sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Breve comentário sobre assédio sexual

Mesmo sendo criado numa cultura machista onde aprendemos desde pequeno que a mulher é um objeto ao nosso dispor -  de modo que assediar sexualmente uma mulher é visto como um ato de virilidade. A mim sempre pareceu algo abominável. Em grande medida, tal postura surgiu a partir do rechaço ao que eu via na comunidade em que estava inserido. E ao longo do tempo essa postura foi se solidificando à medida que fui tendo uma formação ético-filosófica mais profunda.

Essa não é, no entanto, a postura que prevalece na nossa sociedade. O que podemos inferir a partir de dados como da pesquisa da consultoria deloitte, divulgada em 2024, que aponta que 40% das mulheres brasileiras já sofreram assédio no ambiente de trabalho. Dos casos apontados pela pesquisa, 60% não reportaram o caso ocorrido. O que se deve em grande medida, tanto pelo trauma como pelo medo. Pois não raramente a vítima, nesses casos, é transformada em culpada pelo ocorrido.

Lembro que quando estudante do curso de graduação em Filosofia na Universidade Federal do Tocantins (UFT), duas colegas me procuraram em momentos distintos para falar sobre episódios envolvendo professores da instituição. Enquanto membro do Centro Acadêmico do curso me coloquei à disposição para levar o caso ao colegiado de Filosofia. No entanto, elas pediram que apenas fizéssemos  uma ação de conscientização.

Isso mostra que o assédio sexual às mulheres está em todos os lugares. E a sua superação passa necessariamente por uma mudança de paradigma em relação à cultura machista dominante. No entanto, vislumbrar tal mudança nos marcos da sociedade atual nos parece algo distante.

É inegável que houve avanços nas últimas décadas em relação ao reconhecimento dos direitos das mulheres. No entanto, não basta reconhecer, é preciso garantir.  Com isso apontamos um aspecto importante que é preciso ressaltar - a diferença entre reconhecer e garantir. Por exemplo, em relação ao assédio sexual,  que é considerado um crime previsto no código penal brasileiro, no seu artigo 216-A.

Esse código define o assédio sexual como o crime de: “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”.

A lei não tipifica gênero, mas é evidente quem são a maioria das vítimas. Em relação a pena prevista é de um a dois anos. Porém para que isso ocorra é preciso denúncia. Mas como mostramos no início, a maioria das vítimas não se sentem seguras em levar o caso adiante. É compreensível, sobretudo porque estamos numa sociedade que ao invés de acolher as vítimas, julga-as.

São raros os casos que chegam ao conhecimento do grande público. Geralmente, aqueles que envolvem alguma autoridade ou celebridade. Esses casos são importantes porque jogam luz ao problema. A questão, porém, é que ao serem abordados de maneira espetaculosa pelos meios de comunicação de massa não apontam para sua superação.

Isso evidencia o distanciamento entre reconhecer e garantir. Não basta ter uma legislação reconhecendo um determinado direito, se isso não reverberar no cotidiano. Ou seja, na vida das pessoas, garantindo-lhes uma vida digna.

Esse é um ponto que vale para os direitos humanos em geral. Há toda uma legislação, a começar pela constituição federal (1988) - que estabelece o respeito à dignidade humana como um dos princípios da nação, que reconhece esses direitos como sendo responsabilidade do Estado e da sociedade em geral a sua efetivação. Mas que na prática isso não acontece. Aliás, não raramente o próprio Estado, que deveria ser o seu garantidor, é o seu violador.

Desse modo ressaltamos que a existência de uma legislação que reconhece direitos a determinados grupos marginalizados não significa a sua efetividade. Sobretudo nos marcos de uma sociedade onde a violência é um dos seus pilares de sustentação. Não queremos dizer com isso que a legislação não é importante, que esse reconhecimento não seja um avanço. Mas não podemos parar por aí.

Voltando a questão do assédio sexual, para finalizar, nos atentemos para o que diz Silvia Federici sobre a superação da violência constante na vida das mulheres:  “É necessário entender de onde vem a violência, quais são suas raízes e quais são os processos sociais, políticos e econômicos que a sustentam para entender que mudança social é necessária.”

Essa mudança deve começar por nós mesmos. Pois de nada adianta a gente concordar com o discurso contra a cultura machista dominante, se nas relações que estabeleço no meu cotidiano reproduzo essa cultura.

Pedro Ferreira Nunes - É Professor de Filosofia na Rede Pública de Ensino do Tocantins. Possui Graduação em Filosofia (UFT). com Especialização em Filosofia e Direitos Humanos (Unifaveni). E Mestrado em Filosofia (UFT).

domingo, 15 de setembro de 2024

Poema: Pedreira



Para o Professor Flávio 

Pedreira, ei de ti cantar
recordando os velhos tempos.
Refúgio de dias nublados 
inesquecíveis momentos. 

Depois do fim de um relacionamento, 
de uma crise existencial. 
Respirar um ar diferente 
era fundamental. 

Daí não pensei duas vezes
quando um amigo me convidou.
Parti para Comunidade Pedreira 
um lugar acolhedor. 

Pedreira, ei de ti cantar
recordando os velhos tempos.
Refúgio de dias nublados 
inesquecíveis momentos. 

Lembro quando a tarde
saíamos para caminhar.
Encontrávamos uma morena
varrendo o terreiro do bar.

A noite seguiamos 
para a escola JK.
Depois dávamos uma esticada
até o orelhão do lugar. 

Pedreira, ei de ti cantar
recordando os velhos tempos.
Refúgio de dias nublados 
inesquecíveis momentos. 

Educação era nossa obsessão 
ficávamos a debater.
Por que não se avança?
o que era preciso fazer?

E assim os dias passavam
eu até me esquecia.
Da morena tatuada 
que roubara minha alegria. 

Pedreira, ei de ti cantar
recordando os velhos tempos.
Refúgio de dias nublados 
inesquecíveis momentos. 

Agora depois de tanto tempo 
quando passo nesse lugar.
Me recordo daqueles dias,
que ia me refugiar. 

Pedreira, querida Pedreira 
quase 20 anos se passou.
Você já não é a mesma 
o mesmo eu não sou.

Alguma coisa ficou
lembranças daqueles dias.
Que você me acolheu
e devolveste minha alegria. 

Pedreira, ei de ti cantar
recordando os velhos tempos.
Refúgio de dias nublados 
inesquecíveis momentos. 

Pedro Ferreira Nunes. Comunidade Pedreira. Lajeado -TO. 23 de Outubro de 2022.


terça-feira, 10 de setembro de 2024

Breve análise das eleições em Lajeado

Quem há um ano diria que Dr° Tércio (Republicanos) teria o apoio do atual prefeito - Junior Bandeira (PL) na sua candidatura à prefeito de Lajeado no pleito de 2024? E o Nego Dilson (PSDB) estaria na coligação encabeçada pela Márcia (PSDB) e a Leidiane (PDT)? Ou que Dr° Tércio, lançado na política pelas mãos da Márcia. Teria esta como sua principal adversária nesse pleito?

A priori, para quem não compreende a política, pode achar uma falta de caráter, ou como se diz popularmente: “uma cachorrada”. Mas isso nada mais é do que o reflexo da dinâmica da sociedade que vivemos - uma sociedade que não é estática. E se a sociedade não é estática, a política muito menos. Tanto que isso não é uma realidade só de Lajeado. Se formos para Miracema encontraremos uma disputa entre duas figuras que estiveram juntas na chapa majoritária na eleição passada (Camila x Aprijo). Em Palmas o candidato Júnior Geo que enfrentou Cintia Ribeiro no último pleito, conta atualmente com o seu apoio. A nível nacional temos Lula e Alckmin, outrora adversários, agora ocupando o cargo de Presidente e Vice respectivamente.

Os exemplos são muitos, mas fiquemos apenas nesses. O que nos interessa a partir desses exemplos é mostrar o que na filosofia política determinamos de realismo político. E quando falamos em realismo político a grande referência é certamente Maquiavel.

De acordo com Guimarães ( 2015, pág. 15): “O  realismo  de  Maquiavel  considera  que  na  política  não  há  uma resposta  pronta,  definitiva  e  adequada  que  possa  dar  conta  de  todas  as situações em diferentes momentos. Como não há universais, cada momento é  um  momento  particular,  cada  momento  exige  resposta  adequada  a  partir das experiências modernas e o acúmulo das lições do passado, por isto é um conhecimento  empírico.  Neste  pensamento  destaca-se a  atenção  sobre  o conhecimento do homem e suas relações. É decisivo para o realismo, tentar captar  o  que  é  o  homem,  ou  no  dizer  de  Maquiavel,  “a  natureza  humana”, quais são seus desejos, seus anseios, suas mágoas, suas expectativas sobre si e os outros, seus limites e horizontes, sua vontade de poder.”

O trecho acima é bastante esclarecedor, e evidencia sobremaneira o que falamos anteriormente. Cada eleição é uma eleição diferente. E os grupos que visam chegar ao poder se organizam de acordo com as condições do momento. Desfazendo alianças e construindo outras que lhes deem maiores, e melhores, condições para vencer.

Voltando a eleição em Lajeado, é inegável o favoritismo do Dr° Tércio no pleito corrente. A campanha do candidato dos republicanos têm demonstrado mais força. Planejada há muito tempo, conseguiu mobilizar uma base de apoio que passa pelo Governador Wanderlei Barbosa (Republicanos), o Senador Eduardo Gomes (PL) e vários parlamentares. Localmente possui o apoio da maioria dos vereadores com mandato e além do atual prefeito.

Essa força reflete na chapa de vereadores que certamente conseguirá a maioria dos votos. Elegendo entre 6 e 7 dos candidatos. Os candidatos que estão com Márcia terão que brigar pelas vagas restantes.

Aliás isso mostra que a eleição para ocupação das nove cadeiras no legislativo municipal lajeadense será disputadíssima. Há pelo menos 17 candidatos com condições de ser eleito entre os 44 na disputa.

Em relação à candidatura da Márcia não se pode subestimá-la. Ela é sem dúvida uma líder popular que tem uma grande estima por parte da população lajeadense. E mesmo que não tenha a seu favor uma grande estrutura pode surpreender. Até porque como manda a cartilha do realismo político, não podemos ver as coisas como dadas, prontas e acabadas.

Temos ainda a candidatura do Toninho da Brilho (PSB). Que é apenas para cumprir tabela. Não há nenhuma condição de se colocar como uma alternativa aos dois principais candidatos. Ainda que acontecesse algo que tirasse da disputa Tércio ou Márcia. Toninho continuaria sem nenhuma chance de ser eleito. Qual o sentido da sua candidatura então? O fundo eleitoral? Fazer um trabalho de base para as eleições futuras? Não sabemos.

Enfim, esse é o quadro das eleições em Lajeado. Referentes aos nomes e as forças políticas. Quanto a projetos não temos notado muitas propostas. De modo que a disputa parece estar mais relacionada a qual perfil de gestão o eleitor preferirá. Mas sabemos, sobretudo no interior, que não é só isso que define o voto.

Pedro Ferreira Nunes - É Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como professor na Rede Pública de Ensino do Tocantins.

quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Os afetos que circulam entre os muros das escolas IV

Após uma tentativa frustrada de realizar um protesto para criação de uma associação estudantil, Leon pergunta aos seus colegas o que impedia os demais estudantes de lutarem pelos seus direitos, se tédio ou apatia? Uma colega responde imediatamente que seria tédio. Já o outro quis saber qual seria a diferença. Leon então responde: - Tédio é um sono do qual se pode acordar. Já apatia é a condição de não se importar. Então os demais afirmam que a resposta à pergunta do Leon seria tédio e não apatia. A pergunta do Leon veio de uma conversa que ele tivera com o diretor da escola, que lhe alertou que teria problemas se tentasse ir contra o regimento escolar, disse que nenhum estudante atenderia o seu chamado para organizarem-se e lutar por direitos, pois estavam dominados pela apatia.

A cena descrita é do filme canadense The Trotsky (que no Brasil recebeu o título de “Trotsky: A revolução começa na escola”), de 2010, dirigido por Jacob Tierney. Que conta a história de um jovem que acredita ser a reencarnação do Leon Trotsky – um dos líderes da Revolução Russa de 1917 – e, portanto, deve reconstituir a sua vida. Após liderar uma greve fracassada na empresa do seu pai, ele é mandado para escola pública. Ali se depara com uma direção autoritária. Percebendo isso, o jovem vê um terreno fértil para que possa colocar seus planos em prática - o que ele não contava era com a apatia dos seus colegas. Ou seria tédio?

De acordo com Espinoza (2014) o tédio é um desejo que torna uma coisa apetecida em odiosa. Trata-se, portanto, de um afeto que limita ou diminuem a nossa potência de agir. Já a apatia é uma condição de indiferença, isto é, viver sem se afetar pelos afetos. Dito isso, fica claro a importância de Leon saber se o que limita os seus colegas de buscarem seus direitos é o tédio ou a apatia. Sendo o tédio há uma saída, é possível circular outros afetos, tal como defende o filósofo Vladimir Safatle (2015). Sendo a apatia o jeito é se conformar e aceitar as coisas tal como estão. Diante disso circular afetos que se oponham ao tédio é fundamental para que não nos tornemos apáticos.

Pedro Ferreira Nunes – Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Ensino do Tocantins no CEMIL Santa Rita de Cássia.