quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Crônica: Aula da saudade ou mais uma vez sobre o tempo

Aqui estou eu novamente escrevendo sobre o tempo. Escrever sobre o tempo é refletir sobre a nossa condição de finitude. E refletir sobre a nossa condição de finitude é pensar sobre a morte. A morte está no nosso horizonte como um “mal” incontornável. E o fato de evitarmos falarmos sobre isso não muda esse destino. Mas o que isso tem haver com aula da saudade?

Dizem que saudade é uma palavra genuinamente brasileira – que de acordo com o dicionário Barsa se refere a recordação de algo ou de pessoas. Desse modo, uma aula da saudade seria um momento de recordação de uma trajetória construída ao longo dos anos. Além da recordação é também um momento de reflexão sobre um tempo vivido – e se é um tempo vivido quer dizer que não há mais retorno. Aquela aula massa, aquela aula chata, aquele professor doido, aquela professora divertida, aquele passeio, aquele projeto, aquela dancinha, aquele lanche, aquele sorriso, aquele olhar, aquele beijo – tudo é passado. Tudo é memória. 

Em filosofia o conceito de memória tem uma longa tradição. Por exemplo, para os filósofos clássicos como Platão e Aristóteles, a memória é constituída de duas condições ou momentos distintos: o primeiro é retentivo, ou seja, “conservação ou persistência de conhecimentos passados, que, por serem passados, não estão mais à vista”. E segundo, pela recordação, ou seja, a “possibilidade de evocar, quando necessário, o conhecimento passado e de torná-lo atual ou presente” (Abbagnano, 2015). Nesse sentido percebemos um aspecto importante, o caráter ativo da memória. 

Foi isso que fizeram os estudantes da terceira série (33.01) do Ensino Médio do Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência ao organizar a aula da saudade. Eles evocaram suas trajetórias ao longo desses anos de educação básica – que agora se finda com a conclusão do Ensino Médio. É uma morte, por que não. Por isso que esse momento de despedida que se encerrará com a formatura tem um aspecto de luto.

Mas nesse caso o luto é vivenciado não como uma coisa ruim. Mas como uma transição necessária para que possa haver um renascimento. É isso que acontecerá com esses estudantes. A conclusão do Ensino Médio é um passo fundamental para que eles possam renascer em outros espaços onde construíram outras memórias. Óbvio, sem deixar de recordar o que viveram entre os muros da escola. Essa recordação é importante, até para que não esqueçam de suas origens.

Quando retornarmos no próximo ano letivo. Sentiremos, no ambiente escolar, a falta de cada um deles (com o seu jeito singular). A nerd, o desligado, a esforçada, o jogador, a extrovertida, o tímido, a turista, o rebelde, a leitora, o prestativo, a crítica,  a dançarina, o dorminhoco, a patricinha, o galã e etc. Eles também sentiram falta, nem tanto das aulas ou de acordar cedo para ir para escola. Mas das conversas, das risadas, das dancinhas, da convivência diária. Pois mesmo morando na mesma cidade e frequentando os mesmos ambientes, não será a mesma coisa.

E com o passar do tempo o afastamento será natural. Alguns mudaram de cidade, estudaram em outra universidade, se casaram. Mas independente de qual caminho seguiram sempre haverá algo em comum – uma memória compartilhada de uma fase da vida. Talvez um dia quando encontrar um colega na rua nem o comprimente. Mas no fundo você vai se lembrar – ele foi meu colega do colegial. E vai evocar alguma memória daquele tempo.

Assim é a vida. Precisamos entender que nada é para sempre. No entanto, mesmo que nada não seja para sempre, sempre fica alguma coisa de tudo que vivemos. Ainda que o que fica sejam apenas memórias.

Pedro Ferreira Nunes – Professor da Educação Básica. Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

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