domingo, 20 de novembro de 2022

Crônica: A morte do Manoel Mentira

Lá vem o Manoel Mentira – negro, alto, magro em demasia. Diziam que ele parecia um camaleão tirado o coro. Tinha um gingado diferente no caminhar aparentando um dançarino, um carote sempre no bolso e um jeito avexado de falar.

Sua fisionomia era de alguém que já havia sobrevivido uns 40 verões. Não tinha mulher e nem filhos, pelo menos que soubéssemos. Também não sabíamos sua origem – de onde vinha. Se tinha pai, mãe, irmãos.

Quando Manoel surgia no pedaço logo se pensava – qual vai ser a mentira que ele vai contar hoje? De fato Manoel tinha uma mente privilegiada – não se sabe da onde tirava tantas estórias incríveis. Estórias que não convenciam quase ninguém, por isso ganhou o apelido de Manoel Mentira.

Pobre Manoel, com um apelido desses mesmo que dissesse a verdade dificilmente acreditariam nele.

- Tô dizendo, é verdade!!! Dizia ele ao contar suas aventuras e desventuras.

- Tá bom, Manoel. Dança um reggae ai! Respondia a turma sorrindo.

E Manoel dançava, dançava como poucos, na verdade ninguém dançava reggae como ele por ali. Todos ficavam de boca aberta ao verem dançando. Depois despedia-se de todos e seguia o seu caminho.

Quando estava em Lajeado não era difícil encontrá-lo. Estava sempre no lendário pé de pequi ou na ilha verde ou ainda no quente frio – sempre tomando cachaça. E se tivesse alguma festa na cidade com certeza ele estaria lá, pois não iria deixar de dançar seu reggae. 

De vez enquando Manoel sumia da cidade: – cadê o Manoel Mentira? Onde se meteu? Todos se perguntavam. 

Manoel ia trabalhar em longínquas fazendas em quase regime de escravidão. Ficava por lá longas jornadas – dois meses e até mais. Quando chegava encantava-nos com suas estórias incríveis. Parecia nunca estar triste, sempre sorrindo, sempre feliz. 

Mas em um triste dia soubemos que Manoel tinha sido encontrado morto na fazenda onde trabalhava. Nunca soubemos da causa da sua morte – Teria alguém matado um sujeito tão incrível, que não fazia mal se quer a uma mosca? Dificilmente saberemos. O fato é que depois daquele dia a cidade não foi mais como fora outrora. 

Sem Manoel Mentira Lajeado perdeu um pouco o seu encanto – suas ruas com certeza sentiram falta daquele passo acelerado – tal como de um dançarino, aquele jeito avexado de falar, um sorriso sempre no rosto, com seu carote no bolso e as suas estórias que a todos nos encantava.

Manoel com suas estórias fazia o nosso dia mais feliz. Ele não era um contador de mentiras, apenas gostava de enfeitar a realidade para que essa fosse mais tragável. Sem suas estórias, mas, sobretudo sem tua presença por aqui, nossa vida tornou-se um pouco mais melancólica.

Por Pedro Ferreira Nunes – “um rapaz latino americano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in Roll.


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