A primeira publicação do ensaio de Marx sobre o suicídio, a partir de um estudo feito por Peuchet, data de 1846. Há um certo estranhamento acerca do fato de Marx ter se interessado por esse problema. Sobretudo diante da sua produção mais conhecida. No entanto, quem minimamente conhece a história da Filosofia sabe que desde a antiguidade há reflexões sobre o suicídio. Sendo um filósofo, nada mais natural que ele refletisse sobre esse problema. Além do fato de já percebermos aí uma forte crítica as relações sociais fruto da moral dominante – o que estará presente na produção posterior de Marx.
No Brasil a obra ganhou uma publicação da boitempo (2006),
com o título de “Sobre o suicídio”. É um texto curto (E de fácil leitura), onde
Marx apresenta e analisa um levantamento feito por Jacques Peuchet – quando
este trabalhava como arquivista da Polícia de Paris – sobre os casos de
suicídio que ali eram registrado no início da década de 1820. Dos casos
relatados por Peuchet e destacados por Marx, estão o de jovens mulheres. Ao
enfatizar esses casos Marx nos mostra a opressão que as mulheres estavam
submetidas, independente de classe social. Aliás esse é o ponto de partida de
Marx, ao criticar a visão filantrópica de que basta pão e educação para que as
pessoas vivam bem, ele questiona por que então há tanto casos de suicídio de
pessoas das classes altas?
Dito isso, destaquemos alguns pontos que Marx, a partir de Peuchet,
fala sobre o suicídio.
1- Em
época de crise onde há um encarecimento do meio de vida cresce o número de
casos;
2- A
miséria é um grande fator, no entanto o problema atinge todas as classes, pois
são muitos os fatores que levam alguém se livrar de uma existência detestável;
3- A
felicidade e a infelicidade têm tantas maneiras de se manifestar, por tanto não
devemos julgar como, e em que medida, as pessoas são afetadas por determinadas
coisas;
4- O que
é contra a natureza não acontece, por tanto não tem muito sentido taxa-lo de
uma ação antinatural. Trata-se de algo que está na natureza da nossa
sociedade;
5- Não é
com insultos aos mortos que se enfrenta uma questão controversa como essa, por
exemplo, acusando-o de falta de coragem, tentando fazer do suicídio um ato de
covardia;
6- As
visões equivocadas sobre o suicídio leva a tomada de medidas infantis;
7- Entre
as causas que leva ao suicídio estão castigos e maus tratos secretos;
8- O
suicídio pode ser compreendido como uma expressão das relações sociais;
9- Condições
sociais, autoritarismo, moralismo – são elementos que nos ajudam a entender
esse fenômeno, sobretudo por que uma pessoa não se mata pelo simples fato de
querer morrer;
10- Vê se que, na ausência de algo melhor, o
suicídio é o último recurso contra os males da vida privada;
No levantamento feito por Peuchet os principais motivadores
do suicídio eram: 1-doenças e depressões; 2- Paixão, brigas e desgostos; 3-
Motivos desconhecidos. No entanto, tanto Marx como Peuchet chegaram a conclusão
de que havia mais suicídios do que o que era registrado;
A partir dos relatos de Peuchet, percebe-se uma forte
crítica a tendência de se minimizar ou negligenciar, nos outros, os sinais do
mais extremo desespero. E isso certamente contribuí para que se busque no
suicídio a saída desse estado. E quando isso acontece, ao invés de procurar uma
explicação efetiva, busca-se culpados.
Na edição da Boitempo, vem acompanhado um texto do Michael
Löwy intitulado de “Um Marx insólito”. É um texto interessante que nos ajuda a
compreender a importância da obra “Sobre o suicídio”. No entanto eu indicaria
que a leitura do mesmo fosse feita posteriormente a leitura do escrito do Marx.
Löwy destaca que para Marx, o suicídio é significativo como
sintoma de uma sociedade doente, que necessita de uma transformação radical.
Ele ressalta que a natureza desumana da sociedade capitalista fere os
indivíduos das mais diversas origens sociais. Diante disso, Löwy afirma que a
obra é uma importante contribuição para uma compreensão mais rica das
injustiças sociais da moderna sociedade burguesa, nessa obra em específico,
contra as mulheres.
Para se ter uma ideia da relevância desse ensaio escrito por Marx a partir dos relatos do Peuchet. Analisemos alguns dados da Organização Mundial da Saúde e da Organização Panamericana da Saúde sobre o suicídio:
1- Cerca de 800 mil pessoas morrem por suicídio todos os anos;
2- Para cada suicídio, há muito mais pessoas que tentam o suicídio a cada ano. A tentativa prévia é o fator de risco mais importante para o suicídio na população em geral;
3- O suicídio é a segunda principal causa de morte entre jovens com idade entre 15 e 29 anos;
4- 79% dos suicídios no mundo ocorrem em países de baixa e média renda;
Enfim, diante desses dados concluímos. Não é com discurso moralista ou de autoajuda que
conseguiremos enfrentar esse problema. E esse livro muito contribui para essa
reflexão.
Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos.
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