segunda-feira, 16 de março de 2020

COVID-19: Esperança e Medo.

“Não há Esperança sem Medo, nem Medo sem Esperança”.
Baruch Spinoza

A medida que o novo coronavírus (Covid-19) avança por diversos países do globo, avança também o Medo. Aliás, o Medo chega antes, em grande  medida, por um excesso de informação que ao invés de informar, desinforma. E de medidas governamentais tomadas de forma improvisada. Mas o Medo não anda sozinho. Ele sempre vem acompanhado da Esperança – o problema é quando o Medo se torna desespero. E isso ocorre quando não há mais Esperança (há sempre alguém que aposta nisso, que lucra com isso).

Quem nos ajuda a compreender melhor a relação entre Medo e Esperança é o filósofo holandês Baruch Spinoza (1632-1677) na sua célebre obra publicada no ano da sua morte – “Ética demonstrada à maneira dos Geômetras” – onde ele define a Esperança como uma “Alegria inconstante, originada da idéia de uma coisa futura ou passada, cuja ocorrência duvidamos até certo ponto”. E o Medo por sua vez como “uma Tristeza inconstante, originada da idéia de uma coisa futura ou passada, cuja ocorrência duvidamos até certo ponto” (2014, p. 65).

Por essas definições percebemos uma ligação entre esses dois afetos que tem como característica a dúvida acerca de algo que aconteceu ou acontecerá – dúvida que leva a uma inconstância dos afetos de Alegria e de Tristeza, já que não há uma certeza se aquilo pelo que se espera irá de fato acontecer. Por outro lado também não há uma certeza de que não vai acontecer. É por isso que para Spinoza (2014, p. 57) “não há Esperança sem Medo, nem Medo sem Esperança”. Analisemos essa afirmação a partir da crise com o novo coronavírus.

Há a Esperança de que se controle a expansão do novo coronavírus,  tanto através de ações individuais, como um maior cuidado com a higiene pessoal. Como também com medidas coletivas, como suspensão das aulas nas escolas e a realização de eventos públicos. Mas como não há certeza que essas medidas serão suficientes, essa Esperança vem acompanhada do Medo. A partir dai o Medo pode prevalecer. Mas se isso acontecer, ele também trará consigo a Esperança de que mesmo num cenário difícil possa acontecer um milagre e assim todos voltariam a vida “normal”.

De acordo com Spinoza  (2014, p. 65) “quem depende da Esperança, tem dúvida sobre a ocorrência da coisa e também imagina algo que exclui a existência futura de tal coisa; nesta medida ele também se entristece. Consequentemente, quem depende da Esperança, teme que a coisa não aconteça. Por outro lado, quem tem Medo, isto é, quem tem dúvida da ocorrência daquilo que odeia, também imagina algo que exclui a existência de tal coisa e, portanto também se alegra e, consequentemente tem esperança que a coisa não ocorra” (2014, p. 65). Em suma, por um lado temos Esperança que se descubra uma forma de controle do avanço do novo coronavírus e isso nos alegra, mas como nada garante que esse controle de fato funcionará, nos entristecemos.

Para Spinoza (2014, p. 57) “qualquer coisa pode ser, por acidente, causa de Esperança e de Medo”. Sendo que as “coisas que são por acidente causa de Esperança e de Medo são chamadas de bons ou maus presságios. E como estes presságios são causa de Esperança e Medo, são também causa de Alegria e Tristeza”. Quando é causa de Alegria, amamos. E quando é causa de Tristeza, odiamos. Em ambos os casos “nos esforçamos, seja para empregá-los como meios para as coisas que esperamos, seja para removê-los enquanto obstáculos ou causas de Medo”. Esse esforço faz parte da natureza humana que é constituída de tal forma “que facilmente acreditamos nas coisas que esperamos e dificilmente acreditamos nas coisas que tememos” (2014, p. 57).

Essa é uma característica, que segundo Spinoza, nos leva a acreditar em discursos supersticiosos. No caso da pandemia da COVID-19 temos coisas nesse sentido como: isso é “coisa de satanás”, “invenção da mídia”, “arma para matar militante anticomunista”, entre outros.

Mas há o elemento que Spinoza denomina de flutuações da alma – que faz com que um afeto se transforme em outro – assim como o Amor pode se tornar Ódio, a Esperança pode se tornar Medo.

No caso do novo coronavírus é possível perceber claramente essa flutuação de afetos – da Esperança para o Medo – a medida que a realidade vai se impondo com os casos de contaminação acontecendo cada vez mais próximos de nós e os números de óbitos aumentando. E do Medo para Esperança – quando buscamos agir racionalmente diante dessa situação.

E ai está um ponto importante, pois dependendo de como agimos podemos ir da Esperança para Segurança ou do Medo para o Desespero – o que ocorre, segundo Spinoza, “quando é removida a causa da dúvida sobre a ocorrência da coisa em questão” (2014, p. 65). E se tratando da COVID-19, quando isso ocorrer, e cedo ou tarde ocorrerá, a Esperança dará lugar a Segurança. Mas, por outro lado também pode ocorrer o contrário – podemos ir do Medo ao Desespero. E isso precisamos evitar pois o Desespero nos faz agir de forma irracional. E agir irracionalmente é tudo que “líderes supersticiosos”, “mercadores da saúde” e as elites econômicas esperam de nós, pois assim poderão lucrar mais e mais e mais.

Pedro Ferreira Nunes – É Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins.

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Referência:

Spinoza, Baruch. Ética demonstrada a maneira dos geometras. Tradução: Roberto Brandão. Disponível em: https://www.passeidireto.com/arquivo/6574573/93539070-baruch-spinoza-etica-demonstrada-a-maneira-dos-geometras-pt-br/18. Acesso em: 15 Mar., 2020.

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