sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Cólera e a questão ambiental: 30 anos do álbum “Verde, não devaste!”

“Minha vida, sua vida, nossas vidas, dependem do verde...”.
Cólera 

O ano era 1989, uma das bandas pioneiras do punk rock brasileiro lançava um álbum de estúdio que agora 30 anos depois faz mais sentido do que nunca. Não, não estou falando do “Brasil” dos Ratos de Porão. Mas do “Verde, não devaste!” da Cólera – um álbum que pode ser definido como um manifesto em defesa do meio ambiente.

A banda Cólera então formada pelo trio – Redson Pozzi (guitarra e vocal), Val Pinheiro (contrabaixo), e Pierre Pozzi (bateria). Sempre teve como uma das suas bandeiras a defesa do meio ambiente. Mas nesse álbum eles colocam essa questão ainda mais em evidência como podemos ver pela escolha do título que dá nome ao álbum, pela arte da capa que sintetiza bem o alerta da banda sobre as consequência de destruírmos a mãe natureza e pelas 14 faixas onde eles destilam sua fúria contra um modelo de desenvolvimento movido pela destruição ambiental.

Já na abertura temos o Redson declamando um texto sublime – Da última árvore para o último animal: “você viu armas feitas com pedaços de nossos corpos. Você viu sua pele irmã  a preço promocional na vitrine. Eles não viram nada além do lucro. Eles usam sua pele sentados sobre nossos pedaços. Eles tem projetos milionários para exterminar todos nós...”. Seguido da instrumental “Bombeiros”. Na sequência mais outro petardo – Minha nação: “Minha nação tem riquezas, minha nação é gentil, mas tão imensa miséria. E a invasão, estão roubando o Brasil...”. Nada muito diferente do Brasil de hoje não é mesmo?! Talvez um pouco pior com Bolsonaro e a sua trupe no comando da nação – o que torna ainda mais real o alerta da próxima faixa –  Meia noite: “quando você nem imaginar. Vai acordar, ligar seu rádio. Aquela música não vai mais tocar, seu presidente irá falar: - apertamos o botão. Foi a meia noite...”. Ai já era, não há mais nada a fazer. Depois de aniquilados não temos como nos rebelar.

A faixa em seguida é uma espécie de antídoto para que isso não ocorra. Trata-se da canção Parasita, que tem um riff de guitarra poderoso dando ainda mais força para o verso – “...não seja um parasita! Um sangue sunga de uma vida!”. E o que fazer para não ser um parasita? Ter um ideal e lutar por ele, ainda que se tenha consciência dos ônus de se defender determinados ideais. Sobretudo aqueles que vão contra os interesses da classe dominante.

Em seguida vem outro ponto alto do álbum. Trata-se da faixa Presídio zoo – uma contundente crítica a violência contra os animais – onde se destaca os versos: “Animais não fazem guerras, animais não destroem selvas. Animais não constroem bombas, animais não poluem o ar. Animais não pertencem a ninguém, animais não matam por prazer...”. A faixa seguinte Don’t West it também segue essa linha como podemos conferir na frase inicial: “animais não são nosso para satisfazer nossos prazeres violentos”. A canção segue e o Redson não mede palavras para críticar aqueles que poluem o meio ambiente e maltratam os animais: “Fodam-se todos que destroem as florestas, o oceano e o ar. Fodam-se todas as experiências com a vida animal, deixem-os viverem suas vidas!...”. 

A faixa seguinte é a canção Viva a nossa geração – “não esqueça da dor, não esqueça da fome, não esqueça de protestar, protestar, protestar...”. E mais do que nunca precisamos protestar, protestar, protestar contra esse estado de coisas que nos explora, nos criminaliza e nos escraviza (tal como a banda Cólera tem feito nos seus 40 anos de existência, assim também como bandas como Ratos de Porão, Inocentes e Garotos Podres).

Em seguida temos um dos clássicos da banda – Verde – que inicia com o verso: “Onde haviam riachos limpos, hoje só vemos extrume humano. O chão que era coberto de folhas secas, está encoberto pelo concreto”. E eles continuam: “quem quer que mate a toa, quem queima e corta, florestas e reservas, só pensa em lucrar, mas isso é roubar”. E para fechar temos o refrão: “Minha vida, sua vida, nossas vidas, dependem do verde. Minha vida, sua vida, nossas vidas, dependem do verde e dependem do verdejar...”. Os versos em seguida não são menos belos, o que faz de “verde” uma das letras mais belas da música brasileira.

Em seguida vem a utópica EA EO – que fala de um lugar onde não existe raças, nem muros, nem fronteiras, não tem governantes, ninguém serve a exército, onde o tempo não importa, espaço nunca falta, todos se respeitam, dinheiro não usa. E eles nos diz: “Comece a pensar, sua vida vai mudar”. Um filósofo que nos ajuda a pensar em um lugar assim é o Rousseau que defendia a necessidade de nos reconectarmos com a natureza – pois no Estado de Natureza o homem é verdadeiramente livre, ao contrário do Estado Civil que o degenera. 

Se em EA EO eles falam de um lugar utópico, na faixa seguinte – Em setembro – eles voltam a realidade: “tentam enquadrar o mundo no código penal, nasce o terrorismo, em setembro. Cabeças decepada, mulheres metralhadas, meninas depravados em setembro... vai nascer, vai perder, vai morrer, apodrecer...”. E pensar que anos depois da gravação dessa música o mês de Setembro ficaria marcado como o mês em que ocorreu o maior atentando terrorista da história (o ataque as torres gêmeas em Nova York.

A faixa seguinte é Cólera onde eles defendem a necessidade de reação contra quem nos ofende ou tente nos aprisonar: “Não, não queremos tropa, chega de comandar nossas vidas...”. Em seguida temos Repressão Policial – “repressão policial, repressão policial, vitimado e humilhado você toma até geral. É porrada na cabeça, é repressão policial...”. E para completar a trinca temos a Teatrinho: “é o teatrinho, parece divertir, e somos a platéia todinha a sorrir. Mas tem algo por trás mexendo o cordão. E cada marionete é... Oh! Oh! É o babacão!!!

Teatrinho é mais uma letra desse álbum que merece ser enfatizada. Ela trata de um tema caro ao movimento punk que é a questão da alienação, ou melhor, a necessidade de superarmos a alienação para que não nos tornemos marionetes na mão de lideres demagogos. A Cólera nos alerta: “Até por um instante, ficamos na ilusão. Por que acreditamos naquele babacão. Não há mal em sonhar, mas temos que acordar, parar com o teatrinho...”. Não, eles não estão falando do Bolsonaro e seus bolsominions, mas serve como uma luva.

Fechando o álbum temos Solidarie-nos: “Seja sempre você mesmo, não tente imitar. Julgue a sua consciência, seja livre já. Cante bravo, não desiste fácil não. Somos muitos, num só ideal...”. Se na abertura tivemos o alerta de um futuro não tão distante, se continuarmos devastando o meio ambiente tal como estamos fazendo. Em solidarie-nos a mensagem é de que podemos mudar aquele quadro apresentado. Claro, desde que estejamos dispostos a se agitar, se informar, sair as ruas e protestar. “Tentar de novo se falhar, ou se vencer comemorar...”. Bem, em relação a questão ambiental podemos dizer que isso vem ocorrendo.

Aliás, a questão ambiental nunca teve tão em evidência a nível mundial quanto nesse ano de 2019. Os efeitos do clima que a cada ano se fazem sentir de forma mais contudente tem obrigado uma parcela da população cada vez maior a se conscientizar e se mobilizar contra as mudanças climáticas. Por outro lado governos reacionários incentivam com seus discursos de ódio a destruição ambiental em defesa dos interesses do capital. O que torna ainda mais necessário nos rebelar contra esse modelo de desenvolvimento e não apenas nos contentar com mudanças corretivas que não rompem com a lógica do capital.

E nesse contexto se torna ainda mais significativo celebrarmos os 30 anos do lançamento do álbum Verde, não devaste! Um álbum clássico do punk Rock brasileiro e uma obra importante para trabalharmos nos processos de formação e conscientização, sobretudo com a juventude, que tem sido a vanguarda na luta em defesa do meio ambiente.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

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