quarta-feira, 20 de abril de 2022

Flusser, a Tecnologia e a Escola

Por mais críticas que tenhamos as consequências negativas do uso da tecnologia. Por exemplo, a presença do celular em sala. O fato é que ela está aí e não podemos ignorá-las. Ora, numa sociedade cada vez mais informatizada, o desafio de incorporar a tecnologia nos processos de ensino precisa ser enfrentado. Sobretudo para que não sejamos usados por ela. 

Há muitos pensadores que nos ajuda a refletir sobre essa questão. Marcuse é certamente um desses ao chamar atenção para construção de uma unidimensionalidade no contexto da sociedade industrial, impedido qualquer forma de pensamento crítico. Mas aqui nos interessa a contribuição de Vilém Flusser, filósofo Tcheco, autor entre outros de Filosofia da Caixa Preta – onde ele chama atenção para o surgimento da imagem técnica em substituição a escrita, o que vai culminar numa nova sociedade  (a sociedade informatizada) e por conseguinte num novo modelo de tempo.

Para Flusser (1983) cada modo de vida corresponde a um modelo de tempo. Por exemplo, no modo de vida pré-histórico havia um determinado modelo onde as imagens (cenas) predominavam de uma forma circular, “ordenando as coisas de maneira signficativa”. Nesse contexto “se uma coisa sai de seu lugar, é recolocada lá pelo tempo”. Já no modelo histórico, que surgiu a partir da invenção da escrita, temos uma perspetiva linear, onde nas palavras do próprio autor (1983):

“ o tempo é um rio que brota do passado, que pede o futuro e que arranca tudo. O presente é apenas um ponto fugaz de transição entre passado e futuro. As coisas não estão lá: elas se tornam e apontam para o futuro. Nada se repete: cada noite que segue um dia é uma noite nova e única. Qualquer momento perdido é uma oportunidade perdida. Qualquer ação é irrevogável. Tudo é, portanto, processo, acontecimento, progresso ou decadência, ordenado pela inescapável cadeia de causa e efeito.”

No entanto, para Flusser, com o advento da imagem técnica esse modelo de tempo entrou em decadência. Se antes era a escrita que caracterizava o modelo de tempo histórico, agora é a imagem técnica, isto é, produzida por uma máquina. Nesse novo contexto o tempo não segue uma perspetiva linear seguindo do passado, passando pelo presente e chegando ao futuro.

Para o nosso filósofo “o futuro é composto de virtualidades distintas. Não flui em minha direção como um rio, mas corre sobre mim como areia.” Esse contexto é marcado por uma grande dinamicidade vivida sob o signo do tédio. “Quando antecipo meu futuro, quando futurizo, não é que pego uma massa compacta, mas certas virtualidades distintas. Por exemplo, na forma de decisões pontuais”. Que são medidas pelo uso dos aparelhos que produzem imagens técnicas.

Nessa perspectiva é importante a definição de aparelhos para o nosso filósofo – isto é,  aparelhos são caixas pretas que simulam o pensamento humano. A consequência disso é que não preciso mais pensar conceitualmente já que as imagens técnicas produzida pelos aparelhos fazem isso por mim. 

A partir daí podemos afirmar com Flusser que ao invés de controlar o aparelho, estamos sendo controlados por ele. Para o nosso filósofo o aparelho adquiri uma autonomia plena. O que me parece bastante questionável essa ideia de uma espécie de uma “mão invisível controlando os aparelhos”. Na Sociedade Capitalista essa mão é bastante visível, como também ao que elas servem.

Enfim, diante desse contexto, como fica os processos de ensino? Como fica a Escola? A tecnologia está ai e não podemos ignora-la, assim como as consequências do seu uso de forma irracional, por exemplo, a ansiedade, o cansaço e o tédio. Para Flusser a única perspectiva de mudança passa por uma práxis conscientizadora – que se dá através da crítica ao funcionalismo, revertendo a situação,  isto é, ao invés de ser usado pelo aparelho, usa-lo. Daí que para o nosso filósofo, liberdade nesse contexto é jogar contra o aparelho. A partir daí podemos concluir dizendo que o desafio quanto ao uso da tecnologia na Escola segue essa perspectiva, mas não apenas de uma práxis conscientizadora, como também transformadora.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

sexta-feira, 15 de abril de 2022

Lima Barreto e a questão moral

Mentira, traição, hipocrisia e assassinato – São alguns dos elementos que encontramos nos contos do Lima Barreto. Através destes podemos perceber uma crítica mordaz a nossa sociedade formada por indivíduos medíocres – que se caracterizam por um moralismo extremado. “Faça o que eu digo, não o que eu faço”. Eis o lema dos moralistas. Com uma escrita objetiva e uma boa dose de humor e sarcasmo, Lima Barreto nos envolve numa leitura prazerosa mas ao mesmo tempo incomoda ao nos fazer refletir sobre a nossa moralidade. O que você faria na situação que ele nos apresenta em seus contos? Eis um exercício interessante a se fazer.

Quando falamos em ação estamos no terreno da moral. Este é um tema clássico dentro do pensamento filosófico. E a compreensão do que é agir moralmente vai mudando ao longo da história como reflexo das mudanças sofridas pela sociedade. Desse modo, dependendo da perspectiva filosófica a questão moral terá uma determinada resposta. Por exemplo, na perspectiva clássica (socrática/platônica e Aristotélica) é agir virtuosamente. Já na modernidade Kant defende uma perspectiva imanente onde agir moralmente é um dever. Não vamos adentrar nessa questão. Nos interessa aqui dois pontos: Primeiro, a moral como reflexo dos nossos costumes. Segundo, a moral como construção histórica. 

No conto “Numa e Ninfa” temos um casal que vive de aparência. Ele um bacharel de Direito Medíocre que se torna Juiz e depois deputado – graças a influência da família dela – foi exatamente por isso que ele lutou por esse casamento. Já ela por falta de alternativa melhor. Como deputado não era menos medíocre. Até que numa determinada ocasião, graças a ajuda dela, conseguiu mudar a visão da sociedade sobre ele. Ela escrevia os seus discursos, ele decorava e repetia. Tornou-se uma referência. Enquanto isso na intimidade sua esposa mantinha um caso com um primo. Ao descobrir o fato não pensou duas vezes – além do escândalo público seria o fim da sua carreira política. Então  preferiu o silêncio. Temos assim uma relação movida pela mentira e a traição – que não são problemas desde que seus interesses não sejam contrariados. No caso dele, ser um político respeitado graças aos discurso escrito por ela.

“O homem que sabia Javanês” é um clássico do nosso autor. Sem dúvidas um dos seus textos mais conhecido. Figura entre os melhores contos da América Latina, segundo a Coletânea homônima de 2008 organizada pelo Flávio Moreira da Costa. Na estória o personagem principal lê num anúncio de jornal que estão precisando de um Professor de língua Javanesa. Mesmo sem saber nada ele se candidata para vaga. Estuda um pouco acerca do idioma, o suficiente para ludibriar as pessoas. Na verdade foi a falta de conhecimento dos demais que o fez chegar aonde chegará. No final ao convidar o seu interlocutor para se tornar um bacteriologista eminente, é como se disse, nesse país você pode ser o que quiser. Não por mérito, mas pela ignorância dos demais. Aqui temos um sujeito que tem na mentira uma aliada importante. Essa não é um problema desde que eu alcance os meus interesses. 

Lima Barreto volta a sua carga crítica ao ser humano em geral, mas as pessoas do interior recebem uma carga maior. De certo modo isso é reflexo de uma mentalidade conservadora que encontramos nessas localidades – e pela sua origem interiorana ele deve ter sentido isso na própria pele. Lima Barreto percebeu que os conservadores se caracterizam por um moralismo extremado – e isso o incomoda sobre maneira. Pois o moralismo significa um comportamento patológico – onde o discurso e a ação estão separados. Um bom exemplo é o conto “O feiticiero e o deputado”.

Um homem se muda para uma cidade interiorana, compra uma casa e passa a se dedicar a horticultura. Quem vive no interior sabe bem o impacto da chegada de algum estranho. Logo o nosso personagem recebeu a alcunha de feiticiero. Lima Barreto com seu sarcasmo afiadissimo escreve: certa vez a ativa policial local, em falta do que fazer, chamou-o a explicações. Não julguem que fosse negro. Parecia até branco e não fazia feitiços”. Mas não teve jeito, contínuo sendo considerado um feiticeiro e alvo de diversas especulações que certamente o fazia sofrer. Mas nada que o fizesse partir. Até que um dia um deputado visitando a cidade foi convidado por correligionários a conhecer a casa do feiticiero. Chegando lá reconheceu aquela figura – que tinha cido seu colega.  Bastou isso para que a visão de todos ali mudasse – aqueles que o mau dizia logo mudaram o discurso. Temos aqui a hipocrisia como elemento importante – a hipocrisia é uma das característica dos moralistas. 

Continuamos no interior, agora na cidade de Tubiacanga. Estamos falando do conto “Nova Califórnia” – mais uma obra prima desse grande autor. Aqui temos mais um personagem que se muda para uma cidade interiorana causando um grande alvoroço. Ao contrário do conto anterior, nesse todos sabem quem é a figura – um químico famoso com trabalhos publicados em diversas revistas científicas. De modo que ao invés de suspeitas o que ele conseguiu foi admiração. Vivendo isolado, se dedicando as suas pesquisas – aquilo lhe era indiferente. Certo dia aparece na farmácia causando o espanto de todos ali. Chama o farmacêutico em particular e lhe fala de uma grande descoberta que fizera (transformar osso em ouro) e queria que o farmacêutico juntamente com mais duas testemunhas presenciasse o experimento. O que acontece a partir daí reflete muito bem o moralismo dominante na nossa sociedade.

O químico desapareceu de Tubiacanga do dia para noite. O que também começou a desaparecer foram os ossos dos mortos do cemitério local. Esse segundo fato revoltou a todos. Ora, para uma cidade conservadora  (e cristã) era um sacrilégio violar o descanso dos mortos – um discurso que mudou totalmente quando descobriram quem eram os ladrões de ossos e a que se destinava. A guerra que se estabeleceu a partir daí na busca por ossos é ao mesmo tempo cômico e trágico. 

Lendo os contos do Lima Barreto não pude deixar de notar semelhança com o Bolsonarismo. Para entendermos o fenômeno do Bolsonarismo é importante compreender que ele não se deu da noite para o dia – E nem que se encerrará após uma derrota eleitoral. Tal fenômeno é a expressão de uma moralidade patológica com raízes históricas na nossa sociedade como bem podemos observar a partir da leitura dos contos do Lima Barreto. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.


domingo, 10 de abril de 2022

Primeiras impressões sobre o retorno das aulas 100% presenciais

Falou-se tanto que teríamos um novo Modelo de Ensino no pós-pandemia, mas o que tenho observado, até agora, é um retorno ao que já fazíamos antes. Por que isso tem ocorrido? Quais as consequências? O que fazer para mudar? São questões que pretendemos refletir nas linhas a seguir.

Em primeiro lugar, creio que esse retorno ao que já faziamos antes se dá em grande medida pelo fato da Escola não está adequada do ponto de vista estrutural para que avancemos para novas práticas pedagógicas. O estudante já não aceita ficar confinado numa sala de aula durante pouco mais de quatro horas. Daí a sua solicitação contínua por atividades “diferenciadas”. Mas como desenvolver atividades diferenciadas, onde a tecnologia desempenha um papel maior, sem laboratórios e meios necessários para desenvolve-las?

O Professor, por sua vez, se vê impedido de atender tal solicitação. Não por que lhe falta preparação (há alguns sim), mas por questões estruturais. Falta espaço físico apropriado para o desenvolvimento de algumas práticas, falta laboratório equipados, falta equipamentos adequados e falta um serviço de acesso a internet de qualidade. Nesse contexto não há muito o que fazer. Fazemos o que podemos dentro das condições que temos.

Há uma tendência em colocar na conta do Professor a estagnação das práticas pedagógicas. São formações em cima de formações (quase sempre falando mais do mesmo). Cobra-se a adoção de novas metodologias e o uso da tecnologia. Esquecem-se no entanto da falta de condições estruturais para que isso ocorra. Além da burocracia excessiva que tira o foco do que é realmente necessário – o fazer pedagógico. 

Não se trata aqui de fazer um discurso que justifique a acomodação por parte de muitos colegas. Acredito que mesmo em condições desfavoráveis conseguimos fazer um trabalho diferenciado. E faço tal afirmação a partir dos projetos e aulas que temos desenvolvido no CENSP-Lajeado. No entanto não podemos perder de vista a nossa limitação, até mesmo por uma questão de saúde mental. Não podemos nos responsabilizar pelo “fracasso da educação”. Façamos nossa parte, mas sem a ilusão de que seremos os “salvadores da pátria”.

Por exemplo, temos agora a implantação do Novo Ensino Médio que juntamente com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) – trás uma nova configuração para a educação básica. Entre estas, está a centralidade do Componente Curricular de Projeto de Vida – tornando-se o elo de ligação entre a base comum e as trilhas de aprofundamento. Sem uma profunda mudança do ponto de vista estrutural, as aulas desse Componente Curricular, como também das eletivas e das trilhas de aprofundamento vão ficar no terreno da teoria. E é justo responsabilizar o Professor por isso? Evidentemente que não. 

Também não pode ir para conta dos Professores o fato dos estudantes não poderem exercer o seu poder de escolha prometido no discurso do Governo para aprovar o novo ensino médio. Sem essas mudanças estruturais o estudante não poderá escolher no que quer se aprofundar, terá que se conformar com que a escola tem condição de ofertar.

Com isso tal mudança tende a seguir o que diz Mészaros acerca da lógica das reformas educacionais no Sistema Capitalista – mudar para permanecer como está. Em alguns casos até que não seria tão ruim. Sobretudo quando tais mudanças tende a piorar o que já não era bom. Como é o caso do Novo Ensino Médio – que tem claramente uma perspectiva tecnicista. Aliás,  ai está um ponto importante, compreender a lógica do Novo Ensino Médio é fundamental para nos opormos a ela. Sobretudo a área de humanas, que teve o seu espaço reduzido. 

Enfim, parece que me desviei da questão Inicial. Retornando a ela, diria que as primeiras impressões que temos das aulas 100% presenciais é que a escola não está preparada para o estudante que aprendeu outras formas de aprender, utilizando a tecnologia no período pandêmico – o estudante da “sociedade informatizada”. O que fazer para que isso ocorra? Eis a questão que se impõem. Falamos aqui sobretudo do aspecto estrutural. Mas sabemos que não podemos reduzir apenas a isso. Deixemos assim como uma questão em aberto para motivar um debate necessário. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica no CENSP-LAJEADO.


terça-feira, 5 de abril de 2022

Poema: Na igreja de São Benedito


Na igreja de São Benedito,

a donzela esta a rezar.

Pela volta do seu amado,

que na guerra foi lutar.


Tudo aconteceu há muito tempo,

quando Prestes aqui passou.

Seu grande amado partiu,

a linda donzela ficou.


Ele disse que a amava,

que um dia iria voltar.

Ela prometeu não esquece-lo,

que iria lhe esperar.


E já faz muitos verões,

ele nunca mais voltou.

Pelas ruas existe uma estória,

que a ditadura o matou.


Mas ela não acredita,

e vive a esperar.

Imaginando o momento

que iram se encontrar.


E na igreja de São Benedito,

a donzela vive a rezar.

Pela volta do seu amado

que na guerra foi lutar.


Pedro Ferreira Nunes 

Natividade – TO. Lua Cheia, Verão de 2016.



 

quarta-feira, 30 de março de 2022

Aleatórios

Diariamente navego pelos portais de notícias para me atualizar acerca dos acontecimentos locais. “Não vejo nada, o que vejo não me agrada. Não ouço nada, o que ouço não diz nada”. É nessa vibe da canção da banda gaúcha Engenheiros do Havaí que escrevo esses breves comentários. 

Renúncia do Carlesse 

Carlesse renunciou ao Governo do Tocantins, diante da eminência de sofrer um impeachment na Assembléia Legislativa. Seu discurso não poderia ser outro se não de vitimização. O fato é que todo político acusado de corrupção sempre tem a mesma postura. Negar mesmo diante das evidências, e afirmar que tudo não passou de manobra dos seus adversários. Diante do inevitável Carlesse fez a escolha mais prudente. Agora é contar com a amnésia da população para no futuro se apresentar como candidato a algum cargo eletivo.


O mundo gira

Ao se defender da decisão judicial que determinou a Operação Lavandeira, que investiga esquema de desvio de dinheiro por empresários tocantinenses, o Deputado Estadual Eduardo Siqueira Campos acusou o Juiz João Paulo Abe de imparcialidade ao se referir a ele de Sérgio Moro do Cerrado. Isso me fez lembrar que na passagem pelo Senado, o pai do Eduardo, Siqueira Campos. Indicou o então Ministro da Justiça do Governo Bolsonaro, Sérgio Moro, para integrar o livro do mérito daquela casa pelos “relevantes serviços prestados a Nação”. O mundo gira, não é mesmo?!


Sobre privilégios 

A reação contra o discurso do Deputado Estadual Zé Roberto (PT) que falou da necessidade de responsabilizar os produtores de Soja na manutenção das rodovias, que em grande medida são danificadas pelo transporte de grãos (Em especial a Soja). Fala muito de privilégios – privilégios de uma burguesia agrária que exige carta branca para explorar e enriquecer deixando o ônus para o conjunto da Sociedade. Óbvio, para eles isso não é privilégio, mas um direito. Para eles não se deve questionar, mais agradece-los por gerar riquezas. Riquezas para quem? E a que custos socioambientais? 


A água que consumimos

Falando em custos socioambientais. Um levantamento, feito pelo Repórter Brasil, divulgado na Semana do Dia Mundial da Água mostra a presença de produtos nocivos a nossa saúde na água que consumimos. Entre esses produtos estão os agrotóxicos utilizados nas grande lavouras. Falando especificamente do Tocantins, são 21 o número de municípios onde foram encontrados uma quantidade excessiva desses produtos. Entre estes estão Araguaína, Colinas, Natividade e Palmas. Considerando o fato de que nem todos os Municípios encaminharam amostra ou que as amostras que encaminharam não eram adequadas, esse número seria maior. 


Fechado com Bolsonaro

Paulo Carneiro, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária (Faet), tem razão ao conclamar os “produtores rurais” a apoiar a reeleição de Bolsonaro. Se há um setor que foi privilegiado nesse Governo, esse setor é o agropecuário. Flexibilização das leis ambientais, o aumento do preço dos alimentos, política de antireforma agrária e anti-índigena. São alguns exemplos. De modo que nada mais natural do que esse apoio por parte dos ruralistas. Estranho seria o contrário. Ainda que nos Governos anteriores, inclusive nos liderados pelo PT, não foi muito diferente. 


Dia da hipocrisia

É como devemos encarar a proposta do Vereador (e Pastor Evangélico) Daniel Nascimento (Republicanos), que cria o dia do Conservadorismo no Município de Palmas. O Conservador é antes de tudo um hipócrita, isto é, um dissimulado. Seu discurso é bem distante da prática. Busca impor uma moralidade que não vive. Só para lembrarmos de um exemplo mais recente, esquecido pela Guerra na Ucrânia, o episódio envolvendo o Primeiro Ministro Inglês Boris Johnson e as festas na pandemia na residência oficial do Governo. Desse modo, se a Câmara de Vereadores da Capital Tocantinense aprovar o projeto do Pastor/Vereador, os palmenses poderão celebrar o dia da hipocrisia.


Não banalizar o discurso de ódio 

A falta de punição a quem reproduz discursos de ódio leva a banalização do mesmo. Ainda mais quando esse discurso parte de figuras públicas. Nesse sentido esperamos que a ação do Ministério Público contra o Vereador  (e militar) de Araguaina Jorge Carneiro (PROS) por discursos homofóbico tenha de fato uma punição. A sociedade não pode aceitar que indivíduos se ache na condição de diminuir alguém por sua identidade sexual. Esse tipo de discurso contribuiu para o número alarmanete de violência contra essa população. Ao utilizar esse tipo de discurso o nobre parlamentar só mostra a sua falta de capacidade.


Homicídio Privilegiado 

Me chamou atenção a tese vencedora no julgamento do Assassino confesso da jovem Patrícia Aline. A partir da tese do homicídio privilegiado “o crime é praticado por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima”. Traduzindo. A culpa é da vítima. Com isso o criminoso teve sua pena atenuada. Trata-se de mais um episódio que mostra de maneira contundente o machismo reinante e a violência estrutural contra as Mulheres.


As máscaras estão caindo

Não poderíamos deixar de comemorar. Sejamos honestos camaradas, usar máscaras não é algo muito agradável. Portanto esse item tão presente no nosso cotidiano nesses últimos dois anos não fará falta. Não deixemos de ressaltar a sua importância, sobretudo se você estiver com sintomas gripais. Creio, no entanto, que o foco do poder público, sobretudo no Tocantins onde mais de 40% da população não tomou a segunda dose dos imunizantes contra a COVID-19, deve ser na vacinação. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Apenas um rapaz latino americano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in roll. 

sexta-feira, 25 de março de 2022

Eleições no Tocantins – Algumas questões

Palácio Araguaia 
Aos poucos a nova configuração de forças políticas para o pleito eleitoral de 2022 vai se consolidando. Por enquanto há três pré-candidaturas que se destaca – a do Governador Wanderlei Barbosa, a do Ex-Prefeito de Araguaína Ronaldo Dimas e a do Ex-deputado Estadual Paulo Mourão. 

As candidaturas de Wanderlei e de Dimas são as que tem conseguido aglutinar mais apoios. Não por que sejam os melhores nomes, mas por que um conta com o poder da máquina pública estadual. E o outro vem construindo a sua candidatura desde o pleito eleitoral passado – quando optou por não disputar aquelas eleições justamente para que tivesse melhores condições agora.

Se esses dois candidatos tem, por um lado, a vantagem de atrair mais apoios de lideres partidários e grupos politicos. Sobretudo as forças tradicionais. Terão por outro a dificuldade de administrar a disputa de egos e de interesses. Pois uma coisa é fato, não tem vaga para todo mundo. E quando começar as definições acerca de coligações e das vagas para as candidaturas para o Senado, para a Câmara de Deputados e para a Assembleia Legislativa, isso ficará mais evidente. 

É ai que a candidatura do Paulo Mourão pode se fortalecer. Óbvio, não o suficiente para vencer o pleito eleitoral. Mas possibilitando um palanque forte para o Projeto Nacional do Partido dos Trabalhadores (PT) e também a possibilidade de eleger deputados. Resta saber se o PT levará de fato a sério essa candidatura ou se refugará como já fez em outras eleições. Por enquanto parece não ter outra opção pelo fato de Wanderlei e Dilmas estarem com Bolsonaro. 

Mesmo com a candidatura do Paulo Mourão como opção. Creio que não será suficiente para acomodar os interesses diversos dos grupos políticos. Ainda mais levando em consideração os interesses nacionais – onde o número de pré-candidatos a Presidente da República, é grande. O que pode levar a consolidação de outro nome a disputa pelo Palácio Araguaia. Por exemplo, do Deputado Federal Osires Dâmaso ou do Ex-Prefeito Laurez Moreira.

É um processo complexo que requer muito estudo por parte dos grupos políticos. Por isso cada passo tem sido dado com muito cuidado. Por exemplo, a qual partido se filiar? Por isso que, até o momento que escrevo essas linhas, o Governador Wanderlei Barbosa não se filiou a um partido. E também, que a saída do Dilmas para outro partido, sem perder o controle do Podemos, é dado como certo. 

É um momento onde as decisões são tomadas a partir de uma perspectiva pragmática, isto é, a partir da lógica do que “eu ganho com isso”, do que me é útil. Eles sabem que quando se filia a um partido há consequências – sobretudo, pela configuração a nível Nacional da legenda. De modo que, a partir da lógica pragmática, é preciso calcular bem para saber se os ônus não serão maior que os bônus. 

É o mesmo cálculo que o leitor fará quando for escolher os seus representantes. Mas deixemos essa reflexão sobre o eleitorado e suas escolhas para outra oportunidade. O nosso objetivo aqui é falar das articulações políticas e configurações de forças para o pleito eleitoral vindouro.

Percebemos que as configurações perpassam pela articulação das figuras tradicionais da política tocantinense. Sobretudo com Mauro Carlesse caindo em desgraça. Por exemplo, Marcelo Miranda continua dando as cartas no MDB e os Abreu (Kátia e Irajá) no PP e PSD. Sem falar no Eduardo Gomes, ainda no MDB, mas comandando indiretamente o PL. E a força tanto do Wanderlei como do Dimas passa pela articulação com essas figuras tradicionais.

Isso já nos dá condições de vislumbrar qual será o programa e o projeto de Governo que os tocantinenses irão escolher nas eleições. Mas, repito, não é o nosso objetivo falar disso aqui. Por enquanto, ficamos satisfeito em apontar que, as configurações de forças políticas no Tocantins, apontam para mais do mesmo.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

domingo, 20 de março de 2022

Uma noite em 1992

O mundo ainda estava de ressaca com a queda do Muro de Berlim e o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). No Brasil o povo já sentia na pele a roubada que tinha sido eleger Fernando Collor para Presidência da República. Ao longo do ano o descontentamento popular só cresceria e culminaria no impeachment do “Caçador de Marajás”. Sempre fiel ao espírito do seu tempo a banda Ratos de Porão imortalizaria um show memorável através de um disco ao vivo. Foi numa noite do mês de fevereiro de 1992.

Ouvir o disco “RDP ao vivo – 1992” é ser levado para dentro do show, se colocar em frente ao palco, sentir a energia do público, entrar na roda, bater cabeça, subir no palco e pular nos braços dos demais, se deliciar com a performance da banda. E que performance, camarada. Boka (bateria), Jabá (Contrabaixo), Jão (Guitarra) e Gordo (Vocal) estavam afiadíssimos, e entregam tudo de si numa sequência avassaladora. Começando com uma dose de pessímismo e desespero em “Morrer” - Tenho medo do presente, tenho medo do futuro e de tudo que nos cerca/Sigo meu caminho, meu caminho é morrer!… Num peso e velocidade para fã nenhum de Motorherd colocar defeito. 

Em seguida eles emendam com “Mad Society” e pisam no acelerador novamente com “Crianças sem futuro” – “Qual será o futuro das crianças do brasil?/Só de aids esse ano já morreram mais de mil/Mas nosso governo finge que não vê/Seus filhos estão seguros/Eles vão sobreviver”. Segura esse soco no estômago, camarada.

Uma rápida pausa para pisar no acelerador novamente com “Ascensão e queda”. Em seguida vem “Beber até morrer” que entre outros versos tem – “Viver sempre chapado é melhor do que lutar?”. Na sequência tem Máquina Militar – “Olhe soldado/Esqueça seu passado/Você deixou de existir/Agora você é uma máquina do sistema/Somente para matar/Somente para destruir.”

Em menos de um minuto Gordo vomita três petardo – “Guerrear”, “Políticos contra o povo” e “Caos” – “Esse mundo é um caos/Essa vida é um caos/Caos!”. “Sofrer”, “Crussificados pelo Sistema” e “Vida Animal” vem na sequência. A introdução do contrabaixo do Jabá nessa última é coisa de louco. Aliás, o som do contrabaixo do Jabá merece todo destaque. Depois temos “Plano furado I e II” e então eles entoam “Anarkophobia” levando todo mundo ao êxito – “São faces marcadas/Que temem a revolução/Revolução, revolução/Cresce a tirania/Medo, alienação...”. Se o show tivesse se encerrado ali todo mundo voltaria para casa satisfeito. Mas teve mais, muito mais.

A nova sequência começou com, nas palavras do Gordo, “mais um ritizinho idiota” – “Aids, Pop, Repressão”. Em seguida vem “Realidades da guerra”, “Work for never”, “Velhus Decrepitus”, “Herança”, “Paranóia nuclear” e mais um petardo – “Crise Geral” – “Falam de anarquia/De lutar pra viver/O povo hoje em dia/Aprendeu a perecer/A apatia é grande/E a crise é geral/Se lembram disso sempre/Esquecem no carnaval”.

A próxima sequência tem “Que vergonha”, “Vivendo cada dia mais sujo e agressivo”, “Cérebros atômicos”, “Sentir ódio e nada mais” e “Igreja Universal” – “Você acredita em Deus e nos seus milagres?/Em troca de dinheiro, ele te fará feliz/Você chorou de emoção em nome da verdade/Nas mãos de um charlatão, você é um imbecil…”. E para finalizar um bônus com “Novo Vietnã”, “Poluição Atômica” e “Agressão, Repressão” – “É preciso mudar o sistema policial/Porque eles estão matando a pau/Gente decente/É preciso mudar o sistema policial/Porque eles estão matando a pau/Gente inocente”.

Agora em 2022 faz 30 anos desse show. A banda continua na ativa produzindo e gravando discos de qualidade. Como também fazendo shows memoráveis (daquele quarteto apenas o Jabá saiu da banda). O disco tornou-se uma referência para diversos outros artistas. E contribuiu para formação de uma consciência crítica sobre o nosso país. As letras atuais que dizem muito do mundo de hoje, em especial do nosso país, não são frutos de um exercício de adivinhação como alguns dizem. É antes de tudo reflexo de uma banda que nunca seguiu modismos e nem fugiu dos problemas concretos da nossa sociedade – a violência policial, a fome, a exploração, a questão ambiental, a alienação, a corrupção, os horrores da guerra – problemas estruturais que não podemos deixar de pautar. É o que faz o RDP nesse trabalho, e em toda a sua discografia,  daí a sua importância não só no campo da música.

Por Pedro Ferreira Nunes – Um rapaz latino americano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in roll.