O esgotamento físico e mental de pouco mais de 1 ano de atividades remotas é visível. Tanto que já não se tem mais nem paciência para lives artísticas que viraram moda na pandemia. Uma amiga um dia desses comentando sobre o assunto disse que já não suportava mais ouvir a palavra live. Ela não é a única, certamente. Mas o fato é que não há muito para onde fugir. Enquanto durar a pandemia, e mesmo após, continuaremos usando esses recursos – que já não são uma opção, mas uma obrigação (inclusive deve ser ensinada na escola como uma das 10 competências gerais da BNCC).
Nesse contexto o que fazer para preservarmos nossa sanidade? O que fazer para não perdermos nossa essência? O filósofo Sul-Coreano Byung-Chul Han propõem uma espécie de um retorno a natureza através do cultivo de um jardim.
O primeiro ponto para o qual Han nos chama atenção é para questão do tempo. No jardim tudo se passa mais lentamente, o que exige da nossa parte paciência. As flores vão se desenvolvido de acordo com cada estação, no seu tempo. A nós cabe criar as condições para que isso se dê. Aí entra outro elemento importante que é o cuidado.
Han salienta que trabalhando no Jardim ele não só passou a ter uma nova noção do tempo. Como também aprendeu a ser menos egoísta ao ter que dá assistência, a cuidar. Com isso para o nosso filósofo aquele ambiente também tornou-se um lugar de amor.
Voltando a falar sobre o tempo no Jardim, Han salienta um aspecto importante que é o fato de que cada planta possuí a sua própria noção de tempo. E elas se desenvolvem a partir daí. Por mais semelhança que elas venham a ter. O fato é que uma planta que floresce no inverno tem uma noção do tempo diferente daquela que floresce no verão.
Para Byung-Chul Han, ao contrário das plantas, temos perdido a noção de tempo e nos tornado atemporal, pobres de tempo. É possível perceber isso em falas como: - não temos tempo a perder. Ou – tempo é dinheiro. Isso vai na linha contrária de quem trabalha com a terra, onde a espera e a paciência são virtudes necessárias, sobretudo por que ali prevalece a incerteza.
Para Han, na cultura digital somos atrofiado, reduzidos a números. As amizades nas redes sociais, por exemplo, são numeradas. – Ah, eu tenho tantos amigos no facebook. Mas será que amizade são números? Não. Nos diz Han: - “Amizade é uma história”. E história é uma narrativa.
Para Han uma característica da cultura digital é a supervalorização da numeração e da contagem. Em contrapartida a narrativa perde a sua relevância. A contagem permite que tudo seja traduzido para linguagem do desempenho e da eficiência. De modo que se na cultura digital não pode se torna contável, então não existe. No entanto, nosso filósofo diz: - “ser é narrar e não numerar”.
Retornando ao jardim, Han nos chama atenção para mais um aspecto importante – o silêncio. No Jardim o silêncio prevalece. Ao contrário do meio digital onde o ruído da comunicação é intenso, pois cada um quer dizer algo – quer dizer mas, não quer ouvir.
Han nos diz que a digitalização não só acaba com o silêncio como também “com o tátil, o material, os aromas, as cores perfumadas, especialmente a gravidade da terra. Nosso filósofo nos recorda que “a palavra humano vem de húmus, terra”. Ele nos diz: “- A terra é o nosso espaço de ressonância, que nos enche de alegria. Quando deixamos a terra, a felicidade nos deixa.”
Pode parecer romantismo, mas quem tem essa relação com a natureza compreende as palavras de Han. Aqui, na minha visão, não se trata de rechaçar a cultura digital, mas sim de não nos deixar ser reduzido a sua lógica. É preciso utilizá-la e não ser utilizado por ela. Como fazer isso? Cultive um jardim.
Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.
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