quinta-feira, 3 de junho de 2021

Consciência de Classe na Estrada

Mais um sábado em Laje city. Levanto um pouco mais cedo do que o costume, pois preciso ir a Palmas. Tento evitar ao máximo essas viagens. Mas não tem jeito, chega uma hora que tenho que fazê-lo – há certas burocracias que não se resolve por aqui.

Levanto lá sem muito entusiasmo e vou lavar o rosto. Depois é boina na cabeça, mochila nas costas, garrafinha com água, fone de ouvido na mão. Ah, e a máscara, é claro. Pronto, pé na estrada rumo ao ponto do transporte. Quanto mais cedo conseguir ir mais cedo estarei em casa novamente – espero não dá o azar de ficar mais de 1 hora no ponto, como da última vez que fui á capital.

Chegando ao ponto notei um movimento de um pessoal tomando café numa barraquinha de lanches que se instalou ali recentemente. Entre eles um motorista de um caminhão cegonha que me pareceu, pelo tipo físico, um Gaúcho. Esperando transporte propriamente não havia ninguém. Eu me aconcheguei em baixo do ponto para me proteger do sol e fiquei olhando o movimento na rodovia esperando surgir a qualquer momento uma Van no sentido Lajeado – Palmas.

Enquanto isso observei que o ponto do lanche estava esvaziando. Ficou apenas o motorista do caminhão cegonha. Notei que ele conversava com o senhor, que o servia, sobre aposentadoria. E logo a conversa deles me chamou atenção pelo tom crítico. 

Eu continuava de olho na rodovia mas com o ouvido na conversa dos dois. Não sei como eles adentraram no assunto. Mas creio ter sido o fato de alguém (o senhor do lanche) naquela idade está trabalhando. 

- Quando o senhor aposentar e se conseguir aposentar será com um salário mínimo. Um absurdo. A gente trabalha a vida toda para isso. Disse o caminhoneiro que continuou – Esses políticos são todos uns canalhas. Só fazem mudanças que os beneficiam. 

O senhor do lanche por sua vez fazia suas colocações concordando com o caminhoneiro. Não sei por que mas imaginei que logo viria uma defesa do governo Bolsonaro. Mas ai o caminhoneiro disse: - Não vê esse ai rodeado desses generais que ganham salários absurdos, e para o povo é só miséria. Só querem saber deles, os trabalhadores que morram trabalhando.

Sorri internamente e pensei comigo: - opa, não é um Bolsominion. Mas a melhor parte da conversa estava por vim. 

- Esses dias lá em Porto Nacional tive que mandar um calar a boca. Eu não gosto de me estressar com essas discussões. Evito ao máximo. Mas dessa vez não deixei passar. Sabe aquele projeto que reduz a multa do FGTS em caso de demissão do trabalhador sem justa causa de 40% para 20%? O cara veio me dizer que achava justo. Ai eu perguntei se ele era patrão e que provavelmente tinha uns 30 caminhões. Ele me disse que era empregado. Ai eu mandei ele calar a boca pois não sabia o que estava falando. Como assim? Concordar com a retirada dos nossos direitos. Uma coisa que a gente não conquistou de mão beijada e que se perdermos vai ser difícil conseguir novamente. Ai o cara me veio com uma conversa que fora do Brasil é assim. Mas fora do Brasil, porra. Vai ver quanto um motorista ganha lá. Vai ver as condições das estradas. Agora vem trabalhar no Brasil, dirigir nessas estradas horríveis que temos, com as condições de trabalho que somos submetidos. Ai você vem me falar em apoiar retirada dos nossos direitos?

- Isso é que é consciência de classe, meu camarada. Isso é que é ter consciência de classe. Pensava eu comigo enquanto ouvia o discurso do caminhoneiro. 

Depois a conversa descambou para questões pessoais. Nela descobri que ambos eram paulistas. Olhando o seu caminhão com mais detalhe percebi uma bandeira do Estado de São Paulo ao lado da do Brasil. Também observei um adesivo da banda Metallica bem em frente da cabine. O que me fez pensar: - é, o cara é diferenciado mesmo.

Ele se despediu do senhor do lanche acertando a conta. Ligou o caminhão e partiu no sentido de Miracema. Eu ainda fiquei uns bons minutos até aparecer uma Van que me levasse até a capital. Durante o trajeto enquanto o som do Motorhead ecoava nos meus ouvidos. Não parava de pensar na conversa que ouvirá a pouco. Era animador saber que aquele caminhoneiro estava levando consciência de classe pelas estradas desse país. Quantos mais como ele não haveria. Em outros espaços também. Ai disse para mim mesmo: - É, nem tudo está perdido, nem tudo está perdido.

Por Pedro Ferreira Nunes – Poeta, Escritor e Educador Popular. Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

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