segunda-feira, 11 de março de 2019

Crônica: Comendo Veneno.


Á Maria Lúcia, minha mãe.

Esses dias Maria Lúcia chegou horrorizada do Supermercado com uma cena que presenciou. Segundo ela um pessoal que descarregava uma carga de banana para ser comercializada no local, jogou um produto com um cheiro muito forte nas frutas. Sabendo de qual produto se tratava ela logo deduziu que o objetivo era acelerar o processo de amadurecimento das bananas.

Trata-se do veneno popularmente conhecido como “mata-mato” (composto de carbono e fósforo e que tem no gliofosato seu principal agente ativo). Não existe controle na venda do produto, de modo que qualquer um pode adquiri-lo, e também não há controle em como e no que o veneno será utilizado. Por essas bandas ele é bastante utilizado para limpar as ervas daninhas dos quintais. Mas também em lavouras no processo de “dessecação” preparando a terra para o plantio.  No caso presenciado por Maria Lúcia – para acelerar o processo de amadurecimento das frutas. Pois quanto mais rápido amadurecem, mais rápido podem ser comercializadas. E quanto mais rápido são comercializadas mais lucro vai para o bolso dos produtores e comerciantes.

Mais e os consumidores? Como fica a saúde de quem consome esses produtos a base de veneno? Não precisa ser um especialista para saber que o consumo desses produtos faz um estrago considerável no nosso organismo. E foi isso que deixo Maria Lúcia horrorizada – o fato de que estamos nos alimentando de veneno. Isso que o que ela viu foi apenas a ponta do “iceberg”. A produção de alimentos com a utilização de venenos altamente perigosos para saúde do seres humanos é um caso sério. O documentário “O Veneno está na Mesa” do Silvio Tendler nos dá uma idéia dessa realidade, como também uma série de pesquisas que apontam o risco de provocar câncer tanto em quem consome como em quem produz. Sem falar nos problemas hormonais apontados pela pesquisadora Larissa Bombardi – autora do atlas “Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Européia”.

Boa parte dos problemas apontados pelos pesquisadores em relação ao uso de agrotóxico é ligado ao processo de produção nas lavouras. Mas no caso presenciado por dona Maria Lúcia o caso é ainda mais alarmante. O veneno estava sendo aplicado nas frutas na porta do supermercado e logo seguiram para comercialização. De modo que o efeito nocivo a saúde de quem consumir aquelas frutas será muito maior.

Outro ponto importante que não se pode perder de vista é a questão ambiental. Pois a utilização desses venenos na produção de alimentos traz enormes prejuízos ao meio ambiente. Entre eles o extermínio da biodiversidade.

Em relação a essa questão um bom exemplo é a morte das abelhas. Em uma reportagem recente, Pedro Gregori (Agência Pública) afirma, que em três meses apicultores encontraram meio bilhão de abelhas mortas, sendo que em cerca de 80% dos exames feitos foram encontrados agrotóxicos. E o que isso acarreta? Uma alteração na cadeia alimentar. Pois segundo a pesquisadora Carmem Pires “as plantas precisam das abelhas para formar suas sementes e frutos, que são alimento de diversas aves, que por sua vez são a dieta alimentar de outros animais”.

Mesmo diante de todo esse contexto o interesse econômico fala mais alto. Por isso o Brasil – que já é campeão no consumo de agrotóxico a nível mundial – ao invés de estar discutindo como evitar que isso avance. Segue no caminho contrário defendendo a flexibilização da lei que regulamenta o uso de agrotóxico – uma lei que já e por demais flexível. Pois permite, por exemplo, que se utilize em terras brasileiras 22 tipos de agrotóxicos que são proibidos na Europa. Um desses é o glifosato que é o principal agente ativo do veneno “mata-mato”. Isso mesmo, aquele que dona Maria viu sendo aplicado nas bananas em um grande Supermercado e que serão consumidas por vários cidadãos lajeadenses.

No Tocantins, nos últimos anos, órgãos de fiscalização vêm comemorando o aumento da devolução de embalagens de agrotóxicos pelos produtores. Dados de 2017 aponta que foram devolvidas cerca de 722,3 toneladas de embalagens. Isso mesmo, você não leu errado, toneladas. Ora, isso não deveria ser motivo de comemoração, mas de preocupação. Pois significa que há uma quantidade muito grande de agrotóxico sendo aplicado nas lavouras tocantinenses. E se levarmos em consideração que nem todos os venenos têm sua venda e aplicação controladas (como no caso do mata-mato) e que, portanto as embalagens são descartadas de qualquer jeito devemos ficar mais preocupados ainda.

Até por que não são raros os casos de “intoxicação por agrotóxico no Estado do Tocantins”. Como aponta Silva (2016) em um estudo importante onde ele chama atenção dos gestores da Saúde para esse problema. De acordo com este autor “há indícios de que o consumo de agrotóxico agrícola no Tocantins tem impactos significativos no ambiente e na saúde da população, principalmente nos trabalhadores rurais e seus familiares”. Numa pesquisa consistente com vários dados Sérgio Luiz de Oliveira Silva revela aquilo que a propaganda do agronegócio esconde – as contradições de um modelo agrícola nefasto.

Se todos tivessem consciência disso não tenho dúvidas que ficariam horrorizados tal como ficou dona Maria Lúcia diante da cena que viu. Mas não basta o espanto – é preciso agir. E essa ação deve se dá em duas frentes: No campo político - enfrentando os ruralistas e os seus representantes nos parlamentos. E no campo educacional – conscientizando a população dos riscos para nossa saúde da produção e consumo de alimentos com agrotóxicos. Isso no atual contexto é uma tarefa por demais difícil, mas para quem não concorda com esse estado de coisas, não há alternativa.

Pedro Ferreira Nunes – É “apenas um rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior”.

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