quinta-feira, 10 de março de 2022

O conto “a morte da porta-estandarte” e a violência contra a mulher


Numa noite de Carnaval um homem colérico de ciúmes assassina a sua namorada – uma jovem porta-estandarte, ainda na flor da idade. Esse é o enredo do conto “a morte da porta-estandarte” (1967) do escritor Aníbal Machado. “Que maldade matarem uma moça assim, num dia de alegria! Será possível?... Questiona uma personagem. Enquanto outra responde: - “Mas mataram, sim senhora, garanto que mataram!...”. E continuam matando, seja na rua, numa noite de carnaval, indo para faculdade, no trabalho, em casa, pois a violência contra a mulher é um problema que persiste na nossa sociedade. Como se explica essa violência? Como combate-la? São questões que pretendemos responder nessas breves linhas. 

Não precisaríamos ir na ficção para exemplificar casos de violência contra a mulher. É só abrir o noticiário que temos diariamente um leque de opções. Na maioria das vezes, tal como no conto do Aníbal Machado, o agressor é alguém do seio familiar. Mas ao contrário de uma notícia fria, no conto somos levado para dentro da estória. Vemos o agressor ser tomado pelo ciúmes, sentimos a aflição das mães ao imaginar que a vítima pode ser sua filha. E aí temos um aspecto importante – quantas mulheres submetidas a relacionamentos abusivos. O que nos leva a afirmar, se tratar de uma cultura – o patriarcalismo – uma cultura que prega a submissão da mulher. 

No conto, o agressor, como se fosse proprietário da namorada, proíbe-a de sair para desfilar. O que aparentemente pode parecer amor, é na verdade um comportamento patológico que vê no outro um objeto que deve satisfazer as suas vontades. Quando esse desejo é contrariado apela-se para violência – essa violência é muitas vezes justificada pela cultura patriarcal. 

Cultura Patriarcal

Ao longo da história foi se construindo uma visão de inferioridade da Mulher em relação ao homem. Essa visão foi inclusive justificada filosoficamente por pensadores como Aristóteles, Rousseau e Nietzsche. Como reflexo desse processo temos uma naturalização da desigualdade entre homem e a mulher. Enquanto o primeiro é tido como sujeito, a segunda é vista como um objeto. Justifica-se a partir daí a violência – que se torna estrutural sobretudo pela cultura, religião e educação (Lira, 2014). 

Nesse sentido ressaltamos a importante contribuição de Simone de Beavouir sobre a condição da mulher na sociedade. Sobretudo no que se refere ao papel da cultura. Nesse sentido Lima (2018), sobre o pensamento de Beavouir, destaca que “a diferença entre homens e mulheres não está diretamente conectada às questões biológicas, ou seja, a opressão e a exploração das mulheres estão associadas à história, às várias épocas de submissão feminina e a vontade dos homens de tomar o poder”.

Desse modo quando a nossa filósofa afirma que “não se nasce mulher, se torna mulher”. Ela não está negando as diferenças biológicas, mas sim ressaltando que a submissão da mulher pelo homem é uma construção histórica. Para mudar esse paradigma a união das mulheres é fundamental. É por essa contribuição que Beavouir tornou-se uma referência para o movimento feminista – que caminha no sentido da luta pelos direitos das mulheres. 

Muito se avançou na conquista de direitos e na ocupação de espaço na vida pública pelas mulheres. No entanto a violência e a desigualdade persiste. E persiste por que há uma forte resistência fundada num discurso moralista que naturaliza a violência contra a mulher. Voltando ao conto, certamente teriam aqueles que diriam: - Mas também ela desobedeceu o namorado. O que uma moça queria indo se “exibir” nesses trajes num bloco de carnaval?! É o típico discurso que vemos no dia a dia – que busca culpar a vítima ao invés do agressor. Temos aí um discurso moralista.

Nesse sentido é importante lembrar a crítica ao moralismo burguês feito por Marx e Engels no “Manifesto do Partido Comunista”. De acordo com nossos autores  (2008) a mulher é vista pela burguesia “como um mero instrumento de produção”. E nas suas relações íntimas a infidelidade é naturalizada. Óbvio, desde que seja por parte do homem. Podemos ver isso no conto “a morte da porta-estandarte” no trecho: - “por que não se incorporou ao seu bloco? É por que não está dançando? Há pouco passou uma morena que o puxou pelo braço, convidando-o? Era a rapariga do momento, devia tê-la seguido...”.

Enfim, a partir do conto “a morte da porta-estandarte” e das reflexões que trouxemos creio termos conseguido responder como se explica a violência contra a mulher – isto é, a partir de uma cultura patriarcal que vê a mulher como inferior ao homem, como um objeto. Em relação ao combate a essa violência acreditamos que a educação tem um papel primordial. Mas uma educação que rompa com a lógica dominante. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos.

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