“o trabalho que estrutura o capital desestrutura a humanidade. E o trabalho que estrutura a humanidade é incompatível com o trabalho que o capital quer nos impor...”.
Ricardo Antunes
Uma reportagem da Rádio UFT FM acerca do transporte coletivo de Palmas trouxe a tona o descontentamento dos usuários com a qualidade do serviço prestado á população. E entre as várias reclamações boa parte é contra os motoristas – que segundo os usuários entrevistados, estão sempre estressados e tratam mal os passageiros. Isso me fez lembrar de uma experiência que tive há alguns anos atrás e que mudou completamente a minha visão dos motoristas do transporte coletivo.
Era o ano de 2005, eu trabalhava num grande hipermercado na capital goiana, e tinha que todos os dias pegar 6 ônibus ( 3 na ida e 3 na volta). Nessa “via crucis” ia embora 04h diárias (2h na ida e 2h na volta) da minha vida. Pagando passagens caras, em ônibus superlotados, num trânsito caótico, com motoristas e usuários estressados. E eu era um desses estressados, sobretudo, com os motoristas. Era neles que eu descontava a minha raiva pela demora dos ônibus e pela superlotação. Eles por sua vez descontavam em nós seus estresses diante de tanta cobrança tanto por parte dos usuários como da empresa. E assim um ambiente que já era ruim, piorava.
A vida ia passando nesse ambiente insalubre, até que conheci um grupo de motoristas do transporte coletivo que estavam num movimento para criar um sindicato especifico da categoria – um sindicato que realmente defendesse os interesses daqueles trabalhadores que eram extremamente explorados. Ou melhor, espoliados, como diria Ricardo Antunes. Submetidos a jornadas de trabalho estressante, tendo que desempenhar várias funções (dirigir, cobrar, monitorar, auxiliar cadeirantes) e ganhando um salário de fome.
Mas na minha rotina estressante eu não conseguia perceber isso. Não conseguia perceber a condição quase desumana de trabalho que aqueles trabalhadores eram submetidos. Só a partir da convivência com eles passei a perceber o que no dia a dia, nós usuários ignoramos. Só quando vi o transporte coletivo a partir da perspectiva deles é que minha visão mudou.
A partir dai minha relação com os motoristas passou a ser completamente diferente. Passei a vê-los não mais como inimigos – como os responsáveis por aquela situação caótica que eu enfrentava diariamente indo da casa para o trabalho e do trabalho para casa. Pois, afinal de contas eles eram vítimas (tanto quanto nós usuários) das empresas que controlam o transporte coletivo nas regiões metropolitanas das grandes cidades – empresas essas que obtêm lucros exorbitantes e em contrapartida ofertam um serviço de péssima qualidade.
Voltando a reportagem da Rádio UFT FM sobre a situação do transporte coletivo em Palmas. Pelo relato dos entrevistados (usuários e motoristas) e a minha própria experiência já que utilizo o transporte coletivo da capital, posso afirmar que a realidade não é muito diferente da que vivenciei em Goiânia. Aliás, um dos pontos alto da reportagem foi a denuncia de um motorista acerca das péssimas condições de trabalho que eles são submetidos. Condições que são facilmente percebidas por qualquer um que utiliza o transporte coletivo de Palmas. Basta parar um pouco de pensar só em si e olhar para o que esta a sua volta.
Um bom exemplo é a estação Apinajé. Observe qual a estrutura que existe ali para que os motoristas possam relaxar nos intervalos das viagens, se alimentarem e etc. Observe durante o percurso da casa para o trabalho e do trabalho para casa ou faculdade o que um motorista faz além da sua função. Pergunte a eles o que as empresas fazem se caso ocorrer, por exemplo, um assalto. Quem paga a conta? De qual salário será descontado a perda? Sei que pedir isso é um tanto difícil numa sociedade cada dia mais individualista e que falar em solidariedade de classe, quando se prega o fim das classes, é um tanto de ingenuidade da minha parte.
Mas o fato é que enquanto usuários e motoristas se digladiam, os empresários, com o apoio dos governos de plantão, continuam espoliando a população: tanto os usuários cobrando tarifas altas, como os motoristas que desempenham várias funções, mas recebe o salário como se desempenhasse apenas uma. E enquanto não nos atentarmos para isso, termos claro quem são nossos verdadeiros adversários, as coisas não mudaram.
Pedro Ferreira Nunes - é “apenas um rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior”.
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