sábado, 4 de setembro de 2021

Inocentes – 40 anos de som e fúria

Pátria Amada, de quem você é afinal

É do povo nas ruas? Ou do Congresso Nacional...

Inocentes


E já se vão 40 anos que uns garotos do subúrbio metidos com música criariam a banda Inocentes – pioneira do Movimento Punk no Brasil. E nessa trajetória construíram um enorme legado para música brasileira. Contribuindo, com suas letras, para dar visibilidade as mazelas do nosso país. 

Inocentes não é o tipo de banda que toca em rádios comerciais ou nos programas de TV aberta (salvo exceções). Não por que façam música de má qualidade. Mas imagine para o sistema dominante uma banda tocando coisa do tipo: “É tão difícil viver entre a miséria e a fome/Senti-la na carne e ter que ficar parado, calado/É tão difícil entender como homens armados/Expulsam outros homens das terras em que/Eles nasceram e se criaram, que são deles/Por direito para lá plantarem nada, nada, nada...”.

Não é o tipo de questionamento que a classe dominante quer ver circular por aí. Sobretudo nos interiores onde há um domínio ruralista. De modo que para um garoto com acesso apenas aos veículos tradicionais de comunicação ouvir Inocentes era e é, praticamente impossível. 

Como então conheci o som da banda? Quando fui morar em Goiânia - onde tive acesso a um circuito alternativo que me trouxe novas referências culturais. Entre essas referências o punk.

Me identifiquei bastante com a cultura punk, sobretudo, musical. Era como se eu sempre tivera um espírito punk, mesmo sem saber. E falar em punk no Brasil e não falar em Inocentes não se está sendo honesto. De modo que logo a banda se tornou uma referência para mim e sua música me acompanha desde então. 

Um ponto a se destacar é que falar em Inocentes, além de falar em punk no Brasil, é também falar em Clemente – Vocalista, Guitarrista e Compositor. Aliás, em relação a composição, Clemente está entre os maiores compositores da música brasileira. “Pátria Amada”, “Ele disse não”, “Nem tudo volta”, “Cala a boca”, Miséria e fome”, “Nada de novo no front”, “Rotina” é uma pequena mostra disso. 

Se Clemente não fosse um negro numa banda de punk rock certamente teria um reconhecimento maior. Ele é sem exagero uma das grandes personalidades negras da nossa história. Quando hoje vemos o movimento vidas negras importam. É importante lembrar que há muito tempo Clemente e sua banda impunham essa bandeira em canções como “Homem Negro”. Diga-se de passagem, num território dominados por brancos. 

“Eu sou o homem negro/Vim pra cá acorrentado em navios negreiros/Como um animal/Como um animal/Enfiei minhas mãos na terra pra plantar/Na Casa Grande o senhorio fui servir/Como escravo me obrigaram a trabalhar/A trabalhar/A trabalhar...”.

Quando hoje vemos avançar a intolerância é importante não se esquecer que há muito tempo eles levantam a bandeira contra a intolerância.

“Não ao racismo/E a discriminação/Não à miséria e a fome/Falsa libertação/Não ao Neonazismo/E a ignorância/Não à desgraça coletiva/Não à intolerância... Intolerância/Não, não”.

Quando todos estavam esmorecidos diante da ascensão do Bolsonarismo eles lançaram um EP (Os donos da rua) nos chamando para resistência. E hoje quando milhares tomam as ruas pelo Fora Bolsonaro não podemos deixar de lembrar desses versos:

“Os donos das ruas/Donos das ruas/Querem mais que diversão/Os donos das ruas/Donos das ruas/Tem o futuro em suas mãos/Eu avisei/Mas não importa/Eles vão incomodar/Não há ninguém/Não há quem possa/Ninguém os faz parar...”.

Por essas e por outras não poderíamos deixar de celebrar os 40 anos de Inocentes. Desejando vida longa para o Clemente e sua turma. Que continuem nos inspirando através do seu som e sua fúria a não abrir mão de lutar por uma sociedade justa e fraterna.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.


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