José
Porfírio
Por
Pedro Ferreira Nunes
Era a década de 50. O
camponês José Porfírio vivia com sua família no norte do estado de Goiás, o
município de Pedro Afonso (hoje estado do Tocantins). A vida por ali não era
fácil, José Porfírio trabalhava para sustentar sua família em terras alheias,
no entanto o seu sonho era ter o seu próprio pedaço de chão para produzir e
viver dignamente.
Foi então que ele ficou
sabendo de um tal programa do governo federal que estava dando terras para os
camponeses sem terra. Era o governo Vargas e o programa era a tal marcha para o
oeste. José Porfírio decidiu partir com sua família e outros tantos camaradas
em busca do tão sonhado pedaço de terra.
No lombo de animais de
carga José Porfírio partiu em busca do seu sonho. Foi então que chegou a Uruaçu
em uma região que era conhecida como Formoso das trombas. Nessa região havia
uma grande área de terras devolutas que pertenciam ao governo federal, foi essa
área que fora ocupada por José Porfírio e outras centenas de camponeses pobres
de diversas regiões de Goiás e do Brasil.
Com o projeto de
construção da BR153 (Belém/Brasília) as terras ocupadas pelos camponeses pobres
começaram a supervalorizar, a burguesia agrária da região logo cresceu o olho
nas terras ocupadas pelos camponeses, e assim montaram um grande golpe com o
objetivo de se apropriar da área e expulsar os camponeses que legitimamente
ocupavam aquelas terras.
Os poderosos da região
conseguiram por seu plano em prática, grilaram documentos, isto é, forjaram e
falsificaram documentos que falsamente lhes dava a posse daquela área, que na
verdade eram terras devolutas que pertenciam ao governo federal.
Com isso os falsos
donos da área começaram a pressionar os camponeses pobres que ocupavam aquelas
terras a dar parte do que eles produziam para os falsos proprietários, os que
não aceitavam sofriam violência e eram expulsos por jagunços de suas parcelas.
José Porfírio desde o
inicio se negou a cair na chantagem dos grileiros, desempenhando um importante
papel na organização dos camponeses pobres bem como se colocando na linha de
frente da luta pela posse daquelas terras. Com isso tornou-se uma das figuras
mais perseguidas, teve sua casa queimada e sua primeira esposa fora
assassinada, quando de uma viajem que ele fizera buscando solucionar o problema
que eles enfrentavam, isto é, conseguir a posse verdadeira daquelas terras.
Mesmo com esse golpe
brutal José Porfírio não desistiu da luta, ao contrario, foi a partir desse
duro golpe e de perceber a omissão do estado em buscar solucionar aquela questão,
o que não é novidade, pois ao longo da historia do nosso país vemos o estado
brasileiro, independente de qual governo de plantão sempre se colocando ao lado
dos mais poderosos, da burguesia, do capital.
Diante desse quadro
José Porfírio e seus companheiros perceberam que só havia uma alternativa lutar
com armas nas mãos pelo que pertencia a eles de fato. A terra que eles
cultivaram e o alimento que eles produziam com muita dificuldade não seriam
dados de mãos beijadas para aquela corja de bandidos que queriam roubar suas
terras.
Como também eles não
mais aceitariam ver seus companheiros sendo assassinados, suas mulheres e
filhos sendo violentados e eles de braços cruzados. Aqueles camponeses pobres
até poderiam ser expulsos daquela área, mas para tanto teriam que mata-los,
pois eles estavam dispostos a resistir lutando com armas nas mãos.
E foi assim, com arma
nas mãos que os camponeses pobres liderados por José Porfírio e outros
valorosos camaradas resistiram à tentativa da burguesia agrária da região de
formoso das trombas de tomar suas terras. Defensor da necessidade de
organização e da luta coletiva José Porfírio juntamente com seus companheiros
criaram uma associação dos camponeses pobres para continuarem lutando pela
posse de fato daquela área como também por melhorias para região.
Devido a seu importante
papel como defensor ferrenho da causa camponesa foi que José Porfírio foi
eleito deputado estadual por Goiás, o primeiro camponês a ser eleito deputado
na historia do Brasil. E José Porfírio ao contrario do que muita gente faz, que
depois que é eleita vira as costas para quem o elegeu e esquece das causas por
que sempre lutou, ele não.
Ele passou a ser uma
das figuras mais conhecidas no cenário nacional, desempenhando um papel
importantíssimo na organização do campesinato goiano e brasileiro, bem como
fazendo da sua cadeira no parlamento uma trincheira em defesa da reforma
agrária. José Porfírio que sabia da importância da terra para o campesinato
pobre, para sua subsistência, para se viver com dignidade, ele que sofrera na
pele juntamente com seus companheiros a violência por parte da burguesia
agrária goiana, não iria agora virar as costas para o povo que o elegeu e a
causa pela qual tantos camaradas seus incluindo sua esposa perdera a vida.
Com o golpe militar em
1964 e a perseguição a todos aqueles que acreditavam e lutavam por um país
justo e igualitário aumentou. José Porfírio que estava na trincheira dos que
lutavam por um país melhor, não teve destino diferente. Seu mandato de
parlamentar foi cassado. Por quê? Porque defendia uma causa justa? Por que
defendia o campesinato? Por que defendia a reforma agrária? Que crime a nisso?
Mas os militares o viam como criminoso, tanto que ele foi preso.
Mesmo perdendo o
mandato de deputado, José Porfírio não desistiria da luta e passou a defender
com veemência assim como Carlos Marighela, o Capitão Lamarca, os guerrilheiros
do Araguaia e outros tantos valorosos camaradas a necessidade de resistir
através da luta armada a ditadura militar. Mas infelizmente teve pouco tempo
para lutar.
A história oficial
aponta que ele desapareceu no ano de 1972, quando voltava para casa após sair
da prisão em Brasília, o ultimo lugar onde foi visto foi à rodoviária da
capital federal. No entanto sabemos que ninguém desaparece do nada, sem deixar
nenhum rastro. Os arquivos militares que na sua maioria ainda não veio à luz,
com certeza mostraram que fim levou José Porfírio.
No dia que
desapareceram com José Porfírio da rodoviária de Brasília, os militares que o
assassinaram e jogaram o seu corpo em um lugar onde não podia ser encontrado.
Pensaram que o mataram, mas José Porfírio não morreu. Pois aqueles que lutam
por um ideal justo, que se dedicam e sacrificam por uma causa não morrem. Os
mártires do povo, da classe trabalhadora da cidade e do campo não podem ser
mortos, eles ‘são sementes que quando jogados no seio da terra dão frutos’. Já
dizia o poeta.
E José Porfírio deu
muitos frutos que continuam sua luta, em especial nas margens das rodovias do
nosso país na luta por reforma agrária e justiça no campo. São milhares de José
Porfírio que resistem bravamente em barracas de lona nas margens das rodovias
enfrentando sol, chuva, a fome, a falta de politicas públicas que atendam
minimamente as necessidades da população campesina. São milhares de José
Porfírio em marcha, ocupando latifúndios improdutivos, defendendo o meio
ambiente e produzindo para alimentar a nação. São milhares de José Porfírio que
resistem as balas genocidas dos latifúndios, a omissão do estado e a impunidade
da justiça.
José Porfírio é um
símbolo da luta por terra e justiça no campo no Tocantins, em Goiás, na região
norte, em todo o nosso país. Ele continua vivo, seu exemplo, sua luta. E a
maior homenagem que podemos prestar a este grande símbolo da nossa região, a
esse grande mártir da luta camponesa do nosso país. – É continuarmos a luta por
uma reforma agrária de fato no Brasil. Uma reforma agrária radical. Que acabe
com o latifúndio, que destrua o agronegócio e de a terra ao camponês, a quem
nela de fato trabalha.
- Viva o camarada José
Porfírio!
- Viva a luta por
reforma agrária!
Pedro
Ferreira Nunes é educador popular e militante do Coletivo José Porfírio