terça-feira, 1 de agosto de 2023

A vida sem ela

Busco manter a mesma rotina de quando ela estava aqui. Levanto no mesmo horário. Organizo meu quarto, limpo a área, lavo a louça, molho as plantas. Cuido da casa como se a qualquer momento ela fosse chegar. Toda vez que ouço o alerta de uma mensagem no celular ou o toque de uma ligação lembro dela – da preocupação que ela tinha, quando não estava em casa, de saber como eu estava, assim como de me tranquilizar de como ela estava.

Tudo aqui lembra ela. E eu faço questão de não mexer em nada. Me dizem que seria melhor eu me mudar, seria mais fácil superar. Não sei não. Acho que ainda não estou preparado para deixar tudo para trás. Cuidar da casa, das coisas dela, é como se eu continuasse cuidando dela. Parece loucura, mas isso me conforta mais. Evito algumas fotografias, vídeos, as mensagens de voz dela que ficou no meu whatsApp. Mesmo assim há momentos que bate forte – quando a minha consciência me lembra que eu nunca mais terei sua companhia – há não ser as memórias do que vivemos.

Do que mais sinto falta é das nossas conversas – dos planejamentos que fazíamos. Dos sonhos infindáveis. – Ah, meu sonho era ter isso. Ah, o meu sonho era fazer aquilo. E lá ia eu realizar os desejos dela.

Nas minhas lembranças os últimos momentos dela são os mais presentes. Sempre vem na minha mente a nossa ida ao hospital e o desfecho final. Fico me questionando o que eu poderia ter feito de diferente para mudar aquele desfecho? Chego a me culpar, talvez se eu tivesse cobrado mais agilidade da equipe médica ou se, mesmo contra a vontade dela, tivessemos ido mais cedo buscar atendimento.  Mas busco não me prender a esse sentimento de culpa. Sei que fiz o que podia dentro das minhas possibilidades. E me tranquilizo em saber que poderia ter sido pior. Tenho certeza que se ela pudesse escolher uma forma de morrer seria aquela que não desse trabalho a ninguém. E assim foi.

Por outro lado, quando me lembro o quanto ela gostava da vida, de sair, de passear, de viajar, de conversar com as amigas – tinha muitas amizades (ao contrário de mim). Não tem como não lamentar. Sobretudo agora que ela tinha condição para tanto. Me lembro dela planejando de ir aos festejos do Senhor do Bonfim e depois para Goiânia conhecer a bisneta que havia nascido recentemente.

Se antes eu não era muito de sair de casa, agora sem ela muito menos. Continuo dando minhas corridas a tarde, varro regulamente as folhas do quintal e  mantenho a rotina do trabalho e do estudo – o que me ajuda a não ficar só pensando nela. A convivência na escola, sobretudo com os estudantes é um prazer. Eu realmente gosto de fazer o que faço. A leitura e a escrita também são coisas vitais para mim. Inclusive, escrever sobre ela.  

Através da escrita creio que me expresso melhor. Coloco no papel coisas que dificilmente falaria para alguém, a não ser para ela. E isso me faz bem. É como se fosse uma espécie de terapia. 

Enfim, assim tenho vivido sem ela. Creio que estou caminhando bem. Não sei até quando. As vezes falo para mim mesmo. – você não está bem e tudo bem. Se tem uma coisa que aprendi com a filosofia é encarar a realidade – que muitas vezes como uma dose de conhaque desce queimando.

Pedro Ferreira Nunes - in. Coletânea Simplesmente Amor, 2023.


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