sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Resenha: Os Escravos - Castro Alves

Eu sou o homem negro

Vim pra cá acorrentado em navios negreiros

Como um animal

Como um animal...

Inocentes


Quem no ensino médio não viu numa aula de literatura sobre o Romantismo no Brasil o professor apresentar Castro Alves e ler alguns versos do seu célebre poema “O Navio Negreiro”?! Mas Castro Alves não é poeta de um único poema, e também não cantou apenas as dores da escravidão. De modo que quando falamos em Castro Alves não estamos falando de uma figura totalmente desconhecida da nossa história. Sobretudo quando nos remetemos a história da escravidão no Brasil ou sobre a literatura brasileira – mesmo tendo morrido muito jovem, o seu legado literário o coloca como um dos grandes símbolos da nossa literatura. 

Nascido Antônio Frederico de Castro Alves, no interior da Bahia, num mês de Março, no ano de 1847. Tornou-se conhecido como Castro Alves – o Poeta dos Escravos – por seus versos fervorosos denunciando os horrores da escravidão e mostrando as veias abertas daquela sociedade escravocrata. Representante da Terceira Geração Romântica no Brasil se imortalizaria ao se tornar patrono da cadeira n° 7 da Academia Brasileira de Letras. Morreu jovem vítima da tuberculose quando tinha apenas 24 anos. Mas viveu uma vida intensa tal como um desses Rockstars suicidas. Deixou uma obra que segundo Dilva Frazão  (2020) se caracteriza pela denúncia da crueldade da escravidão e o clamor a liberdade. Castro Alves deu ao Romantismo um sentido social e revolucionário. E a sua poesia era um grito explosivo a favor dos negros. É o que podemos conferir numa pequena coletânea (Os Escravos – Editora L&PM POCKET, 2013) composta por 34 poemas de sua autoria.

Entre os 34 poemas que compõem a coletânea “Os Escravos” estão aqueles mais conhecidos como O Navio Negreiro e Vozes d’África. No entanto eu chamaria atenção para outros poemas não tão conhecidos, mas que não deixam a desejar. Entre estes eu destacaria: Ao Romper d’alva, A canção do Africano, Bandido Negro, Saudação a Palmares e Adeus, meu canto. 

Senhor, não deixes que se manche a tela 

Onde traçaste a criação mais bela

De tua inspiração. 

O sol de tua glória foi toldado...

Teu poema da América manchado,

Manchou-o a escravidão. 

Acima temos um trecho do poema “Ao Romper d’alva” (1865), onde o Poeta chama atenção para anomalia que é a escravidão sobretudo quando olhamos para natureza como uma perfeição Divina. De início o poema parece um canto de amor a natureza, mas no final o Poeta nos mostra que enquanto persistir a escravidão aquela beleza está contaminada. Esse poema me lembrou Rousseau quando disse que “tudo está bem quando sai das mãos do autor das coisas, tudo degenera entre as mãos do homem” (Emílio ou Da Educação, 1762).

Lá na úmida senzala,

Sentado na estreita sala,

Junto ao braseiro, no chão, 

Entoa o escravo seu canto,

E ao cantar correm-lhe em pranto

Saudades do seu torrão...

Assim inicia A canção do Africano onde o Poeta nos pega no braço e nos leva para conhecer a realidade de uma senzala. Ali um casal de Escravos e seu filhinho. A noite ao pé da fogueira o Escravo começa a entoar um canto melancólico de saudades da sua terra. A escrava com o filho no colo também canta as saudades do seu torrão. E assim por alguns minutos eles se libertam da condição em que estão. Mas só por alguns minutos.

O escravo então foi deitar-se,

Pois tinha de levantar-se

Bem antes do sol nascer,

E se tardasse, coitado,

Teria de ser surrado, 

Pois bastava escravo ser.

Imagine a força desses versos num contexto em que as ideias abolicionistas cada vez mais ganhavam força, sobretudo ali no meio acadêmico, na faculdade de Direito, do Recife, que Castro Alves frequentava.

Cai, orvalho de sangue do escravo,

Cai, orvalho, na face do algoz.

Cresce, cresce, seara Vermelha,

Cresce, cresce, vingança feroz.

Esses versos poderiam muito bem ser o refrão de um punk rock, mas são do poema Bandido Negro. Onde o Poeta deixa de lamentar a condição do escravo e passa a exaltar aqueles que se rebelam contra tal situação. Sendo também essa mesma linha que  ele segue no poema Saudações a Palmares.

Palmares! a ti meu grito!

A ti barca de granito,

Que no soçobro infinito

Abriste a vela ao trovão. 

E provocaste a rajada,

Solta a Flâmula agitada

Aos uivos da Marujada 

Nas ondas da escravidão.

Aqui nosso Poeta exalta o exemplo daqueles que decidiram se rebelar  contra a escravidão e construíram um território onde vivem em liberdade. Servindo de exemplo e inspiração a tantos outros que permanecem nas garras dos escravocratas. E por fim temos Adeus, meu canto – uma espécie de manifesto do poeta em defesa da sua poesia.

Eu sei que ao longe na praça, 

Ferve a onda popular,

Que as vezes é pelourinho 

Mas pouca vezes – altar.

Que zombam do bardo atento

Curvo aos murmúrios do vento

Nas florestas do existir,

Que babam fel e ironia

Sobre o ovo da utopia 

Que Guarda a ave do porvir.

Em Adeus, meu canto o nosso Poeta responde as críticas que recebia. E se estamos falando de um contexto onde prevalecia o poder de senhores escravocratas. Essas críticas não eram poucas. Mas que ao contrário de faze-lo recuar, lhe dava mais força para que continuasse defendendo o fim da escravidão. Mesmo depois de morto os seus versos continuaram, e até hoje nos inspiram, a condenar essa mancha na nossa história. 

Enfim, são apenas alguns dos belos poemas, que encontramos nessa pequena coletânea  (Os Escravos) de poemas do Castro Alves. Para além da beleza poética dos seus versos, são poemas que nos ajuda e nos inspira a lutar contra o racismo e toda forma de opressão. Aos que quiserem, gravei um vídeo falando dessa obra para o Festival Virtual de Arte e Literatura do Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência. Segue o link: https://youtu.be/9Swv54kzWV4.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.

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