Esses dias aconteceu uma dessas conversas que me marcou. Foi uma aluna um tanto arisca que sempre senta no fundão e só vai até mim quando precisa de “um visto” numa atividade. No dia em questão ela pegou uma cadeira, sentou do meu lado e começou a questionar algumas coisas. Não foi nada aleatório. Mas certamente motivada pelo exemplo de outros colegas. A conversa começou por ela me questionando sobre misticismos. Por exemplo, o que aconteceria com alguém que faz feitiço para outra. Eu procurei entender a intencionalidade por trás da questão e dei uma resposta racionalista, ou seja, de alguém que não acredita nisso, mas sem desdenhar daqueles que acreditam. Vi que ela gostou, e continuou a perguntar.
- Professor, é normal sonhar muito com alguém que já morreu?
Novamente busquei entender a intencionalidade por trás da pergunta. E compreendi que era sobre ela. Mas se ela não falara, pelo menos num primeiro momento, não iria forçá-la a isso. Apelei para uma explicação racional dizendo que os sonhos são projeções do nosso inconsciente. Como diria Freud, reflexo dos nossos desejos reprimidos. Traduzindo para uma linguagem mais acessível disse que os nossos sonhos refletem aquilo que estamos sentindo. Ou seja, se estamos sonhando com alguém que já morreu é reflexo do nosso desejo de estarmos com essa pessoa - a saudade que sentimos.
A partir daí não tive como não trazer a minha experiência pessoal com minha mãe. Falei para estudante que não há um dia que eu não pense na minha mãe. E consequentemente sonho com ela.
A estudante parece ter ficado aliviada. E disse que algumas pessoas lhe disseram que sonhar com pessoas mortas não era bom - que o defunto estava sofrendo, precisava de oração.
Ela então me disse que havia perdido a mãe há três meses, e que sonhava com a mesma com frequência. Eu então disse que era mais compreensível ainda o fato dela sonhar com a mãe com frequência. Pois ainda é muito recente. Sem falar na idade dela.
- No sonho ela sempre está bem. E não me pede nada. Disse ela, questionando o que ouvira de algumas pessoas. Não pude deixar de pensar comigo o meio que essa menina é criada. E o quanto essas crendices afetam pessoas frágeis emocionalmente. Fazendo com que elas busquem abrigos questionáveis. Busquei confortá-la dizendo que ela está passando por um processo necessário de luto. Mas o que é isso?
Maria Inês Castanha de Queiroz (2010) define como:
“um processo iniciado por uma ruptura desencadeada a partir de uma situação de perda ocasionada pela morte de uma pessoa com quem se tem vínculos de afeto e que leva à instauração de uma crise na relação do sujeito com o seu mundo-da-vida. O processo se desenvolve no âmbito de vivências de sensações, emoções, sentimentos, pensamentos e questionamentos que se expressam na unidade das dimensões corpóreas, psíquicas (afetivas) e do espírito. O luto intensifica a necessidade de reelaboração do sentido de vida, da afetividade, da vida prática e do mundo-da-vida, trazendo possibilidades de desenvolvimento da pessoa humana considerada em sua vivência comunitária.”
Em resumo, faz parte da experiência humana. É o que na antropologia se denomina de um rito de passagem. Pelo qual todos nós iremos passar. Não é um processo fácil para ninguém. Imagina para uma adolescente que está em formação.
Ela quis saber como tinha sido o meu processo. Quis saber se eu havia recebido alguma medicação para me controlar. Por que ela teve que ser medicada. Eu falei para ela que no meu caso não foi necessário. E busquei tranquilizá-la falando que cada um vivencia esse momento de forma diferente. Que é normal algumas pessoas precisarem ser medicadas diante do choque que sofrem quando do fato.
Enfim, ao final do diálogo percebi uma áurea diferente no rosto dela. Sei que isso não será um estado permanente. Mas tudo bem. E compreender que tudo bem nem sempre está bem é importante, senão fundamental. Uma das coisas que mais gosto nesses diálogos em sala de aula são essas experiências que nos possibilitam trocas que mudam a nossa percepção acerca de algo. Ainda que essa mudança seja apenas de como ela me vê e como eu a vejo.
Pedro Ferreira Nunes – Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Ensino do Tocantins no CEMIL Santa Rita de Cássia.
Mais uma vez excelente crônica. 👏🏾👏🏾👏🏾
ResponderExcluirObrigado, querida.
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