sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Quando o ódio triunfa

O que faz um ser humano em um carro atropelar um grupo de pessoas colocando em risco a vida dessas pessoas? A que nível chegou o seu desprezo pela vida do outro? Quando foi que se perdeu a capacidade de aceitar o diferente? Se é que um dia já fomos capazes. Nessa situação uma coisa é fato – não há mais respeito, não há mais diálogo, não há mais empatia. O que há é o triunfo do ódio. 

Nesse contexto é importante lembrar o que dizia o filósofo holandês Baruch Spinoza – de que nós nos deixamos guiar pelas paixões ao invés da razão. O que não é bom pois nos leva a posições extremas. Sendo assim, Spinoza defende a necessidade de controlarmos as paixões tristes como o medo, a cólera, o remorso e a inveja. E esse  controle só é possível na medida que agimos racionalmente. 

Foi o que não fez o senhor Leo Luiz Ribeiro ao atropelar com sua caminhonete um grupo de manifestantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que protestavam em Valinhos – interior paulista – por políticas públicas que lhes propiciassem melhores condições de vida. A atitude criminosa  do senhor Ribeiro teve como consequência a morte de um manifestante – o senhor Luiz Ferreira da Costa. 

Esse episódio é bastante significativo e nos ajuda a compreender os dias em que vivemos – dias em que perdemos a capacidade de conviver com posições contrárias as nossas. Com isso quem pensa e age diferente de mim deve ser bloqueado no meio virtual e eliminado na vida real - sem remorso, sem pudor. Tal postura é típico de quem não consegue controlar suas paixões e agir racionalmente. 

E isso é possível? Controlar as paixões e agir racionalmente? Spinoza nos dirá que sim. Para tanto se faz necessário compreender os afetos. E ele nos dá uma importante contribuição nesse sentido ao buscar elaborar, segundo Frédéric Lenoir, uma verdadeira ciência dos afetos. 

Para o filósofo holandês são três os afetos primários do qual se derivam todos os demais, a saber – O desejo, a alegria e a tristeza. E de acordo com Lenoir, para Spinoza “todos los afectos son expresiones particulares del deseo, y serán una modalidad de la alegria si aumentan nuestre capacidad de obrar o de la tristeza si la disminuyen”. E está em nossas mãos a decisão se iremos nos guiar por afetos alegres ou se nos guiaremos por afetos tristes como o ódio por exemplo. 

Em relação ao ódio, Lenoir  nos diz que este “tiene por objeto um ser cuya ideia disminuye nuestra capacidade de atuar y nos sumerge em la tristeza”. E sua causa é exterior. Isto é, não está em nós. Sendo assim,  somos afetados pelo ódio, a partir de uma idéia que temos do outro. E aqui está uma importante chave para compreendermos o chamado discurso do ódio – que em última análise prega a eliminação do outro, do diferente. E defende uma sociedade uniformizada. 

Seu Luiz Ferreira é mais uma vítima dessa lógica que busca alimentar nas pessoas suas paixões tristes. Tornando-as indivíduos frágeis e facilmente manipuláveis. Vítima também foi o MST e todos os movimentos sociais, bem como os cidadãos, que lutam por seus direitos e por uma sociedade verdadeiramente democrática em que as diferenças de posição sejam resolvidas no bom debate e não através da violência. 

Diante do que foi exposto até aqui, concluímos dizendo que não há que se ver o assassinato (pois foi isso que aconteceu – um assassinato) do Seu Luiz Ferreira como algo isolado. Mas como mais um exemplo como tantos outros que aconteceram e ainda acontecerão em decorrência do discurso de ódio  (inflamado pelas redes sociais) que domina o Brasil e outros paises do globo nos dias atuais. Um discurso que segundo Samir Nair, gera nos seus seguidores “una potente liberación de instintos agresivos”. E com isso temos o triunfo do ódio. 

Será  que é necessário que nos matemos?
Não utilizemos a inteligência que temos.
Voltados uns contra os outros
Mate o seu próprio povo.
E aí o sistema 
Te vence de novo. 
Inocentes 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universdidade Federal do Tocantins. 

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