É importante não nos esquecermos disso, sobretudo por que quando se fala sobre as perdas de aprendizagem (no âmbito da educação formal) devido às contingências impostas pela pandemia de COVID-19, há uma espécie de esquecimento do que era o nosso sistema de ensino antes. É por isso que ao invés de propormos uma transformação profunda no âmbito educacional, nos conformamos com programas que visão remediar o que já era ruim.
Para termos uma ideia desse déficit é importante nos recordarmos do resultado dos Estudantes Brasileiros na edição de 2018 do Programa Internacional de Avalição de Estudantes (PISA). No quesito letramento em leitura 50% não conseguiram atingir o nível 02 – o que significa ser incapaz de distinguir fato de opinião. Esse índice aumenta quando analisamos só a região Norte – onde 59% não chegaram ao nível 02. E para evidenciar mais ainda esse problema, numa escala que vai do nível 01 ao 06, 94% dos estudantes da Região Norte ficaram entre o nível 01 e o 03 – ou seja a maioria absoluta dos estudantes da Região Norte, onde o Tocantins está inserido, possuí um nível baixo em leitura.
Estamos falando de uma realidade anterior a pandemia. Quase dois anos depois, onde a maioria desse tempo as escolas estiveram sem atividades educacionais presenciais (em especial as bibliotecas), esse quadro certamente não melhorou, pelo contrário.
Ora, quando falamos em leitura estamos falando de uma competência fundamental para o desenvolvimento das demais competências. Diante disso é preciso agir. Daí que aja uma quase unanimidade sobre a importância do retorno das aulas presenciais, ainda que aja também uma resistência quanto ao retorno num contexto onde a pandemia ainda não acabou.
Outro ponto importante é a elaboração de estratégias para enfrentar o déficit de aprendizagem do período pandêmico. E é aqui então que chegamos ao Recomeçar – programa de Recomposição da Aprendizagem – da Secretária da Educação do Tocantins (SEDUC). A dinâmica do Recomeçar pode ser resumida da seguinte forma:
1- Diagnóstico da aprendizagem;
2- Classificação e Organização por níveis de aprendizagem;
3- Reorganização do Currículo;
4- Monitoramento.
O ponto de partida é uma avaliação diagnóstica para identificar em qual nível de aprendizagem o estudante está (numa escala de 01 a 03). Feito o diagnóstico, o segundo passo é organizar os estudantes por nível de aprendizagem (enturmação). O terceiro passo é a organização do currículo para atender a especificidade (nivel de aprendizagem) de cada grupo de aluno. E por fim, o monitoramento por meio de avaliações periódicas.
Para que isso ocorra há toda uma arquitetura construída em torno de um Plano de Comunicação e Coordenado por três frentes: 1- Acolhimento; 2- Currículo e recomposição; e 3- Monitoramento. A previsão é que tudo isso ocorra entre fevereiro e Junho de 2022. O que nos leva a questionar se é possível recompor todo o déficit de aprendizagem do período pandêmico em 5 meses. Ainda mais levando em consideração uma situação anterior que não era nem um pouco animadora.
Outro complicador é que esse movimento ocorre justamente no momento em que começa a implantação do Novo Ensino Médio. Mesmo que essa mudança se dê de forma gradativa, iniciando com as primeiras séries, estamos falando de algo complexo que muda a estrutura do currículo, mas sobretudo a concepção formativa. De modo que isso não é assimilado de uma hora para outra. Ainda mais por se tratar de mudanças feitas de cima para baixo. E aqui temos um ponto central.
Nicola Abbagnano no seu dicionário de Filosofia (2015) diz que mudança é sinônimo de movimento. Ele então trás entre outras concepções a de Aristóteles acerca do movimento como a realização do que está em potência. Nesse sentido um elemento importante é o motor – gerador do movimento. Em relação a nossa questão acima é importante nos atentarmos para uma contradição fundamental: o motor gerador de movimento na educação não são os seus atores principais – estes são provocados a realizar algo que não foi pensado por eles. Daí a grande dificuldade em tornar a potência em ato, isto é, fazer a mudança de fato acontecer. Mas ela irá acontecer.
Diante disso, nós enquanto educadores, devemos decidir se seremos sujeitos passivos nesse processo de mudança ou se fazemos a disputa para que o movimento não nos leve a mais do mesmo.
Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos.
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