sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Quando o ódio triunfa

O que faz um ser humano em um carro atropelar um grupo de pessoas colocando em risco a vida dessas pessoas? A que nível chegou o seu desprezo pela vida do outro? Quando foi que se perdeu a capacidade de aceitar o diferente? Se é que um dia já fomos capazes. Nessa situação uma coisa é fato – não há mais respeito, não há mais diálogo, não há mais empatia. O que há é o triunfo do ódio. 

Nesse contexto é importante lembrar o que dizia o filósofo holandês Baruch Spinoza – de que nós nos deixamos guiar pelas paixões ao invés da razão. O que não é bom pois nos leva a posições extremas. Sendo assim, Spinoza defende a necessidade de controlarmos as paixões tristes como o medo, a cólera, o remorso e a inveja. E esse  controle só é possível na medida que agimos racionalmente. 

Foi o que não fez o senhor Leo Luiz Ribeiro ao atropelar com sua caminhonete um grupo de manifestantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que protestavam em Valinhos – interior paulista – por políticas públicas que lhes propiciassem melhores condições de vida. A atitude criminosa  do senhor Ribeiro teve como consequência a morte de um manifestante – o senhor Luiz Ferreira da Costa. 

Esse episódio é bastante significativo e nos ajuda a compreender os dias em que vivemos – dias em que perdemos a capacidade de conviver com posições contrárias as nossas. Com isso quem pensa e age diferente de mim deve ser bloqueado no meio virtual e eliminado na vida real - sem remorso, sem pudor. Tal postura é típico de quem não consegue controlar suas paixões e agir racionalmente. 

E isso é possível? Controlar as paixões e agir racionalmente? Spinoza nos dirá que sim. Para tanto se faz necessário compreender os afetos. E ele nos dá uma importante contribuição nesse sentido ao buscar elaborar, segundo Frédéric Lenoir, uma verdadeira ciência dos afetos. 

Para o filósofo holandês são três os afetos primários do qual se derivam todos os demais, a saber – O desejo, a alegria e a tristeza. E de acordo com Lenoir, para Spinoza “todos los afectos son expresiones particulares del deseo, y serán una modalidad de la alegria si aumentan nuestre capacidad de obrar o de la tristeza si la disminuyen”. E está em nossas mãos a decisão se iremos nos guiar por afetos alegres ou se nos guiaremos por afetos tristes como o ódio por exemplo. 

Em relação ao ódio, Lenoir  nos diz que este “tiene por objeto um ser cuya ideia disminuye nuestra capacidade de atuar y nos sumerge em la tristeza”. E sua causa é exterior. Isto é, não está em nós. Sendo assim,  somos afetados pelo ódio, a partir de uma idéia que temos do outro. E aqui está uma importante chave para compreendermos o chamado discurso do ódio – que em última análise prega a eliminação do outro, do diferente. E defende uma sociedade uniformizada. 

Seu Luiz Ferreira é mais uma vítima dessa lógica que busca alimentar nas pessoas suas paixões tristes. Tornando-as indivíduos frágeis e facilmente manipuláveis. Vítima também foi o MST e todos os movimentos sociais, bem como os cidadãos, que lutam por seus direitos e por uma sociedade verdadeiramente democrática em que as diferenças de posição sejam resolvidas no bom debate e não através da violência. 

Diante do que foi exposto até aqui, concluímos dizendo que não há que se ver o assassinato (pois foi isso que aconteceu – um assassinato) do Seu Luiz Ferreira como algo isolado. Mas como mais um exemplo como tantos outros que aconteceram e ainda acontecerão em decorrência do discurso de ódio  (inflamado pelas redes sociais) que domina o Brasil e outros paises do globo nos dias atuais. Um discurso que segundo Samir Nair, gera nos seus seguidores “una potente liberación de instintos agresivos”. E com isso temos o triunfo do ódio. 

Será  que é necessário que nos matemos?
Não utilizemos a inteligência que temos.
Voltados uns contra os outros
Mate o seu próprio povo.
E aí o sistema 
Te vence de novo. 
Inocentes 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universdidade Federal do Tocantins. 

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Sobre Raposas e Galinhas: O Novo Código Florestal do Tocantins em discussão na ALETO.

Quem nunca ouviu a expressão “raposa cuidando do galinheiro”?! Geralmente utilizada para ilustrar uma situação em que alguém que tem interesse contrário a determinada coisa é colocado para cuidar dessa coisa. Por exemplo, na esfera política, colocar um banqueiro para cuidar da reforma da previdência social. Ou colocar para cuidar da educação pública um economista que defende os interesses do mercado. Ou ainda colocar um ruralista para cuidar do meio ambiente. Ora, esperar outro resultado se não um retrocesso nessas áreas é um tanto de ingenuidade. 

É nessa linha que caminha a proposta de um Novo Código Florestal do Tocantins  proposto pelo deputado tucano Olyntho Neto (PSDB). Ou alguém acredita que um deputado que defende claramente a pauta ruralista irá propor um código florestal menos flexível na defesa do meio ambiente? Ainda mais um parlamentar que tem em seu histórico denúncias do Ministério Público Federal por crime ambiental e investigações em andamento da Polícia Civil também por um possível envolvimento em crime ambiental no caso do lixo hospitalar envolvendo empresa da sua família. 

No caso da denúncia do Ministério Público Federal (MPF), feita ainda em 2016, o “deputado é acusado de extrair areia do Rio Araguaia, de forma ilegal, para construção de praia particular” juntamente com outras duas pessoas – o comerciante Hernandes Neves de Brito e o pecuarista Naim Halloun. De acordo com o MPF a extração de areia sem a devida licença dos órgãos de proteção ambiental se configura num crime. Ainda de acordo com o MPF “apesar da confirmação do crime, cuja pena é de um ano, já houve prescrição do delito. Entretanto, como a extração foi no Rio Araguaia, que é bem da União, os denunciados podem responder, perante o Tribunal Regional Federal da 1°Região (TRF1), por crime contra o património público, na modalidade de usurpação”.

No caso do descarte ilegal de lixo hospitalar, a Polícia Civil abriu investigação para apurar um possível envolvimento do deputado tucano. De acordo com o G1 Tocantins (2019) “entre as suspeitas, está a de que o parlamentar seria um dos controladores da empresa dona do galpão onde parte do Lixo foi encontrado”. A outra parte foi encontrada na fazenda Caeté de propriedade da família do deputado. 

Há também outro inquérito da Policia Civil para apurar o envolvimento do Olyntho Neto no caso do Lixo hospitalar. Segundo o G1 Tocantins o motivo desse inquérito foi a descoberta de um documento encontrado em um cartório onde “um assessor parlamentar de Olyntho Neto tinha autorização da Sancil Sanatônio para representá-la em contratações com o poder público” sendo que “a Sancil era a empresa responsável pelo recolhimento do lixo”.

Diante dessas questões é um tanto preocupante que a proposta de um Novo Código Florestal para o Tocantins parta de uma figura dessas, que no mínimo, nos parece bastante questionável, sobretudo no que diz respeito a questão ambiental. 

Não é de agora que o deputado tucano defende essa pauta na assembléia legislativa. Na legislatura passada ele já havia defendido a necessidade de alterações no código florestal do Estado para um melhor desenvolvimento do potencial agropecuário e mineral do Tocantins. E agora surfando na onda do Governo Bolsonaro que vem desmantelando os órgãos de proteção ambiental e patrocinando ações de ataques a política de proteção ao meio ambiente – Olyntho Neto retoma o projeto de um Novo Código Florestal do Tocantins. E obteve uma importante vitória com a aprovação do seu requerimento que propôs a criação de uma comissão especial para discutir a questão na Assembléia Legislativa do Tocantins. 

Olyntho Neto ressalta que a ideia do novo código florestal é “destravar o desenvolvimento” econômico do Tocantins “com segurança jurídica” – Um discurso bastante semelhante ao do governo Bolsonaro e a bancada ruralista no congresso nacional. Nesse discurso destravar o desenvolvimento econômico e garantir segurança jurídica significa flexibilizar as leis ambientais mais ainda – significa dar uma licença ainda maior para que o Agro e o Hidro Negócio avance na destruição do cerrado não importando quão nefastos serão os impactos socioambientais.

Como a atual legislatura é composta na sua maioria por representantes do setor ruralista não é difícil prevê como será o Novo Código Florestal que os deputados aprovaram – um código florestal benevolente com aqueles que cometem ou já cometeram crimes ambientais. Como por exemplo o deputado Olyntho Neto e o seu pai João Olinto Garcia de Oliveira, como bem apontam as investigações da Polícia e denúncias do Ministério Público 

Enfim, tudo está muito claro nesse projeto de criação de um Novo Código Florestal do Tocantins como é claro o destino de um galinheiro cuidado por uma raposa. Mas é óbvio que as coisas podem mudar – a questão é saber até que ponto nós – que não concordamos com esse projeto de uma flexibilização ainda maior da nossa legislação de proteção do meio ambiente – temos disposição para fazer essa mudança acontecer.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Largada para corrida eleitoral de 2020 em Lajeado

Foi dada a largada para a corrida eleitoral de 2020 que elegerá uma nova gestão (ou que manterá a atual) para comandar a prefeitura municipal de Lajeado. Não que já não viesse ocorrendo nos bastidores articulações com vistas a definição dos nomes que estarão na disputa (articulações que continuaram). Mas agora essas articulações tornaram-se públicas – pelo menos por parte de um grupo político. 

Foi o que ocorreu no evento de inauguração do asfalto da avenida Norte-Sul e entrega de maquinário agricola realizado pela gestão atual na noite de quarta-feira (14/08) na entrada da avenida Norte-Sul, no Setor Aeroporto. O evento teve claramente um perfil de comício – com direito a discursos, churrasco para população e show de forró. Foi uma espécie de convenção para o lançamento da candidatura a reeleição do prefeito Tércio Neto (PSD) dando assim a largada para corrida eleitoral de 2020 em Lajeado.

Se o prefeito Tércio não fez isso de forma explícita é por que a legislação eleitoral proíbe que se faça campanha antecipada – ainda mais ofertando churrasco e show de forró. Mas para bom entender não precisa muito mais para entender a mensagem do prefeito para população e seus adversários. 

Aliás, diria que particularmente para seus adversários, foi também uma tentativa de demonstração de força. Por isso um evento com apelo popular que pudesse mostrar a popularidade da atual gestão. Mas isso pode ser um erro – Tércio e seu grupo político poderão se iludir acreditando ter uma força que não tem só por que algumas centenas de lajeandenses foram comer churrasco e dançar forró no evento de inauguração da prefeitura. Ora, isso não quer dizer que as pessoas que ali foram apoiam a gestão e menos ainda votaram em Tércio e seus aliados.

Mas errando ou não, Tércio Neto e seu grupo político inegavelmente deram largada para a corrida eleitoral de 2020 em Lajeado – independentemente dos ônus e bônus que isso possa acarretar. E com isso obrigam seus adversários a se movimentarem também. Pois a falta de movimentação pode ter  consequências irreversíveis – entre elas, perder gente para base da gestão atual. 

Não falta na cidade pessoas descontentes com a atual administração da prefeitura de Lajeado. Pois como já escrevemos em outros artigos trata-se de uma  gestão marcada pela falta de planejamento e por apresentar pouco resultado até agora. Mas é necessário iniciativas para organizar esses descontentes, pois se não a oposição dificilmente conseguirá derrotar o atual grupo político no poder.

Nos bastidores especulam-se alguns nomes para enfrentar Tércio Neto na disputa pela gestão da prefeitura de Lajeado. Mas por enquanto são só especulações. E como não faço minhas análises em cima de especulações, não irei nem me dar o trabalho de citar esses nomes aqui e muito menos analisa-los. Farei isso quando sairmos do campo das especulações para o campo dos fatos.

E fato até agora é a candidatura de Tércio Neto  (PSD) á reeleição. Óbvio que estamos há um bom tempo das eleições de 2020. Até lá muita coisa pode acontecer (inclusive nada). Mas o fato desse grupo político se fechar em torno do projeto de reeleição do atual prefeito já o coloca um passo na frente nessa corrida eleitoral. Sobretudo, porque, por enquanto, a corrida é apenas dele consigo mesmo.

Pedro Ferreira Nunes – É Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Não houve fogos

“Ou toma a frente ou a frente tomara você”.
Plebe Rude 

Seis de agosto de Dois Mil e Dezenove – um dia histórico no Brasil. E como todo dia histórico só teremos consciência mais precisa disso daqui alguns anos. Quando parte significativa da população estiver submetida a uma situação de miséria – sem direito a uma aposentadoria digna. 

Não que essa não seja a realidade de muitos trabalhadores hoje no Brasil, mas com a aprovação da reforma da previdência do governo Bolsonaro patrocinada pelas elites econômicas, a situação tende a piorar. E quando esse dia chegar (e não tardará muito) iremos nos perguntar: aonde estávamos? O que fizemos para impedir que a câmara dos deputados aprovasse  a reforma? Por que não nos manifestamos? Por que não tomamos as ruas? Por que não colocamos fogo no congresso?

Diante dessas questões não poderemos deixar de nos sentir culpado. E de fato somos – pagaremos um preço alto por isso – e todos tem consciência. Por isso que ninguém se emocionou nas ruas como o presidente da Câmara – o deputado Rodrigo Maia (DEM). Por isso ninguém comemorou (como se a seleção brasileira de futebol fizesse um gol numa final de copa do mundo) como o ministro da Casa Civil – Onyx Lorenzoni. Por isso não houve fogos – nem mesmo por parte dos trabalhadores que tem alguma ilusão com o governo Bolsonaro. 

O clima de comemoração por parte dos trabalhadores ficou só na propaganda do governo. Mas não são pessoas reais. Trata-se apenas de uma peça publicitária com o objetivo de convencer a população de que as mudanças são para o bem da nação. No entanto, sabemos bem, a propaganda do governo (como é a propaganda de todos os governos) omite a essência do projeto para poder manipular a opinião pública. 

Com isso, mais do que nunca a música “propaganda” do Sepultura faz sentido: “Don’t, don’t believe what you see. Don’t, don’t believe what you read. No!” (Não acredite no que você vê. Não acredite no que você lê. Não!). E a reação da população diante do teatro  na câmara dos deputados (que tende a se repetir no senado) mostra que a propaganda do governo tem convencido muito pouco – por isso não houve fogos de comemoração.

Mas se não houve fogos comemorando a aprovação da reforma da previdência na câmara dos deputados, também não teve grandes  protestos, paralisações e manifestações nas ruas. O que houve foi uma espécie de indiferença – uma indiferença que contribuí mais ainda para que a reforma da previdência seja aprovada no senado sem maiores resistência. E também para que o governo e o congresso tenham se animado na direção de uma reforma tributária (claro, patrocinada pelas elites econômicas).

É, a nossa indiferença  talvez seja o elemento que fez do dia seis de agosto de dois mil e dezenove um dia histórico marcante – mais do que a aprovação da reforma da previdência em si. Afinal de contas, as vezes, o pior não é perder. Mas como se perde. E não há pior derrota (pelo menos na minha visão) do que aquela que perdemos sem lutar até o último segundo – o que foi feito pela bancada de oposição, e é preciso reconhecer. Óbvio dentro do limite que o parlamento permite. De modo que não dá para colocar nas costas deles a responsabilidade pela derrota – eles fizeram o possível e conseguiram reverter alguns pontos que tornavam a reforma ainda mais dura.

Agora é preciso perguntar: Onde estavam as centrais sindicais? Os sindicatos? Os movimentos sociais? Onde estávamos? O que fizemos no dia seis de agosto de dois mil e dezenove? Por fim, outra questão que não podemos deixar de fazer é: Ainda é possível reverter a derrota no senado? Possível é, mas as perspectivas não são animadoras. Sobretudo porque enquanto continuarmos afetados pela indiferença (numa espécie de estado de letargia) não teremos capacidade de agir para reverter qualquer situação. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

terça-feira, 6 de agosto de 2019

Eh Tocantins

Quando achamos que chegamos no fundo do poço é que percebemos que o poço não tem fundo. Sobretudo quando falamos das figuras políticas desse estado. Quanta mediocridade camaradas, quanta mediocridade. A bola da vez - Siqueira senador. Isso mesmo, você não leu errado. Siqueira Campos (suplente de senador) assumiu a vaga após o afastamento de Eduardo Gomes. 

Tudo não passa de um grande espetáculo já que na prática nada mudará para o povo tocantinense a não ser que sua presença no senado abaixa o nível político de representação do Tocantins que já não é lá essas coisas. Não ficará no senado por muito tempo, é verdade. Mas o suficiente para falar suas asneiras como a defesa da criação de mais estados e o combate a corrupção – asneiras por que combater a corrupção foi tudo o que ele não fez quando governou o Tocantins. E defender a criação de novos estados no momento político de redução da estrutura estatal é coisa de quem parou no tempo.

E Siqueira há muito tempo parou no tempo. Aja visto que no seu último mandato de governador – um mandato marcado por crises políticas, denúncias de corrupção e baixa popularidade – acabou por renunciar, saindo então pela porta de trás do Palácio Araguaia. Mostrando claramente a incapacidade politica de governar num contexto em que não tem o total dominio das forças políticas como no período da União do Tocantins  (UT).

Esse é um episódio que não pode ser esquecido ainda mais por que há um esforço daqueles que buscam beatificar sua figura, de apagá-lo de nossas memórias. Assim também como seus mandatos anteriores, onde governava com mão de ferro perseguindo sem nenhum pudor qualquer um que se opusesse a sua poderosa organização política – UT. Um período marcado por uma visão paternalista do Estado. 

Diante disso tem sentido a prefeita de Palmas – Cíntia Ribeiro – se referir a Siqueira como pai dos Tocantinenses . Pois é assim que ele se sente e assim que muitos o vêem. O que é lamentável pois o paternalismo nada tem de positivo. Em se tratando de política, se caracteriza pelo autoritarismo disfarçado pelo discurso da proteção. Mais ou menos assim: - faça o que eu mando que ti protejo. Ou ainda – Aos amigos as benesses do poder e aos inimigos o rigor da lei. Era assim que as coisas funcionavam no Tocantins nos governos Siqueira, sobretudo no auge da UT.

Mas isso tende a ser esquecido numa espécie de projeto de beatificação pelo qual Siqueira vem passando. O que ficou claro nas declarações de vários políticos locais e da repercussão na imprensa regional. Aliás, a repercussão em torno da posse de Siqueira no senado tanto por parte de políticos de diferentes partidos como dos veículos de imprensa regional mostra o quanto o paternalismo está arraigado na nossa cultura. Inclusive em figuras femininas como Cíntia, Kátia e Dorinha. Paternalismo que era uma das características da UT – que foi o berço político de muito dessas figuras – que carregam no seu DNA político essa característica paternalista.

Mas apesar de toda a repercussão  (apenas a nível regional pois a nível nacional pouco ou nada se falou – o que mostra bem o peso político do velho Siqueira ) a maioria da população tocantinense não recebeu a notícia com o mesmo entusiasmo de alguns dos nossos representantes políticos.  E o motivo? É por que, como já dissemos no início, efetivamente nada mudará para população no seu dia a dia. Agora para o velho Siqueira sim.

Para o velho Siqueira é uma espécie de volta por cima após ele ter deixado o Palácio Araguaia pelas portas do fundo ao renunciar o mandato de governador. Pois afinal de contas terminar a  trajetória política como senador é muito diferente de terminar renunciando um mandato de governador. Num processo de beatificação não há desfecho melhor. Diante disso só nos resta resmungar: - eh Tocantins, eh Tocantins. 

Por Pedro Ferreira Nunes  - Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Na falta de um assunto melhor.... ou desculpas para dar algumas dicas.

Sentei diante do computador com o objetivo de escrever alguma coisa – como faço quase todos os dias a tarde. Assim como outras vezes não tinha nenhum assunto definido. Mas sei que a página em branco diante de mim é  um fator de estímulo para que eu escreva algo. Tudo é mais fácil quando sento para escrever já com um assunto definido. Mas fazer o que?! Foi então que me veio a ideia de escrever um texto sem assunto. Dai saiu isso, que no final das contas me pareceu um texto de dicas diversas.

E chega ao fim a temporada de praias

O que para mim não faz a mínima diferença pois ao contrário de boa parte das pessoas que moram por essas bandas não gosto da temporada de praias. O problema não é nem tanto as praias, mas as pessoas. Muito barulho,  muita agitação – coisas que não me atraem nem um pouco – a não ser numa manifestação ou num mutirão. Não sendo esses o caso prefiro ficar em casa lendo, escrevendo, cuidando das plantas e ouvindo  rock in roll.

Leituras

É um hábito diário. Leio de tudo – poesia, contos, romances, crônicas, ciências humanas e filosofia. Se bem que ultimamente a filosofia tem prevalecido. Geralmente gosto de ler pela manhã, escrevo durante a tarde e a noite descanso. Entre leituras e releituras algumas obras que li nos últimos meses destacaria “Vigiar e punir” do Michel Foucault, “As ideias estéticas de Marx” do Adolfo Sánchez Vásquez e “O Marxismo na batalha das idéias” do Leandro Konder. 

Li também uns artigos interessante na revista do departamento de filosofia da USP dos quais destacaria – “Arte, critica e crítica como arte – acerca do conceito de crítica em F. Schlegel e Novalis” do Márcio Seligmann-Silva, “A crise do drama em eles não usam Black Tie: Uma questão de classe” da Iná Camargo Costa, e “Macunaíma ou o mito da nacionalidade” do Urias Arantes. 

Também tenho feito leituras no ambiente virtual, sobretudo no “Blog da Boitempo”, no “Correio da Cidadania” e no “El país”. Neste último, especialmente a sessão de filosofia na versão em espanhol. Uma questão interessante que a gente percebe lendo essa sessão do El país é a diferença do tratamento que a filosofia tem na Europa em relação ao Brasil. É um espaço também onde podemos descobrir filósofas e filósofos de diferentes nacionalidades produzindo coisas interessantes. Alguns que eu não conhecia e me chamaram atenção como: Gianni Vatimo (Itália), Jason Stanley (EUA), Agnes Callard (EUA), Adela Cortina (Espanha), Dario Sztajnszrajber (Argentina), Peter Sloterdijk (Alemanha) e Bruno Latour (França).

Escrever 

O que não me falta é ousadia quando o negócio é escrever. Ouso fazer poesia, crônicas, contos, romance, artigo de opinião, resenhas, artigos científicos, análise de conjuntura e por aí vai. E um pouco dessa minha produção literária um tanto diversificada pode ser conferida no meu antiblog “Das barrancas do rio Tocantins” o qual busco manter atualizado pelo menos com um novo conteúdo uma vez por semana. Aos que se interessarem podem também encontrar coisas minhas em outros ambientes virtuais – pesquisem que encontraram. 

Minha rotina de escrever é de pelo menos 4h diárias em cinco dias da semana. E como resultado desse exercício diário produzo muito, ainda que nem tudo é publicado (até por que quantidade não significa qualidade). Algumas coisas, sobretudo prosa ficcional fica um tempo maturando. Passado esse período de maturação retomo, dou mais uma trabalhada – se achar necessário, daí publico.  Mas tem textos que não tem jeito – se  não são bons para mim, imagine para os outros. 

Nesse último mês escrevi alguns textos que pretendo publicar até o final do ano no meu antiblog, juntamente com outros que com certeza virão da conjuntura política bastante agitada que temos pela frente. Dos que estão para ser publicado destacaria um que trata sobre a discussão para a construção de um novo código florestal do Tocantins, outro sobre o Siqueira Campos no Senado, uma análise do livro “Vigiar e punir” do Michel Foucault, uma reflexão sobre o álbum “Crônicas do Post Mortem” do Matanza Inc, além de poemas, contos e crônicas acerca de questões do meu cotidiano.

Música 

Nos últimos meses, 90% do que ouço é rock in roll. E em se tratando de rock, 90% do que ouço é de bandas e artistas das vertentes mais pesadas. Entre as nacionais destacaria: Ratos de Porão, Sepultura, Inocentes, Cólera e Matanza. Já as internacionais: Motorhead, Metallica, Sex Pistols, Ozzy Osborne e Brujeria. Como podem perceber nenhuma novidade pois todas essas bandas já tem uma longa trajetória no cenário musical.

O que não significa que elas pararam no tempo, pelo contrário, as que ainda estão na ativa, nos seus últimos trabalhos, mostraram que estão no auge criativo – Não vivendo apenas do que já produziram  no passado. Só para dar alguns exemplos, destacamos os álbuns “Machine Messiah” do Sepultura, “Bad Magic” do Motorhead, “Século Sinistro” do Ratos de Porão, “Cidade Solidão” do Inocentes e “Crônicas do Post Mortem...” do Matanza Inc.

Aliás, “Crônicas do Post Mortem...” tem sido o que mais tenho ouvido nesse último mês. Com um novo vocalista (Vital Cavalcante) e Inc no nome a banda mantém seu DNA, mas com um som mais sujo e pesado. Gostei tanto do trabalho que até me motivei a escrever uma reflexão sobre o mesmo. Uma reflexão não do ponto de vista musical, já que não sou músico ou um estudioso do assunto, mas dos personagens incríveis que o Donida nos apresenta nas suas composições, fazendo uma relação com a filosofia Niestcheana.

Bem, é isso camaradas. Para quem não sabia o que escrever até que escrevi muita coisa. Mas paremos por aqui. O que começou como um texto sem assunto se converteu numa desculpa para dar  dicas – que você provavelmente irá ignorar. E não lhe tiro a razão. Afinal de contas sou uma pessoa de esquerda, e para o filósofo britânico Roger Scruton, pessoas de esquerda não são normais.

Pedro Ferreira Nunes – é “apenas um rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior”. 

quarta-feira, 26 de junho de 2019

Um conto junino

Numa noite de São João

“A saudade cada dia mais me dói no coração...”.
Elomar

Era noite de lua bonita – ao som da sanfona, do zabumba, do pandeiro e do triângulo os casais dançavam um forrózin pé de Serra. Outros ao pé da fogueira buscavam se aquecer do frio. Mas nada mais aquecia ele do que o olhar dela. 

Eles estavam a cada dia mais apaixinados um pelo outro e não era fácil esconder isso de todos naquela pequena cidade. Mas era preciso pois tratava-se de um amor proibido – Ela era casada. 

É verdade que não vivia um dos melhores momento daquela relação, mas trair o marido ou abandoná-lo, não passava por sua cabeça. Ou melhor, até que passava, mas o que seria dela naquela cidade pequena e conservadora. Sem fazer nada já estava na boca do povo e se fizesse então?!

Ele não era um cara belo, não tinha posses, mas não lhe faltava pretendes. No entanto ele só tinha olhos para ela. Ainda que soubesse que aquela flor tão bela já mais seria dele.

Mesmo com todos os obstáculos eles não conseguiam deixar de se gostarem. Mesmo diante de todo o disse me disse eles não conseguiam deixar de se verem. Pois se era uma tortura para eles estarem juntos e não poder se tocarem, se entregarem ao desejo dos seus corpos, tortura maior era não se verem.

Alguns diziam – se não aconteceu nada ainda, é apenas questão de tempo. Cedo ou tarde eles acabaram ficando. Pois a química entre os dois era nitroglicerina pura. Ainda mais naquelas frias madrugadas de junho do Lajeado, sob o espetáculo do céu estrelado e o clima de romance no ar trazido pelas festas juninas.

Mas quem teria coragem de tomar a iniciativa? Quem teria coragem de se declarar? Quando consumariam o que já colocavam em suas contas?

Ora, se todos dizem que estão fazendo, por que não fazer? Por que ele era um covarde. Não tinha coragem de tomá-la em seus braços, beijá-la e levá-la para a cama.

Ele tentava justificar para si mesmo sua covardia. Dizia que não tinha totalmente certeza do amor dela por ele. Também dizia que não iria estragar a vida dela por causa de uma aventura amorosa. Acreditava não ter o direito de destruir o casamento dela sem ter condição de lhe oferecer nada em troca além de alguns momentos de prazer na cama.

- Mas se não for você será outro. Pensava ele consigo. - Que seja então, eu não serei. Não carregarei esse peso em minha consciência. E ele ficava com ódio de si mesmo por essa conclusão.

Ela queria muito ficar com ele, pelo menos uma noite. Mas sabia que não seria fácil – Não por medo do marido, se caso este  descobrisse, ou do que o povo pudesse falar além do que já falavam. Mas por uma barreira que eles mesmos criaram que era difícil transpor.

Para que algo diferente pudesse acontecer entre eles aquela barreira precisava ser superada. E tinha que ser naquela noite de São João – a última noite de festa junina no arraiá de Lajeado. 

Ela decidiu que não passaria daquela noite. O marido havia ido para a fazenda, e ela dormiria só em casa. Precisava criar uma situação para ficar sozinha com ele. E então teria coragem de tomar a iniciativa.

- Você me leva em casa? Não quero ir sozinha, estou com medo.

- Seu marido não esta lá?

- Não, tá para fazenda.

Ele ficou sem palavras. Sabia o que aconteceria se fosse levá-la em casa. Não havia mais dúvida que ela quisesse ficar a sós com ele – e não era para tomar café e conversar sobre a situação política da cidade.

Ela poderia escolher qualquer outro conhecido ou conhecida para levá-la em casa. Mas optou por ele, mesmo sabendo do que não falariam ao saírem juntos dali. Ele sabia bem por que. Agora estava nas suas mãos decidir como aquela noite de São João numa fria madrugada do mês de junho em Lajeado iria terminar.

As quadrilhas dançam alegremente sob o olhar atento do público. – É, o arraiá de Lajeado já não é como fora outrora. Pensava ele consigo. Entre tantos rostos conhecido um lhe chamou atenção, e lhe trouxe na memória velhas lembranças. Era ela, aquela que foi sua grande paixão na juventude.

Ela estava ao lado do marido observando com alegria a quadrilha a dançar, especialmente um jovem que provavelmente era seu filho. – É, o tempo passa de pressa. Pensava ele consigo. Já se vão 15 anos desde aquela noite de São João – ele já não era ele, ela já não era ela.

Por um momento ele imagina o que teria acontecido se há quinze anos tivesse ido levá-la em casa como ela havia lhe pedido – o que teria acontecido se ele não tivesse ficado com medo e pedido para um casal de amigos acompanha-la. É, isso nunca saberia. E não se lamentava por isso, pois nunca se arrependeu das escolhas que fizera.

Mas enquanto tomava o seu conhaque não podia deixar de lembrar daquela noite há 15 anos, do quanto sofreu para tomar a decisão de não acompanha-la em casa, de se afastar dela – o que só foi possível com ele indo morar em outra cidade, em outro Estado.

Ele agora estava de volta, não sabia por quanto tempo. Pois o amor que adquirira pela vida aventureira logo lhe levaria a pegar a estrada em busca de novas aventuras.

Por um momento seus olhares se cruzaram e por alguns segundos foi como se eles voltassem no tempo – lá para aquela noite de São João há 15 anos atrás. Mas logo tiveram que voltar a realidade pois afinal de contas todo São João tem seu fim.

Por Pedro Ferreira Nunes – “um rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior”.