quarta-feira, 26 de junho de 2019

Um conto junino

Numa noite de São João

“A saudade cada dia mais me dói no coração...”.
Elomar

Era noite de lua bonita – ao som da sanfona, do zabumba, do pandeiro e do triângulo os casais dançavam um forrózin pé de Serra. Outros ao pé da fogueira buscavam se aquecer do frio. Mas nada mais aquecia ele do que o olhar dela. 

Eles estavam a cada dia mais apaixinados um pelo outro e não era fácil esconder isso de todos naquela pequena cidade. Mas era preciso pois tratava-se de um amor proibido – Ela era casada. 

É verdade que não vivia um dos melhores momento daquela relação, mas trair o marido ou abandoná-lo, não passava por sua cabeça. Ou melhor, até que passava, mas o que seria dela naquela cidade pequena e conservadora. Sem fazer nada já estava na boca do povo e se fizesse então?!

Ele não era um cara belo, não tinha posses, mas não lhe faltava pretendes. No entanto ele só tinha olhos para ela. Ainda que soubesse que aquela flor tão bela já mais seria dele.

Mesmo com todos os obstáculos eles não conseguiam deixar de se gostarem. Mesmo diante de todo o disse me disse eles não conseguiam deixar de se verem. Pois se era uma tortura para eles estarem juntos e não poder se tocarem, se entregarem ao desejo dos seus corpos, tortura maior era não se verem.

Alguns diziam – se não aconteceu nada ainda, é apenas questão de tempo. Cedo ou tarde eles acabaram ficando. Pois a química entre os dois era nitroglicerina pura. Ainda mais naquelas frias madrugadas de junho do Lajeado, sob o espetáculo do céu estrelado e o clima de romance no ar trazido pelas festas juninas.

Mas quem teria coragem de tomar a iniciativa? Quem teria coragem de se declarar? Quando consumariam o que já colocavam em suas contas?

Ora, se todos dizem que estão fazendo, por que não fazer? Por que ele era um covarde. Não tinha coragem de tomá-la em seus braços, beijá-la e levá-la para a cama.

Ele tentava justificar para si mesmo sua covardia. Dizia que não tinha totalmente certeza do amor dela por ele. Também dizia que não iria estragar a vida dela por causa de uma aventura amorosa. Acreditava não ter o direito de destruir o casamento dela sem ter condição de lhe oferecer nada em troca além de alguns momentos de prazer na cama.

- Mas se não for você será outro. Pensava ele consigo. - Que seja então, eu não serei. Não carregarei esse peso em minha consciência. E ele ficava com ódio de si mesmo por essa conclusão.

Ela queria muito ficar com ele, pelo menos uma noite. Mas sabia que não seria fácil – Não por medo do marido, se caso este  descobrisse, ou do que o povo pudesse falar além do que já falavam. Mas por uma barreira que eles mesmos criaram que era difícil transpor.

Para que algo diferente pudesse acontecer entre eles aquela barreira precisava ser superada. E tinha que ser naquela noite de São João – a última noite de festa junina no arraiá de Lajeado. 

Ela decidiu que não passaria daquela noite. O marido havia ido para a fazenda, e ela dormiria só em casa. Precisava criar uma situação para ficar sozinha com ele. E então teria coragem de tomar a iniciativa.

- Você me leva em casa? Não quero ir sozinha, estou com medo.

- Seu marido não esta lá?

- Não, tá para fazenda.

Ele ficou sem palavras. Sabia o que aconteceria se fosse levá-la em casa. Não havia mais dúvida que ela quisesse ficar a sós com ele – e não era para tomar café e conversar sobre a situação política da cidade.

Ela poderia escolher qualquer outro conhecido ou conhecida para levá-la em casa. Mas optou por ele, mesmo sabendo do que não falariam ao saírem juntos dali. Ele sabia bem por que. Agora estava nas suas mãos decidir como aquela noite de São João numa fria madrugada do mês de junho em Lajeado iria terminar.

As quadrilhas dançam alegremente sob o olhar atento do público. – É, o arraiá de Lajeado já não é como fora outrora. Pensava ele consigo. Entre tantos rostos conhecido um lhe chamou atenção, e lhe trouxe na memória velhas lembranças. Era ela, aquela que foi sua grande paixão na juventude.

Ela estava ao lado do marido observando com alegria a quadrilha a dançar, especialmente um jovem que provavelmente era seu filho. – É, o tempo passa de pressa. Pensava ele consigo. Já se vão 15 anos desde aquela noite de São João – ele já não era ele, ela já não era ela.

Por um momento ele imagina o que teria acontecido se há quinze anos tivesse ido levá-la em casa como ela havia lhe pedido – o que teria acontecido se ele não tivesse ficado com medo e pedido para um casal de amigos acompanha-la. É, isso nunca saberia. E não se lamentava por isso, pois nunca se arrependeu das escolhas que fizera.

Mas enquanto tomava o seu conhaque não podia deixar de lembrar daquela noite há 15 anos, do quanto sofreu para tomar a decisão de não acompanha-la em casa, de se afastar dela – o que só foi possível com ele indo morar em outra cidade, em outro Estado.

Ele agora estava de volta, não sabia por quanto tempo. Pois o amor que adquirira pela vida aventureira logo lhe levaria a pegar a estrada em busca de novas aventuras.

Por um momento seus olhares se cruzaram e por alguns segundos foi como se eles voltassem no tempo – lá para aquela noite de São João há 15 anos atrás. Mas logo tiveram que voltar a realidade pois afinal de contas todo São João tem seu fim.

Por Pedro Ferreira Nunes – “um rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior”. 

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