A cena descrita acima é do seriado Hilda Furacão, produzido e exibido pela Rede Globo de Televisão em 1998. Dirigida por Wolf Maya, a obra é uma adaptação do romance homônimo escrito por Roberto Drummond, feito pela Glória Perez. Trata-se, na nossa análise, de uma das melhores obras da teledramaturgia brasileira a partir de um ponto de vista estético. Sem falar das questões que a obra suscita, sobretudo no campo da moralidade. De um lado temos Hilda – uma jovem de classe média que decide deixar para trás uma vida na alta sociedade e se entregar ao meretricio. Do outro Malthus – de origem humilde e que está sendo formado para o sacerdócio. Ou seja, temos aí um embate entre o moralismo cristão, sob influência platônica, que condena as paixões da carne. E uma perspectiva Nietzscheneana, que se opõem diametralmente a qualquer freio moral fundamentado na ideia de bem ou mal.
Para entendermos melhor essa questão voltemos um pouco na história de Hilda e Malthus. Ela abandona sua casa, e o noivo no altar, e vai parar na zona boêmia. Tornando-se a prostituta mais conhecida e desejada do lugar. Ele chega do interior para morar no seminário. Como pano de fundo temos nas ruas o embate entre direita e esquerda – nos momentos que antecede o golpe civil-militar de 1964. A zona boêmia vira alvo dos setores conservadores e ninguém melhor para liderar essa marcha do que um santo – é assim que Malthus é visto – como um santo.
É a partir daí que eles tem o primeiro encontro. E esse primeiro encontro, que se dá num clima de embate entre o bem e o mal. Acaba colocando a frente dois jovens que estão numa espécie de busca de autoconhecimento – apesar de se mostrarem, sobretudo ela, cientes do que querem. No fundo são apenas dois jovens que buscam se libertar da pressão social. O amor que surgirá dessa relação acaba fortalecendo tanto um como o outro nessa luta.
Inicialmente eles tentam negar e reprimir o que sentem um pelo outro. Afinal de contas é impensável o amor entre uma prostituta e um aspirante a santo. No entanto eles descobriram que o desejo é um afeto poderoso. E frea-lo não é tarefa fácil. Como era de se esperar, a iniciativa parte dela – que tem uma cabeça mais liberal. Ele mesmo com o peso de toda uma moral religiosa nas costas acaba não resistindo.
Para entendermos melhor o dilema de Malthus, as palavras de Nietzsche sobre a fé cristã, em Além do Bem e do Mal (2007, p. 62), é esclarecedora: “A fé cristã é, desde seus primórdios, sacrifício: sacrifício de toda independência, de toda altivez, de toda liberdade de espírito, ao mesmo tempo escravidão, auto-humilhação, automutilação”.
É nessa condição que Malthus se encontra. Desse modo, o amor por Hilda vem liberta-ló. Para ela o amor por ele também significa libertação – libertação da autopunição que ela se impõe. O fato é que no final das contas ela está submetida a moralidade cristã, tanto quanto ele.
Quando então Hilda e Malthus decidem ficar juntos – quando o desejo se impõe acima de qualquer moralidade – o desejo na perspectiva aristotélica, ou seja: como apetite do que é agradável. Acontece uma fatalidade – Malthus é preso acusado de subversão pelos militares – que acabam de dar o golpe. E Hilda parte dali acreditando que ele desistira dela.
E aqui voltamos para o nosso início. Quando parecia que a história de amor de Hilda e Malthus teria um final triste. Sobretudo para os milhões de espectadores que abraçaram os dois, passando inclusive por cima de suas concepções morais. Acontece o reencontro. E não poderia ser num lugar melhor. Numa manifestação – uma manifestação não só contra o regime político que governava o país, mas contra toda uma sociedade decadente. Desse modo a história de amor entre Hilda e Malthus se inseri no espírito daquele tempo onde setores significativos da população clamava por mudanças. Tanto ele como ela lembram que essa mudança começa dentro de nós.
Por Pedro Ferreira Nunes – um rapaz latino americano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in roll.
Nenhum comentário:
Postar um comentário