Organizada por Edna Maria da Cruz Pinho, Joel Moises Silva Pinho e José Carlos de Freitas (2020) e publicado pela editora Veloso (Gurupi). A obra apresenta uma coletânea de ensaios e artigos analisando do ponto de vista da filosofia (e das ditas ciências humanas) algumas obras cinematográficas exibidas e debatidas durante 10 anos de projeto. Ao todo são 16 textos que articulam filosofia e cinema. Só para citar alguns filmes destacamos: Estômago (Brasil, 2007), Machucca (Chile, 2004), População 436 (EUA, 2006), Okuribito (Japão, 2008). Quanto às referências filosóficas temos um desfile de pensadoras e pensadores que ao longo da história deram importante contribuição para compreensão da natureza humana e das relações sociais. Só para citar alguns: Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, Durkheim, Nietzsche, Heidegger, Hannah Arendt, Freud, Foucault, Byung Chul Han entre outros.
No texto de abertura (Luz, Câmera… Filosofia através do cinema: uma década de ensino), o Professor Gilberto Correia da Silva faz um resgate histórico do projeto. Quando iniciou - num contexto de greve dos docentes - capitaneado pelo sindicato dos professores (APUGSSIND). Portanto, como uma atividade mobilizadora da comunidade acadêmica. E posteriormente a sua institucionalização como um curso de extensão ofertado pela universidade (UNIRG). Silva (2020), com documentos, apresenta cada edição realizada, os filmes exibidos, as discussões e os convidados que compuseram as mesas de discussão. Bem como o impacto na formação dos participantes e na comunidade em geral.
Ao longo do texto do Professor Gilberto Correia da Silva como também dos demais, a gente consegue perceber a potência do projeto. A relevância das discussões que se desenvolveram em torno da temática dos direitos humanos. E o quanto isso certamente contribuiu para a formação de uma consciência crítica dos participantes. É possível a partir da leitura de cada texto sentir a riqueza das mesas e da contribuição de cada debatedor. Riqueza essa que temos acesso através da publicação dessa obra celebrando 10 anos de projeto.
Outro aspecto que gostaria de destacar é o quanto os textos despertam em nós o desejo de assistir os filmes. Mesmo aqueles que por ventura tenhamos assistido.
Um terceiro ponto é que os textos refletem o espírito do tempo em que foram escritos - o contexto pandêmico e o governo de Jair Messias Bolsonaro - em que houve um desmantelamento das políticas de direitos humanos e o desprezo a vida de grupos específicos como negros, indígenas, mulheres e LGBT…
Entre os textos que mais me provocaram reflexão destacaria IRONWEED: A sábia loucura narra a nossa modernidade (Eduardo Sugizaki e Marcos Eduardo Sugizaki). Além de bem escrito, os autores articulam muito bem o filme, derivado de um livro do escritor estadunidense William Kennedy, com o pensamento de filósofos como Nietzsche e Foucault. As diferenças e similaridades entre o livro e o filme também é abordado. De modo que percebemos um exercício estético por parte dos autores. Logo em seguida temos De o caminho para casa, de Zhang Ymou, para ser e tempo, de Martin Heidegger: um breve exercício de fenomenologia-hermenêutica sobre o significado da morte (Gabriel Henrique Dietrich). De forma bastante didática o autor nos apresenta os principais conceitos heideggeriano a partir do seu clássico Ser e Tempo em diálogo com o filme chines que trabalha a questão da finitude humana. O poder competente: vidas sujeitadas e empoderadas no filme Estômago (José Carlos Freitas). Merece destaque. Ainda que tenha me parecido que o autor estava mais preocupado em mostrar o seu conhecimento de diversos pensadores que trabalham o conceito de poder. Melhor seria se tivesse focado em apenas um, por exemplo, o Byung Chul Han. De modo que temos um texto mais extenso do que deveria. Já o problema do artigo Sobre escravidão: algumas matrizes filosóficas e religiosas que auxiliam na naturalziação da degradação humana (Paulo Henrique Costa Mattos), ainda que muito rico e bem escrito, me pareceu fugir do objetivo do livro (inclusive me pareceu que é um livro dentro do livro, extenso em demasia). Aliás, ele pouco articulou com uma obra cinematográfica. Se dedicou mais a apresentar uma breve história da filosofia a partir da temática da escravidão. De todo modo, é um artigo que me provocou importantes reflexões. Por fim, ainda destacaria o texto Filosofia da diferença: homossexualidade, homoerotismo e homofobia (Ruy Tadeu Costa Ribeiro) que a partir de filmes como Milk - a voz da igualdade e Orações para Bobby discute questões como representatividade e preconceito sofrido por essa comunidade. Sobretudo diante de uma conjuntura política de ataques aos direitos humanos e a normalização de preconceitos operado pela religião.
Enfim, tanto a obra como o projeto, a partir do qual ela é fruto. Mostra o potencial da relação entre filosofia e cinema no processo de ensino-aprendizagem. Por tanto que essa iniciativa possa continuar e inspirar mais ações nesse sentido que, certamente, contribuem para formação e fortalecimento de um pensamento crítico em território tocantinense.
Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia (UFT) e Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins.