“A fraude é só o que sustenta o sistema legal,
É fato, não é boato, não li no jornal.”
Matanza
Os discursos dos envolvidos nas denúncias desencadeadas pelo site Intercept acerca do envolvimento direto (orientando o ministério público) do então juiz Sérgio Moro no processo de investigação contra o ex-presidente Lula, me fez recordar um documentário em que o filósofo esloveno Slavoj Zizek faz análises dos discursos ideológicos no cinema. Especialmente do filme Batman – o cavaleiro das trevas. Onde ele nos chama atenção para a mentira como elemento importante na manutenção do sistema legal.
No filme dirigido por Christopher Nolan (2008) a mentira é o principal elemento (chegando a um nivel de principio social) utilizado pelas autoridades de Gotham City para pegar o grande vilão – Coringa. O promotor público Harvey Dent mente ao assumir a identidade do homem morcego, o comissário da Polícia – Gordon – fingi sua morte. E o Batman assume os crimes cometidos pelo promotor público na sua busca implacável por pegar o vilão e fazer justiça. A ideia é que para fazer justiça, sobretudo quando se enfrenta determinados inimigos, é necessário ignorar alguns princípios éticos e morais.
Foi o que fez Bush (o filho) na sua guerra ao terror após os ataques as torres gêmeas em Nova York. Sobretudo no episódio de invasão do Iraque que culminaria na queda de Sadan Hussein. Quem não se lembra do discurso de Bush (então presidente do EUA) e do primeiro-ministro britânico Tony Blair afirmando nos seus respectivos parlamento a existência de armas químicas no território iraquiano para justificar a invasão militar?! A existência dessas armas mostrou ser uma grande mentira. É a partir daí que Zizek dirá que a mentira é utilizada para manter a ordem e como política de defesa de uma sociedade.
A população em geral precisa acreditar no funcionamento democrático das instituições – e se tratando do judiciário, da sua neutralidade. Segundo o filósofo se a população tomasse consciência de como funciona os mecanismos institucionais, do que de fato representam – se tornariam incrédulos e deixariam de confiar neles. O que é perigoso para a ordem dominante. Por isso é preciso manipular a opinião pública – mentir sem pudor para que a população continue acreditando nas instituições democráticas – no sistema legal que é corrupto.
Sérgio Moro tem consciência disso e o seu discurso caminha nesse sentido. Ele chama atenção para o fato de que os ataques não é contra ele, mas sim contra as instituições – são as instituições que estão sendo atacadas ao se divulgarem a manipulação por trás de determinadas decisões judiciais, colocando em cheque o mito da neutralidade da justiça. E essa sangria precisa ser estancada o quanto antes para que a população não se rebele. Para tanto se tiver que ter mais manipulação da opinião pública e mais mentiras não tem problema, por exemplo, dizendo que o que foi dito não foi dito – colocando em questão a autenticidade dos diálogos. A partir daí a idéia é mudar a estratégia do discurso – é preciso sair da defensiva e partir para ofensiva, sobretudo tendo passado o momento de perplexidade inicial diante do material divulgado pelo Intercept.
Começa-se a tirar o foco das fraudes cometidas pelo então juiz Sérgio Moro e os promotores da lava jato e passa se questionar a altencidade dos diálogos bem como a forma que foram adquiridos. Afinal de contas todos logo perceberam que Moro está correto ao falar que o que está na reta não é só o dele ou do Dallagnol, mas sim a legitimidade das instituições. Daí que o discurso tanto do executivo, do legislativo e do judiciário com o apoio da imprensa é que a operação lava jato deve ser protegida, pois questionar a sua legitimidade é questionar a legitimidade das instituições – do sistema legal.
É preciso também identificar e punir o responsável ou responsáveis por vazar os diálogos entre Moro e o grupo de promotores da lava jato para que se iniba ameaças de invasões e divulgações de conversas entre outras autoridades. Assim como está fazendo o governo Norte Americano e seus aliados contra Julian Assange que ousou através do WikiLeaks, divulgar os crimes (violação dos direitos humanos e utilização ilegal dos dados dos usuários) cometidos por esses governos.
Para Zizek, Assange “não está vigiando o povo para quem está no poder, ele está vigiando quem está no poder, para o povo”. É por isso que ele é um perigo para o status quo e deve ser tirado de circulação assim como outros que revelam as fraudes que sustentam o sistema legal.
A estratégia de Moro e o seu grupo aliado vem dando certo, até por que o grupo opositor, apesar das críticas ao judiciário, não ousa questionar o sistema legal. Não defende uma ruptura radical com a estrutura hegemônica. Pelo contrário, recorre a esse para tentar reverter determinadas decisões – o que dificilmente ocorrerá. Há não ser que haja uma postura mais radical contrária as fraudes cometidas por Sérgio Moro, Dallagnol e companhia. Inclusive apontando para uma desobediência ao sistema legal – o que também é improvável.
Por fim, enquanto isso não acontece, como diz uma canção do Matanza que descreve brilhantemente o espírito do nosso tempo (orgulho e cinismo), a fraude continuará sustentando o sistema legal. Sendo assim o status quo não poderia ter criado um herói melhor para representar esse sistema (Sérgio Moro) tal como Gothan City fez com Harvey Dent.
Por Pedro Ferreira Nunes - Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins.
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