sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Memórias de uma luta

Recebi a missão dos companheiros da coordenação dos movimentos que ocuparam a superintendência regional do INCRA em Goiás de ficar responsável pela assessoria de comunicação dessa ação. Com isso o camarada Zelito do Movimento Terra Livre, organização da qual eu também fazia parte – Deu a ideia de fazermos o diário da ocupação para divulgarmos o dia a dia na ocupação e as ações que iriamos realizar, pois com o passar dos dias a ação tenderia a cair no esquecimento, sobretudo pelos veículos oficiais de comunicação, com o diário manteríamos a ocupação em pauta.

A ideia inicial era que fizéssemos os relatos coletivamente, mas já nos dois primeiros houve grande dificuldade para reunir todo mundo, sobretudo por que sempre havia outras atividades e problemas que surgiam que o núcleo dirigente precisava resolver. Por tanto acabou ficando para mim a responsabilidade de fazer os relatos que sempre quando era possível eu submetia ao crivo de alguns camaradas.

O diário foi uma ação muito importante para divulgar a nossa luta e para que também conseguíssemos apoio de diversas organizações da classe trabalhadora. Os relatos foram reproduzidos em diversos sites e blogs de norte a sul do país, assim como chegou a nossas mãos diversas manifestações de apoio graças às informações que passávamos através do diário, o que com certeza contribuiu para que fizéssemos a maior ocupação do INCRA-GO.  E mesmo com o boicote da grande mídia na maior parte do tempo que ficamos acampados no INCRA, conseguimos manter o Brasil informado do que se estava passando em Goiânia.

Quando comecei escrever era como estivesse fazendo uma nota à imprensa, mas ao longo dos dias o mesmo foi ganhando um caráter mais eloquente e emotivo, sobretudo por que a imprensa estava se lixando pelo que nós estávamos fazendo lá dentro. A não ser se fizéssemos como defendia um companheiro da direção – Tocássemos fogo em umas caminhonetes do governo, dai a imprensa apareceria para nos chamar de vândalos e com eles a policia para nos reprimir.

Por fim o caráter do diário foi mudando, já não era um informativo meramente, queríamos trazer o leitor para dentro da ocupação com a gente, para que ele se sentisse parte dela, para que ele pudesse sentir o clima em que vivíamos – Nossas angustias, tristezas, esperanças e alegrias.

Lembro-me de uma ligação que recebi de uma senhora que morava em um assentamento no vale do Araguaia – Ela disse que havia lido o diário e tinha se emocionado com o nosso exemplo de força e resistência. Lamentava por não poder esta conosco na ocupação, pois não tinha como largar seu lote. E pediu para que eu agradecesse a todos, pois sabia que estávamos lutando por todos os acampados e assentados de Goiás independente do movimento que faziam parte; Que eu desse um grande abraço e falasse que ela estaria rezando por nós, pela nossa vitória.

Esse telefonema foi uma grande injeção de animo para que eu continuasse escrevendo o diário, pois não era simples achar um tempo para escrevê-lo, já que eu tinha outras tarefas na ocupação bastante cansativas.

Alguns companheiros chegaram a dizer que não era bom escrever o diário, pois dávamos muita informação a cerca do que iriamos fazer e assim os nossos inimigos sempre sabiam do nosso próximo passo. Já outros elogiavam, pois o nosso exemplo de luta e resistência inspirava muita gente e por outro lado conseguíamos furar o bloqueio da mídia, conseguir apoio do Brasil todo e nos blindarmos contra qualquer ação truculenta por parte das autoridades.

Reorganizar esses relatos é resgatar a memoria e o exemplo dessa importante luta do movimento campesino por reforma agrária em Goiás, sobretudo em um período em que os que bravamente continuam resistindo e persistindo na luta por reforma agrária não tem o que comemorar. Assim espero que esse relato possa inspirar, sobretudo a juventude camponesa a continuar a tão importante e necessária luta por reforma agrária em Goiás e em todo o Brasil.

Pedro Ferreira Nunes
Baixar livro no link:  "A nossa luta é pra vencer..."

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