Com o avanço da técnica e a benesses que ela nos trás era de se esperar que vivêssemos numa sociedade mais livre - que tivéssemos mais tempo para desenvolver toda a nossa potencialidade criativa. Mas não é isso que acontece na prática. Quanto mais avança a técnica menos liberdade temos - a não ser para nos autoexplorar em busca de metas inalcançáveis.
Marcuse chama atenção para essa questão ao analisar a ideologia da sociedade industrial e a formação do indivíduo unidimensional - que acredita ser livre quando na verdade está submisso ao sistema que o transforma em máquina - agindo a partir de uma racionalidade tecnológica. O indivíduo unidimensional perde a sua capacidade de crítica e consequentemente de mudar uma determinada realidade. Pois a crítica é fundamental para vislumbrarmos perspectivas de mudanças qualitativas.
Bastos (2014) afirma que:
“o homem unidimensional, para Marcuse (1982), refere-se principalmente a um modo de vida condizente com o capitalismo vigente e também se expande de forma consensual e com grande tendência totalizante pelo tecido social: de um lado, esse "homem" faz avançar os pressupostos do mercado pelo território econômico, social, político, cultural, científico, tecnológico etc. De outro, avança ainda pelo território subjetivo, notadamente pela produção do desejo inconsciente. Daí que essa "unidimensionalidade" está atualmente pelos quatro cantos do planeta: ela está praticamente em todos os lugares e em lugar algum.”
Ou seja, o homem unidimensional é produto do capitalismo - e do seu projeto totalizante de domínio por meio de uma racionalidade tecnológica que avança para todos os âmbitos da vida social. Essa racionalidade tecnológica substitui a racionalidade humana através da introjeção de valores que leva o indivíduo a se comportar de determinadas formas. Isso acontece sem o uso da força, por isso nosso filósofo (1973) chama atenção para novas formas de controle.
Ao tratar sobre as novas formas de controle, o primeiro ponto para o qual Marcuse chama atenção (1973) é para falta de liberdade nas ditas sociedades desenvolvidas industrialmente. Ou seja, onde há um alto desenvolvimento tecnológico. E consequentemente mais possibilidade para melhoria das condições de vida. Essa falta de liberdade é aceita sem questionamentos. Nessa linha ele (1973) nos diz que “os direitos e liberdades que foram assaz vitais nas origens e fases iniciais da sociedade industrial… estão perdendo seu sentido lógico.” Ao se tornar dominante, esses direitos e liberdades são deixados de lado em troca do atendimento das necessidades dos indivíduos. Com isso, “independência de pensamento, autonomia e direito a oposição política estão perdendo sua função crítica básica”.
De acordo com Marcuse (1973) na sociedade industrial o poder político é afirmado a partir do domínio sobre o processo mecânico. É importante salientar que a máquina não está acima do indivíduo. Pois o seu poder nada mais é do que o poder do homem armazenado e projetado (aqui abrimos um parêntese para questionar a ideia de inteligência artificial).
Marcuse (1973) salienta que “o mundo do trabalho se torna a base potencial de uma nova liberdade para o homem no quanto seja concebido como uma máquina e, por conseguinte, mecanizado”. Ou seja, liberdade de se autoexplorar e alienar-se. Nesse linha, não é possível compreender a sociedade industrial e sua ideologia a partir do sentido tradicional dado aos termos liberdade econômica, política e etc. Mas sim a partir da compreensão de que (1973. p. 25-26), quando se fala em:
“liberdade econômica significaria liberdade de economia - de ser controlado pelas forças e relações econômicas; liberdade de luta cotidiana pela existência, de ganhar a vida. Liberdade política significaria a libertação do indivíduo da política sobre a qual ele não tem controle eficaz algum. Do mesmo modo, liberdade intelectual significaria a restauração do pensamento individual, ora absolvida pela comunicação e doutrinação em massa, abolição da “opinião pública” juntamente com os seus forjadores.
O que para o nosso filósofo é irrealizável, não pelo aspecto utópico dessas proposições. Mas pelas forças que impedem essa realização. Entre elas o processo de introjeção de valores. Daí que ele dirá que (1973) “a mais eficaz e resistente forma de guerra contra a libertação é a implantação das necessidades materiais e intelectuais”. A partir daí, nosso filósofo aprofundará como se dá a criação de falsas necessidades, transformando o indivíduo num sujeito submisso, sem perspectiva crítica e por conseguinte de mudanças.
“Tais necessidades têm um conteúdo e uma função sociais determinados por forças externas sobre as quais o indivíduo não tem controle algum" (MARCUSE, 1973, p. 26).
Nos parece que com o avanço da técnica, sobretudo a popularização da internet, essa questão apontada por Marcuse tornou-se ainda mais evidente. Avançando inclusive para comunidades tradicionais, que em que pese não terem se desenvolvido do ponto de vista industrial, estão inseridos no mercado global por meio da rede mundial de computadores.
Esse ponto mostra o avanço da racionalidade tecnológica e a necessidade de pensarmos formas de resistência a esse processo autoritário de desumanização da sociedade, restituindo por meio da crítica, à racionalidade humana. Essa tarefa torna-se possível através de uma pedagogia radical, que utiliza diferentes estratégias didático-pedagógicas, opondo-se a uma pedagogia unidimensional, caracterizada pela imposição de uma positividade alienante.
Pedro Ferreira Nunes – Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Ensino do Tocantins no CEMIL Santa Rita de Cássia.
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