa que condena um homem a prisão, deixando-o 19 anos preso, por roubar um pedaço de pão para aplacar a fome de alguém?! Posto em liberdade Jean Valjean nutri um ressentimento pela sociedade que o leva a cometer outro delito. Não é a prisão que irá transforma-lo, fazendo com que ele enfrente grandes obstáculos para cuidar de Cosette, mas a boa ação do religioso Bienvenu evitando que ele voltasse para prisão. 

Javert aparece implacável no seu papel de fazer cumprir a lei. A ele não interessa o que levou o indivíduo a chegar num determinado ponto, como no caso da pobre Fantine. O importante é combater de forma severa qualquer desvio de conduta. Quando ele descobrir que querer fazer cumprir a lei cegamente não tem sentido. Ainda mais diante do fato que nem sempre essas leis são justas, sua vida perde sentido e o seu final é trágico.

O romance vai avançando e o autor vai nos mostrando como a desigualdade social alimenta a revolta. Alguns partem para vida do crime como é o caso dos Thérnadier. Outros como o jovem Marius para militância política. Chegamos assim na guerra civil que coloca todos os miseráveis na mesma trincheira.

Marius surge como a figura do intelectual republicano que acredita na revolução como um meio de transformar a sociedade francesa sob o regime monárquico. De família aristocrática, rompe com esta em nome das suas convicções políticas. O pequeno Gavroche simboliza o povo, imaturo, sem consciência, aventureiro, que se sacrifica pela causa. Éponine lembra Fantine – a amante não correspondida que acaba se sacrificando pelo amado. Marius, volta para casa, se reconcilia com seu avô aristocrata (Gillenormand) e se casa com Cosette.

Esses personagens nos mostra que a aliança entre o povo e a burguesia, só favorece a burguesia.

“Muitos estavam mortos, enquanto a maioria da população simplesmente ignorava o apelo às armas de estudantes e operários e, aos poucos, voltavam à normalidade como se nada de mais grave houvesse acontecido em Paris e em vários outras cidades francesas. Dentro de poucos dias ou mesmo de horas, o derradeiro bastião de grandes transformações sociais e políticas sucumbiria sem deixar maiores lembranças.”

Certamente isso serviria de lição para os líderes da Comuna de Paris (1871). Que não teve melhor sorte que a revolta de 1832 descrita em Os miseráveis. Mas serve de inspiração ainda hoje para aqueles que sonham com outra sociedade. Entre eles Karl Marx ao desenvolver o seu materialismo histórico dialético.

“Cosette e Marius ainda fizeram menção de dizer muitas outras palavras, animá-lo, promessas tolas sobre um futuro que não mais interessava a Jean Valjean. Ele dirigiu-lhe um último olhar, aquela luz mágica do encantamento mais genuíno diante da felicidade de outros, eclipsando-se serenamente. Finalmente em paz”.

O final parece contradizer a tese do próprio autor de que somos maus por natureza. Jean Valjean no seu leito de morte encontra a paz que sempre procurou ao contemplar a felicidade daquela pela qual ele decidiu dedicar longos anos da sua vida. Ou seja, de forma genuína ele demonstrou amor pelo outro. O que talvez tenha sido apenas pelo seu encontro com o inevitável fim.

Pedro Ferreira Nunes – Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Ensino do Tocantins no CEMIL Santa Rita de Cássia.

segunda-feira, 10 de junho de 2024

Ementa da disciplina eletiva Aos pés do Morro do Segredo - Breve introdução a história do Lajeado

Conhecer a história do lugar onde vivemos é importante para compreendermos a dinâmica desse lugar e a partir dai poder intervir de forma consciente para o seu desenvolvimento, preservando as riquezas naturais e culturais, garantindo os direitos básicos da população. É Nessa perspectiva que propomos a disciplina eletiva “Sob o pé do Morro do Segredo: Introdução a História do Lajeado”. Que será desenvolvida junto a turma: 37.02 (3° Período EJA – Terceiro Segmento). 

Nosso objetivo com essa disciplina eletiva é levar o estudante a conhecer a história de Lajeado, analisando os acontecimentos que contribuirão para o seu desenvolvimento. Para tanto mobilizaremos diferentes habilidades e áreas do conhecimento. Na linha do que propõe a competência 01 (Competência) da Base Nacional Comum Curricular (BNCC): “valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva”. Ora, conhecer a história de um lugar é também conhecer a sua geografia, as questões sociológicas e filosóficas. É também conhecer suas expressões culturais, o fenómeno da vida biológica e o que os números nos diz sobre esse lugar. Logo temos aí as quatro áreas do conhecimento: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.  Porém, vamos trabalhar a partir das Linguagens e sua Tecnologias e das Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. 

Apesar de ser um município jovem (criado em 1991 e implantado em 1992), enquanto território Lajeado tem uma tradição pré-histórica como aponta as pinturas rupestres encontradas nos sítios rupestres como o do Caititu. Já o povoamento por não-índios, estudos históricos apontam que se deu por volta do século XVII e XVIII. Conhecer essas raízes pré-histórica, bem como os acontecimentos que ocorreram ao longo dos anos é importante para compreendermos o que o município é hoje bem como vislumbrar o que poderá ser no futuro. 

Acreditamos que esse conhecimento não é só importante para o estudante, mas certamente para comunidade lajeadense. Pois um dos objetivos da disciplina é, ao final, produzir um material impresso, que possibilite a comunidade se apropriar do que foi desenvolvido durante as aulas. Salientamos a importância de um material nesse sentido acerca da história do município, sobretudo diante da escassez de registros históricos a esse respeito. E o pouco que tem não é tão acessível. Também salientamos o fato de que quando você conhece a história do lugar onde vive, acaba desenvolvendo um sentimento de pertença que o leva a se envolver com o destino da cidade e com isso se tornando um cidadão de fato. Nessa perspectiva salientamos o que diz a lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB – 9394/96), quanto a formação para cidadania. 

A disciplina será desenvolvida a partir de uma metodologia problematizadora, tendo no método dialético um princípio fundamental. O que consiste, objetivamente, em colocar em discussão diferentes visões, buscando ao final construir uma síntese. Para tanto utilizaremos filmes, artigos, livros entre outros materiais que nos ajude no aprofundamento e problematização dos objetos estudados. 

Nesse sentido o ponto de partida será a compreensão de como se deu o povoamento dessa região por não-índios, sem deixar de abordar os registros que se tem dos povos que habitavam essas paragens anteriormente. Para tanto, o filme “No coração dos Deuses” (1990), nos ajudará na sensibilização dessa temática. Além da tese de Doutorado da arqueóloga Júlia Berra sobre a Arte Rupestre na Serra do Lajeado. Os momentos seguintes também seguiram essa perspectiva até chegar nos dias atuais. Como parte prática, os estudantes serão direcionados a fazer entrevistas com personagens importantes da história da cidade, e se possível, visitas em locais históricos. Ao final será confeccionado uma revista contando um pouco a história da cidade a partir da perspectiva do que foi trabalhado na disciplina. E a mesma será lançada com uma noite de autografo. 

Enfim, acreditamos, que a disciplina eletiva “Sob o pé do Morro do Segredo: Introdução a História do Lajeado. Será um marco importante para Comunidade Escolar e em Geral. Ao colocar como objeto central de estudo o lugar onde vivemos. Trazendo uma realidade mais próxima do estudante para analise e discussão - uma análise e discussão que levará não só a um conhecimento, mas a produção de conhecimento. Logo, espera-se portanto, que o estudante não apenas desenvolva um aprendizado conceitual, mas também procedimental e atitudinal.

quarta-feira, 5 de junho de 2024

Diálogos na sala de aula - a questão do luto

Não raramente alguns estudantes se aproximam de mim para conversar sobre questões existencialistas. Creio que mais do que minha formação, isso se dá pela metodologia dialógica que desenvolvo na sala de aula. Gosto de ouvir e a partir daí conhecer minimamente aquele estudante. Eles percebem que me importo, não os julgo, pelo contrário, busco compreendê-los. E muitas vezes sinto que é apenas isso que eles buscam.

Esses dias aconteceu uma dessas conversas que me marcou. Foi uma aluna um tanto arisca que sempre senta no fundão e só vai até mim quando precisa de “um visto” numa atividade. No dia em questão ela pegou uma cadeira, sentou do meu lado e começou a questionar algumas coisas. Não foi nada aleatório. Mas certamente motivada pelo exemplo de outros colegas. A conversa começou por ela me questionando sobre misticismos. Por exemplo, o que aconteceria com alguém que faz feitiço para outra. Eu procurei entender a intencionalidade por trás da questão e dei uma resposta racionalista, ou seja, de alguém que não acredita nisso, mas sem desdenhar daqueles que acreditam. Vi que ela gostou, e continuou a perguntar. 

- Professor, é normal sonhar muito com alguém que já morreu?

Novamente busquei entender a intencionalidade por trás da pergunta. E compreendi que era sobre ela. Mas se ela não falara, pelo menos num primeiro momento, não iria forçá-la a isso. Apelei para uma explicação racional dizendo que os sonhos são projeções do nosso inconsciente. Como diria Freud, reflexo dos nossos desejos reprimidos. Traduzindo para uma linguagem mais acessível disse que os nossos sonhos refletem aquilo que estamos sentindo. Ou seja, se estamos sonhando com alguém que já morreu é reflexo do nosso desejo de estarmos com essa pessoa - a saudade que sentimos.

A partir daí não tive como não trazer a minha experiência pessoal com minha mãe. Falei para estudante que não há um dia que eu não pense na minha mãe. E consequentemente sonho com ela.

A estudante parece ter ficado aliviada. E disse que algumas pessoas lhe disseram que sonhar com pessoas mortas não era bom - que o defunto estava sofrendo, precisava de oração.

Ela então me disse que havia perdido a mãe há três meses, e que sonhava com a mesma com frequência. Eu então disse que era mais compreensível ainda o fato dela sonhar com a mãe com frequência. Pois ainda é muito recente. Sem falar na idade dela.

- No sonho ela sempre está bem. E não me pede nada. Disse ela, questionando o que ouvira de algumas pessoas. Não pude deixar de pensar comigo o meio que essa menina é criada. E o quanto essas crendices afetam pessoas frágeis emocionalmente. Fazendo com que elas busquem abrigos questionáveis. Busquei confortá-la dizendo que ela está passando por um processo necessário de luto. Mas o que é isso?

Maria Inês Castanha de Queiroz (2010) define como:

“um processo iniciado por uma ruptura desencadeada a partir de uma situação de perda ocasionada pela morte de uma pessoa com quem se tem vínculos de afeto e que leva à instauração de uma crise na relação do sujeito com o seu mundo-da-vida. O processo se desenvolve no âmbito de vivências de sensações, emoções, sentimentos, pensamentos e questionamentos que se expressam na unidade das dimensões corpóreas, psíquicas (afetivas) e do espírito. O luto intensifica a necessidade de reelaboração do sentido de vida, da afetividade, da vida prática e do mundo-da-vida, trazendo possibilidades de desenvolvimento da pessoa humana considerada em sua vivência comunitária.”

Em resumo, faz parte da experiência humana. É o que na antropologia se denomina de um rito de passagem. Pelo qual todos nós iremos passar. Não é um processo fácil para ninguém. Imagina para uma adolescente que está em formação.

Ela quis saber como tinha sido o meu processo. Quis saber se eu havia recebido alguma medicação para me controlar. Por que ela teve que ser medicada. Eu falei para ela que no meu caso não foi necessário. E busquei tranquilizá-la falando que cada um vivencia esse momento de forma diferente. Que é normal algumas pessoas precisarem ser medicadas diante do choque que sofrem quando do fato.

Enfim, ao final do diálogo percebi uma áurea diferente no rosto dela. Sei que isso não será um estado permanente. Mas tudo bem. E compreender que tudo bem nem sempre está bem é importante, senão fundamental. Uma das coisas que mais gosto nesses diálogos em sala de aula são essas experiências que nos possibilitam trocas que mudam a nossa percepção acerca de algo. Ainda que essa mudança seja apenas de como ela me vê e como eu a vejo.

Pedro Ferreira Nunes – Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Ensino do Tocantins no CEMIL Santa Rita de Cássia.

sexta-feira, 31 de maio de 2024

Marcuse: Novas formas de controle

Com o avanço da técnica e a benesses que ela nos trás era de se esperar que vivêssemos numa sociedade mais livre - que tivéssemos mais tempo para desenvolver toda a nossa potencialidade criativa. Mas não é isso que acontece na prática. Quanto mais avança a técnica menos liberdade temos - a não ser para nos autoexplorar em busca de metas inalcançáveis.

Marcuse chama atenção para essa questão ao analisar a ideologia da sociedade industrial e a formação do indivíduo unidimensional - que acredita ser livre quando na verdade está submisso ao sistema que o transforma em máquina - agindo a partir de uma racionalidade tecnológica. O indivíduo unidimensional perde a sua capacidade de crítica e consequentemente de mudar uma determinada realidade. Pois a crítica é fundamental para vislumbrarmos perspectivas de mudanças qualitativas. 

Bastos (2014) afirma que:

“o homem unidimensional, para Marcuse (1982), refere-se principalmente a um modo de vida condizente com o capitalismo vigente e também se expande de forma consensual e com grande tendência totalizante pelo tecido social: de um lado, esse "homem" faz avançar os pressupostos do mercado pelo território econômico, social, político, cultural, científico, tecnológico etc. De outro, avança ainda pelo território subjetivo, notadamente pela produção do desejo inconsciente. Daí que essa "unidimensionalidade" está atualmente pelos quatro cantos do planeta: ela está praticamente em todos os lugares e em lugar algum.”

Ou seja, o homem unidimensional é produto do capitalismo - e do seu projeto totalizante de domínio por meio de uma racionalidade tecnológica que avança para todos os âmbitos da vida social. Essa racionalidade tecnológica substitui a racionalidade humana através da introjeção de valores que leva o indivíduo a se comportar de determinadas formas. Isso acontece sem o uso da força, por isso nosso filósofo (1973) chama atenção para novas formas de controle.

Ao tratar sobre as novas formas de controle, o primeiro ponto para o qual Marcuse chama atenção (1973) é para falta de liberdade nas ditas sociedades desenvolvidas industrialmente. Ou seja, onde há um alto desenvolvimento tecnológico. E consequentemente mais possibilidade para melhoria das condições de vida. Essa falta de liberdade é aceita sem questionamentos. Nessa linha ele (1973) nos diz que “os direitos e liberdades que foram assaz vitais nas origens e fases iniciais da sociedade industrial… estão perdendo seu sentido lógico.” Ao se tornar dominante, esses direitos e liberdades são deixados de lado em troca do atendimento das necessidades dos indivíduos. Com isso, “independência de pensamento, autonomia e direito a oposição política estão perdendo sua função crítica básica”.

De acordo com Marcuse (1973) na sociedade industrial o poder político é afirmado a partir do domínio sobre o processo mecânico. É importante salientar que a máquina não está acima do indivíduo. Pois o seu poder nada mais é do que o poder do homem armazenado e projetado (aqui abrimos um parêntese para questionar a ideia de inteligência artificial).

Marcuse (1973) salienta que “o mundo do trabalho se torna a base potencial de uma nova liberdade para o homem no quanto seja concebido como uma máquina e, por conseguinte, mecanizado”. Ou seja, liberdade de se autoexplorar e alienar-se. Nesse linha, não é possível compreender a sociedade industrial e sua ideologia a partir do sentido tradicional dado aos termos liberdade econômica, política e etc. Mas sim a partir da compreensão de que (1973. p. 25-26), quando se fala em:

“liberdade econômica significaria liberdade de economia - de ser controlado pelas forças e relações econômicas; liberdade de luta cotidiana pela existência, de ganhar a vida. Liberdade política significaria a libertação do indivíduo da política sobre a qual ele não tem controle eficaz algum. Do mesmo modo, liberdade intelectual significaria a restauração do pensamento individual, ora absolvida pela comunicação e doutrinação em massa, abolição da “opinião pública” juntamente com os seus forjadores.

O que para o nosso filósofo é irrealizável, não pelo aspecto utópico dessas proposições. Mas pelas forças que impedem essa realização. Entre elas o processo de introjeção de valores. Daí que ele dirá que (1973) “a mais eficaz e resistente forma de guerra contra a libertação é a implantação das necessidades materiais e intelectuais”. A partir daí, nosso filósofo aprofundará como se dá a criação de falsas necessidades, transformando o indivíduo num sujeito submisso, sem perspectiva crítica e por conseguinte de mudanças.

“Tais necessidades têm um conteúdo e uma função sociais determinados por forças externas sobre as quais o indivíduo não tem controle algum" (MARCUSE, 1973, p. 26).

Nos parece que com o avanço da técnica, sobretudo a popularização da internet, essa questão apontada por Marcuse tornou-se ainda mais evidente. Avançando inclusive para comunidades tradicionais, que em que pese não terem se desenvolvido do ponto de vista industrial, estão inseridos no mercado global por meio da rede mundial de computadores.

Esse ponto mostra o avanço da racionalidade tecnológica e a necessidade de pensarmos formas de resistência a esse processo autoritário de desumanização da sociedade, restituindo por meio da crítica, à racionalidade humana. Essa tarefa torna-se possível através de uma pedagogia radical, que utiliza diferentes estratégias didático-pedagógicas, opondo-se a uma pedagogia unidimensional, caracterizada pela imposição de uma positividade alienante.

Pedro Ferreira Nunes – Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Ensino do Tocantins no CEMIL Santa Rita de Cássia.