segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Punk Rock em defesa do meio ambiente

É cada vez mais urgente a necessidade de nos mobilizarmos e lutarmos contra a devastação das florestas, dos rios e do cerrado. Nessa luta, a arte é e sempre foi uma grande aliada – tanto na literatura, como no cinema, no teatro, na dança, nas artes plásticas e na música. Na música, aliás, há uma infinidade de artistas que fizeram canções com o objetivo de sensibilizar e conscientizar o público para a importância e necessidade de protegermos e preservarmos o meio ambiente. 

Como não temos condição de abarcar toda essa infinidade vamos pegar apenas três exemplos de artistas do punk rock – a opção pelo punk rock é pelo seu caráter subversivo e anticapitalista – pela sua visceralidade, por não fazer concessão ao status quo, por meter o dedo no problema sem meias palavras. E alguns artistas que encarnam muito bem esse espírito são os “Ratos de Porão, a “Cólera” e os “Inocentes”. E é exatamente canções dessas bandas que destacarei aqui – se nosso objetivo é falar do punk rock em defesa do meio ambiente as canções que destacarei creio que cumpre muito bem esse papel.

Cólera e a canção “Verde”

“Onde haviam riachos limpos/ hoje só vemos estrume humano/ o chão que era coberto de folha seca/ está encoberto pelo concreto./ Quem quer que mate atoa/ quem queima e corta/florestas e reservas/ só pensa em lucrar/ mas isso é roubar/”. Com esses versos a banda punk paulista Cólera inicia a canção “Verde” do icônico álbum “Verde, não devaste” lançado em 1989. Desde então essa canção se tornou um clássico da banda sendo executada nos shows ao vivo.

A composição chama atenção para o avanço da destruição ambiental alertando para as consequências não apenas á fauna e á flora, mas á nós mesmos que dependemos da natureza para sobreviver como enfatizam no refrão – “Minha vida/ sua vida/ nossas vidas/ depende do verde/ e depende do verdejar/”.

Infelizmente nem todo mundo olha para a natureza como nossa fonte de sobrevivência mas como um meio de obter mais e mais lucro. Não importando o quanto de flora e fauna tenha que ser destruído para tanto. Fazem isso, segundo eles, em nome do desenvolvimento. Mas o que estão fazendo é roubar como ressalta a canção: “O homem não pensa muito/ na hora de explorar/ por mais que destruam vidas/ só pensam em lucrar/ mas isso é roubar/.” Roubar terras, roubar recursos naturais, roubar as vidas dos povos tradicionais que são obrigados a abandonar seus territórios. 

Boa parte da devastação dos recursos naturais, especialmente nas florestas é para produzir produtos que serão consumidos nas cidades. Desse modo quando consumismo determinados produtos também estamos dando a nossa cota de contribuição para que essa destruição continua. Por isso precisamos nos conscientizar e dá uma basta nesse modelo de desenvolvimento. Pois afinal de contas como diz a canção – “nossas vidas dependem do verde”.

Ratos de Porão e a “Amazônia nunca mais”

Quem já foi num show dos Ratos de Porão provavelmente já ouviram o João Gordo alertando antes dessa canção – “Cuidado se não Amazônia nunca mais”. Essa composição é do álbum “Brasil” lançado em 1989. E se tornou um dos muitos clássicos da banda que é executado frequentemente nas apresentações ao vivo.

“A mãe terra não é de ninguém/ assim dizia quem morava aqui/ a mata virgem é força do bem/ e os animais vida e razão/”. A canção inicia mostrando a visão dos índios sobre a Amazônia para em seguida denunciar – “mas o homem branco/ com seu sujo poder/ escravizou e prostituiu/ se aproveitou da pura inocência/ dos verdadeiros filhos do Brasil”.

Ai temos de um lado os guardiões das florestas – os povos indígenas que vive numa relação de comunhão com matas e bichos. Do outro lado o homem branco com sua sede por lucro que não pensa duas vezes em aniquilar tudo que se oponha em seu caminho. “Morte!/ Para quem defende o verde e os animais/. Doenças!/ Misérias, queimadas, devastação/. Por que ninguém faz nada para os deter? Cuidado!/ Senão, Amazônia nunca mais/.”

É uma canção escrita há mais de 30 anos, mas é como se tivesse sido escrita hoje. A destruição da floresta amazônica, a violência contra os povos tradicionais e aqueles que os apoiam nunca avançou tão a passos largos como agora. Há 30 anos os Ratos de Porão alertam: “cuidado! Senão, Amazônia nunca mais”. Desde então muita gente tem se mobilizado pela urgência dessa pauta. Mas infelizmente o alerta continua necessário, cada vez mais necessário. Pois “o mundo depende do inferno verde/ o mundo depende do inferno verde/ o mundo depende do inferno verde/”.

Inocentes e a “Miséria e fome”

O Clemente – vocalista, guitarrista e compositor da banda – relata que a primeira vez que essa canção foi gravada não passou pela censura da ditadura militar. E mesmo modificando algumas partes depois da primeira tentativa continuou censurada. De modo que só foi lançada oficialmente em 1988 quando já havíamos superado o regime ditatorial. Ao contrário das duas canções anteriores “Miséria e fome” não fala diretamente da questão ambiental mas de algumas das suas consequências. 

“É tão difícil viver entre a miséria e a fome/ senti-la na carne e ter que ficar parado/ calado./ É tão difícil entender como homens armados/ expulsam outros homens das terras em que/ Eles nasceram e se criaram/ que são deles por direito/ para lá plantarem nada/ nada/.” 

Essa composição mostra de maneira magistral as consequências do progresso prometido pelos ruralistas – enquanto alguns poucos lucram – a maioria, especialmente indígenas, quilombolas e camponeses pobres – sobrevivem entre a miséria e a fome. Isso quando não são expulsos dos seus territórios para dá lugar a desertos verdes. E ao serem expulsos de suas terras acabam engrossando as periferias das grandes cidades aumentando mais ainda a miséria e a fome. 

Desse modo a luta em defesa do meio ambiente passa também pela denúncia da situação de miséria e fome pelo que passa a maioria dos povos do campo – povos que são submetidos a uma situação de opressão continua.

Para combater a miséria e a fome tanto no campo como na cidade precisamos de um modelo agrícola voltado para produção de alimentos de forma sustentável e não voltado para o lucro. Um modelo agrícola que proteja o meio ambiente e não que o tenha como uma barreira.

Essas três canções de ícones do punk rock nacional mostram de forma contudente as agressões ao meio ambiente e suas consequências – uma situação que não é de hoje e que ao contrário de melhorar tem piorado. Por isso mais do que nunca continuam necessárias. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

ESCOLA VAZIA: Um olhar dos estudantes do CENSP-Lajeado sobre educação em tempos de pandemia

Apresentação 

Esse trabalho é fruto das atividades das aulas remotas dos seguintes componentes curriculares: Arte, Filosofia e História - das Turmas: 33.01 e 37.01 (3ª Séries Reg. e EJA) do Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência.

O desafio lançado a eles foi o de fazer um breve relato dessa experiência que estamos vivendo com a suspensão das aulas presenciais imposta pela pandemia de COVID-19. O relato poderia ser em forma de verso ou em prosa. Ou mesmo de um desenho que simbolizasse esse contexto de suspensão das aulas presenciais e a experiência com as aulas remotas.

Sugeriu-se que nesse relato eles poderiam abordar pontos como: O que sentiram falta nesse período longe da escola; Quais as dificuldades encontraram para estudar em casa; O que fizeram para passar o tempo no isolamento social; E o que esperam da continuidade do seus estudos no pós- pandemia.

O resultado foram breves relatos que mostram como os nossos estudantes estão atravessando esse período - com muita angústia diante dos desafios que se colocam enormes – sobretudo o uso da tecnologia. Mas também a distância dos colegas – o abraço amigo. E dos Professores ajudando naquele conteúdo que não está entrando na cabeça. Diante disso é natural, percebermos o anseio de todos para que as coisas voltem ao “normal”.

No entanto enquanto isso não é possível, e talvez nunca mais seja, pelo menos não dá forma que era antes da suspensão das aulas presenciais. Alguns estudantes compreendem a necessidade das aulas remotas (mesmo com as dificuldades) como uma alternativa para que eles não sejam prejudicados no seu processo formativo mais do que já foram. E é por essa compreensão que demonstram gratidão com os Professores e a equipe Gestora do Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência.

Acredito, que apesar de singelos, esses relatos são importantes registros históricos que mostram o espirito desse período que estamos atravessando. E por tanto, não poderiam deixar de serem publicizados.

Além de um importante registro histórico, que possa servir também para que reflitamos sobre os limites e desafios da educação em tempos como o que estamos vivendo. E a partir daí pensar em políticas educacionais que superem esses limites e desafios – imposto não só pela pandemia, mas também pelo avanço tecnológico cada vez mais intensos.

Pedro Ferreira Nunes - Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. Atualmente atua como Professor da Educação Básica no CENSP -Lajeado.

Baixe no link: Relato de Experiência: Escola Vazia  

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Breve reflexão sobre Arte Popular e Música Popular brasileira a partir do Filósofo Adolfo Sánchez Vásquez

O que é Arte popular? Eis a questão que pretendemos responder a partir das reflexões estéticas do Filósofo Adolfo Sánchez Vásquez. Nessa linha o primeiro ponto para o qual chamamos atenção é acerca do fato de que de acordo com Vásquez  (2011) a expressão “arte popular” é objeto diário das mais grosseiras mistificações. Diante disso ele defende a necessidade de buscar reestabelecer o seu verdadeiro significado. 

Para Vásquez (2011) “uma das mistificações mais comuns consiste em identificá-la com o que nós chamamos de Arte de massas, ou arte própria do homem alienado e coisificado da sociedade industrial capitalista”. Ele salienta que não se deve confundir a arte popular com a arte mais consumida, mais “popular”, isto é, a arte de massas, tão pouco é legítimo estabelecer um sinal de igualdade entre ela e uma arte de costumes, regionalista ou provinciana; isto é, como uma arte populista. Dito isto, percebemos que para Vásquez existe a arte popular,  a arte de massas e a arte populista. Esta última está ligada aos costumes, a segunda ao consumo e a primeira?

De acordo com Adolfo Sánchez Vásquez (2011) “a arte popular é expressão profunda das aspirações e interesses do povo numa dada fase histórica e, como tal, mantém certa relação com a política, mas essa relação, por um lado não é exterior, algo que se imponha de fora, e, por outro, não é direta e imediata”. É a mesma linha que segue Oliveira (2019) ao afirmar que “toda arte é potencialmente política porque, para além de sua função social, ela é resistência, afeto, insubordinação e, muitas vezes, é a tomada de consciência de que as bandeiras partidárias são menos relevantes do que o ato de existir em sociedade e nela insistir nas revoluções diárias”.

Voltando a Vásquez, ele nos diz que “a arte verdadeiramente popular – em todas as épocas – sempre esteve em estreito contato com a vida humana, com o povo, revelando assim um profundo conteúdo ideológico”. Trata-se portanto de uma arte tendenciosa. Pois “expressa os mais elevados interesses de um povo numa fase histórica dada”. Isso, porém, não significa fazer desse tipo de arte um anacronismo. Pois “sendo fiel ao seu tempo, a arte sobrevive a ele e, desse modo, continua vivendo com o próprio movimento da vida real” (2011, p. 251).

Ainda de acordo com Vásquez  (2011) “uma arte popular assim entendida, sem a carga das mistificações que se associam a essa expressão, é, em suma, a arte universal de todos os tempos; a arte que não se contenta com uma forma bela e que, fundida com esta, oferece o rico e profundo conteúdo ideológico que corresponde às aspirações e esperanças de um povo, numa fase histórica do seu desenvolvimento”.

A partir dessa afirmação podemos dizer que o Adolfo Sánchez Vásquez rompe com a dicotomia entre arte popular e erudita. Sobretudo a visão de que a arte erudita seria aquela que representa valores universais e a arte popular os costumes locais. A partir da perspectiva do Vásquez sobre a arte, talvez seria mais interessante falar em arte popular x arte antipopular.

Vásquez (2011) salienta que na maioria dos países do mundo contemporâneo  “não existe uma verdadeira criação popular; seus frutos, em muitos casos, não são mais do que pálidos vestígios de um impulso criador hoje inexistente”. Para nosso filósofo “uma vez que se esgotaram suas possiblidades criadoras no terreno artístico, encontramos apenas o consumidor: mas o consumidor pacífico, impessoal e desumanizado”. Nesse contexto a arte é mais um instrumento de alienação do que de libertação. Sendo assim essa arte não pode ser denominada de arte popular. Pois a arte popular, por sua perdurabilidade “compartilha do destino autêntico das grandes criações individuais: o de superar o particular humano para assim enriquecer o universal” – ao contrário da Arte descartável que domina atualmente.

A reflexão do Vásquez sobre arte popular me fez lembrar de uma discussão que se tem hoje no Brasil acerca de qual seria a verdadeira música popular brasileira. Com alguns defendendo que seria a música Sertaneja, por ser sem dúvidas, a mais ouvida atualmente. Enquanto a chamada MPB estaria mais elitizada. Mas se seguirmos a tese do Adolfo Sánchez Vásquez não é pelo fato de ser a música mais ouvida na atualidade que faz do Sertanejo a verdadeira “música popular brasileira”. Na verdade ela se encaixaria no que o filósofo denomina de arte de massas. 

Tendo a seguir o que diz o filósofo. Eu particularmente sempre achei que tem mais elemento das nossas matrizes culturais na música de uma banda de rock como o Sepultura (ouça canções como Itsari, Ratamarata, Kaiowas, Phanton Self, Capital Enslavement) do que em muitos artistas da música sertaneja na contemporaneidade (não sei nem se dá para classificá-los de Sertanejos pois os elementos da cultura sertaneja estão cada vez mais ausente de suas composições). Desse modo o Sepultura, mesmo tocando metal com letras em inglês, faz arte popular mais do que muitos daqueles que são denominados de artistas populares – Vásquez nos diria que se o fator a se considerar for a popularidade certamente são – mas se o aspecto for a criação ligada as aspirações da coletividade – não.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. Atualmente leciona Artes e Filosofia no Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência. 

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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

OLIVEIRA, Alecsandra M. de. Arte e Política, eterna questão. Disponível em: https://jornal.usp.br/artigos/arte-e-politica-eterna-questao/. Acesso em: 27 de jul. 2020.

VÁSQUEZ, Adolfo Sánchez. As ideias estéticas de Marx. 3° Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011.

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

3° FLIP - Portuense - Sobre minha formação e produção literária


Entre os dias 09 e 13 de Julho de 2020, ocorreu a terceira edição da Feira Literária de Porto Nacional (FLIP - Portuense). Nesse ano inteiramente virtual através do site da Prefeitura de Porto Nacional no YouTube.

Entre poetas, escritores, músicos, atores, e artistas plásticos de vários cantos do país, esteve esse que vos escreve (como podem conferir no vídeo) falando da minha formação e produção literária. E concluo apresentando um poema de minha autoria "Eu gosto de mato".

#Viva a literatura tocantinense!!!

#Vida longa a FLIP-Portuense!!!

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Breves comentários sobre a conjuntura

“A verdadeira provação... 
se dará quando nossas sociedades
 começarem a se movimentar novamente”.
Slavoj Zizek

Há algum tempo não faço meus comentários sobre a conjuntura – estilo punk Rock – breve como um soco no estômago. Mas como dizia uma Professora do curso de Filosofia – “nunca é tarde”. Sendo assim então vamos lá. Falarei aqui sobre o pacote de privatizações de bens e serviços públicos do Governo Carlesse aprovado pela Assembleia Legislativa e do combate ao Novo Corona Vírus pelos Gestores Públicos, tanto a nível Municipal como Estadual. A postura da população Tocantinense diante do número crescente de casos e óbitos em decorrência da pandemia. E a discussão sobre á volta ou não das aulas. 

Vende-se!

Á Assembleia Legislativa do Tocantins não criou nenhum obstáculo para aprovar o pacote de privatizações do Governo Carlesse. Entre bens e serviços que serão entregues a iniciativa privada está a concessão de rodovias, a Agência Tocantinense de Água (ATS) como também ações da Usina Hidrelétrica Luiz Eduardo Magalhães. Tudo isso justamente num momento em que o foco da população e do debate público está voltado para o combate ao Novo Corona Vírus (COVID-19). O que nos leva a questionar a moralidade dessas decisões, tanto por parte do executivo como do legislativo. 

Modelo fracassado

Desde os governos Siqueira,  passando por Marcelo Miranda, o projeto privatista tem se demostrado um fracasso. Sobretudo no que diz respeito a melhoria dos serviços prestados, a redução dos custos bem como na utilização dos recursos arrecadados para melhoria da qualidade de vida da população. Mas por que mesmo assim continuam privatizando? Por que alguém lucra com isso. Esse alguém certamente não é o povo – o povo vai pagar a conta. Por exemplo, em relação ao serviço de energia elétrica, o tocantinense já paga uma das tarifas mais caras do país  (mesmo sendo um Estado produtor de energia), imagine agora com o Estado abrindo mão mais ainda das suas ações nesse setor?!

O caminho mais fácil?

Ao seguir com o projeto de privatização dos bens e serviços públicos dos seus antecessores – Carlesse opta pelo caminho mais fácil para arrecadar dinheiro. O problema é que se trata de um dinheiro que vêm fácil e que tende a acabar mais facilmente ainda pois são muitos o que querem uma “beirinha”. Outro ponto é que esse caminho que aparentemente é o mais fácil deixa o Estado refém de grupos empresariais – que só entendem a linguagem do lucro – e para manter o lucro em alta – espoliar o povo é um mero detalhe.

Enquanto isso o novo corona vírus avança 

Se ao final da pandemia de COVID-19 não tivermos os estragos que observamos em outros entes da federação (e outros países) certamente não será graças a condução dos nossos representantes políticos. Num momento em que a palavra de ordem deveria ser a união e colaboração entre os gestores das três esferas governamentais, o que vimos foi o velho jogo de empurra-empurra – a tentativa de jogar nas costas de outro a responsabilidade pela falta de competência em gerir uma crise da magnitude da que estamos passando.

Ética e Política em tempos de pandemia

O comportamento do tocantinense nesse período de pandemia tem sido, majoritariamente, em desacordo com princípios éticos elementares. E em grande medida essa postura é alimentada pela condução política confusa de diversos gestores públicos. É isso que acontece quando a política não é utilizada para que alcancemos o bem comum – despertando nas pessoas ações justas. Desse modo não dá para esperar outra postura dá população, se não a que estamos assistindo. 

Ética e Política em tempos de pandemia II

Por outro lado não dá para colocar 100% na condução política dessa crise a postura antiética de parte significativa da população. Assumamos nossa cota de responsabilidade individual diante das escolhas que fazemos como por exemplo utilizar ou não máscara em espaços públicos, promover festas clandestinas e ignorar as orientações dos profissionais da saúde. 

Os tempos estão mudando

A atitude de não seguir o que recomenda os profissionais da saúde, mais do que uma postura de insubordinação, revela desespero. Essas pessoas estão vendo o seu mundinho ruir (o mundo que elas acreditavam ser estático) sobre seus pés e agarram-se como podem nos vestígios de uma vida passada, acreditando que de uma hora para outra tudo voltará a ser como antes. São como almas penadas que vagueiam sem fazer a passagem por estarem agarradas a um mundo que já não existe. E certamente não será do dia para a noite que perceberam isso – talvez na verdade nunca perceberam. Afinal de contas em pleno século XXI não tem pessoas que vivem como se estivéssemos no período medievo?!

Os tempos estão mudando II

O Filósofo esloveno Slavoj Zizek no artigo “O simples que é difícil de fazer” (disponível no Blog da Boitempo) salienta entre outras coisas que a rejeição as medidas de isolamento social como o lockdown “é na verdade uma rejeição à mudança”. Para Zizek isso é reflexo de uma espécie de psicose coletiva – que leva a um comportamento de negação do vírus – e assim, agimos “como se a infecção na realidade não ocorresse”. Ainda de acordo com Zizek “o mais difícil ainda está por vir”, pois a verdadeira provação não é tanto o lockdown e o isolamento, de modo que se “não inventarmos um novo modo de vida social, não será apenas um pouquinho pior, mas muito pior”.

O exemplo da Educação 

Com o avanço da pandemia de COVID-19 as escolas foram as primeiras a fechar e certamente serão as últimas á retornarem. E esse retorno não será ao estágio anterior. De modo que se faz necessário pensar num novo modelo de educação que corresponda as mudanças que o contexto atual está nos impondo. Esse novo modelo de educação já está sendo pensado por agentes do Banco Mundial – um modelo que não corresponde aos nossos anseios por transformações profundas no modo de vida social. Desse modo precisamos começar a pensar e a disputar os rumos da educação no pós-pandemia e não ficarmos simplesmente discutindo quando será o melhor momento para o retorno.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

terça-feira, 30 de junho de 2020

Crônica: Enquanto corro!!!

Parto de casa ao som de uma versão recente da canção “Hey Hey My My” (Neil Young) feita pelos franceses do The Inspector Cluzo. Num ritmo leve deixo o asfalto para trás e entro no trecho da antiga rodovia. Matos, pedras, areias, buracos não é um trecho fácil. Enquanto isso está rolando “isolation” (John Lennon) numa versão recente gravada pelo Johny Depp e o Jeff Beck com sua banda. Quando “Hey Joe” do Jimmy Hendrix começa a tocar já estou na estrada que leva a praia do Segredo. 
A melhor visão para mim é não ver ninguém a não ser os pássaros rasgando o céu. Especialmente os urubus que todos os dias no mesmo horário atravessam para a outra margem do Rio – onde o sol se põe. Nesse momento o meu sangue já está quente por demais até que Amy Winehouse começa a cantar “wake up alone” e dou uma segurada no ritmo. Quando chego na entrada da praia do Segredo quem está a cantar é o velho B.B King, a canção “Rock me baby”. 
Faço o retorno e sigo até á margem da TO-010. Atravesso o Setor Entre Serras ainda pouco habitado. Enquanto isso ouço Bob Dylan cantando a sua novíssima False Prophet. Já estou retornando pelas ladeiras do Setor Entre Serras e quem está tocando é o The Doors, a canção “light my fire”. Ainda há um bom trecho de corrida por tanto não posso puxar tanto o ritmo. 
Novamente retorno a praia do Segredo fazendo agora o caminho de volta para casa, e quem está tocando é The Beatles, duas na sequência “Penny Lane” e “Revolution”. O sol já se pôs, tudo escurece rapidamente, ainda tenho energia para dá uma acelerada. Enquanto isso The Rolling Stones tocam “Painted Black”. Na seqüência vem Janis Joplim com “Kosmic blues” que me leva a quase flutuar sobre o cascalho da estrada. É com essa canção que entro no trecho final.
Seria uma bela canção de chegada mas ainda tenho que atravessar o trecho de matos, pedras, areias e buracos. É o trecho da velha estrada onde na minha infância o povo dizia ver “visagens”. E é nesse momento que começa a tocar “people who died” (Jim Caroll) numa versão da Hollywood Vampires. Não é uma boa hora para ouvir uma canção que fala de pessoas que morreram. Mas tudo bem, já não sou a criança medrosa da infância. Sigo inclusive cantarolando o refrão: “Those are people who died, died. Those are people who died, died. Those are people who died, died. Those are people who died, died. They were all my friends, and they died”.
Supero o trecho mais sujo do percurso e chego enfim no asfalto. É só seguir mais duas quadras e estou em casa. Sangue fervendo e banhado de suor, mas como se tivesse tirado duzentas toneladas das costas. 
Apesar do esforço, das dores e do cansaço é como se eu rejuvenescesse, como se eu descarregasse todas as energias negativas que acumulei ao longo do dia. E com uma trilha sonora dessas, tudo fica ainda melhor.
Por Pedro Ferreira Nunes – Poeta, Escritor e Educador Popular Tocantinense.

quarta-feira, 24 de junho de 2020

Ser filósofo ou técnico em filosofia? Eis a questão

O debate acerca da produção filosófica no Brasil e suas consequências não é uma novidade. Já há algumas décadas alguns filósofos brasileiros vem chamando atenção para necessidade de se romper com a lógica dominante de imitação e reprodução do pensamento eurocentrico. Mas apesar das críticas, a produção filosófica no Brasil está marcada por essa visão. Como conseqüência, temos uma produção desligada da nossa realidade.
Um dos filósofos brasileiros que chamam atenção para esse problema é o Eduardo Ferreira Chagas  (Professor de Filosofia na Universidade Federal do Ceará). Que numa mesa sobre “a produção de Filosofia no Brasil hoje” realizada no Encontro Nacional de Estudantes de Filosofia (ENEFIL), em Fortaleza-CE (2017). Trouxe uma importante contribuição que nos ajuda a refletir e debater essa questão. Na sua fala, Chagas (2017) criticou o modelo de produção filosófica no Brasil que segundo ele segue uma lógica taylorista. E por tanto autoritária. Que tem como conseqüência a produção de anões e não de grandes pensadores.  
Para Chagas (2017) tomamos uma posição subalterna ao assumir um pensamento que não é nosso. E não sendo nosso, acabamos nos tornando repetidores e imitadores do que se produz na Europa ou nos Estados Unidos. Diante disso ele salienta a urgência de se assumir a tarefa de se romper com a lógica dominante de produção filosófica no Brasil fundamentada na imitação e no autoritarismo.
De acordo com nosso filósofo  (2017) no Brasil o que se faz é antifilosofia – que se caracteriza pela ausência do debate e da discussão. Para antifilosofia é mais importante se ocupar em refletir sobre a essência,  da essência, da essência – do que se ocupar com os problemas concretos que permeiam a nossa realidade. Diante disso o que fazer? 
Para Chagas (2017) romper com esse modelo dominante de produção filosófica ou mantê-lo, é tarefa das novas gerações. Ainda de acordo com ele, a questão que se impõe nesse contexto é: ser Filósofo ou técnico em Filosofia? Se a opção é ser técnico em Filosofia o modelo de produção filosófica dominante está servindo muito bem, mas se a opção for outra se faz necessário um rompimento urgente.
Se a opção for pelo rompimento, creio que este não partirá do ambiente acadêmico, onde impera uma concepção de educação tecnicista muito forte. Os planos de cursos são voltados de fato para imitação e reprodução, não deixando brecha para que os estudantes ousem pensar por conta própria. Por tanto essa ruptura deve partir de fora para dentro. Como e onde? Não tenho essa resposta. A verdade é que não existe uma resposta, precisamos construi-la. A questão é saber se há disposição para tanto. 
De certo não é uma tarefa fácil pois como ressalta um filósofo da magnitude de um Habermas – os filósofos contemporâneos (ele se inclui entre estes) não são mais que professores de Filosofia. Ao chamar atenção para essa questão creio que Habermas está enfatizando que ser professor de filosofia não faz de ti um filósofo. No máximo um técnico em Filosofia que com base em manuais ensina filosofia, ou melhor dizendo, história da filosofia.
Habermas faz tal afirmação a partir de uma realidade onde há uma tradição filosófica muito forte. Ao contrário do Brasil, como podemos perceber na crítica do filósofo Eduardo Ferreira Chagas, onde a Filosofia ainda é vista com bastante desdém – um desdém que busca esconder o medo da Filosofia, como salientou Valério Rodhen no texto “Quem tem medo da Filosofia?”.
Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins.