“O objetivo da vida política é o melhor dos fins, e essa ciência dedica o melhor de seus esforços a fazer com que os cidadãos sejam bons e capazes de nobres ações.”
Aristóteles
A morte trágica do prefeito Moisés Costa (MDB) inaugurou um novo momento político na cidade de Miracema representado por uma divisão entre as forças políticas que viabilizaram sua eleição em 2016 pela Coligação Miracema quer mudança – Uma divisão que marcará as eleições municipais de prefeito, vice-prefeito e vereadores que se realizará em outubro de 2020. Analisar esse novo momento político em Miracema, apontando as perspectivas para as eleições municipais, é o nosso objetivo nesse trabalho.
O assassinato de Moisés Costa e a ruptura no grupo que o elegeu
Moisés Costa empresário de sucesso no ramo da Contabilidade debutou na política em 2016 ao se candidatar á prefeito de Miracema. E não teve dificuldade de se eleger mesmo enfrentando a então prefeita Magda Borba (PSD) com a máquina pública na mão. Foi uma vitória avassaladora com 84,62% (9.918) de votos do eleitorado miracemense contra 15,38% (1.803) obtidos por sua adversária. Com todo esse apoio popular não foi difícil para o prefeito eleito formar uma base de apoio sólida – o que ele já vinha construindo mesmo antes da eleição (a coligação que o elegeu contava com 15 partidos entre eles o MDB, PRTB, PTB, SD, PT, PSB e PV). E até seu assassinato (em agosto de 2018) a sua gestão vinha sendo bem avaliada pela população.
A partir daí, Saulo Milhomem (PRTB), eleito vice-prefeito na chapa com Moisés Costa, assume á prefeitura de Miracema. Servidor público estadual, Saulo não era um novato na politica pois já havia sido eleito vereador pelo município tendo realizado um mandato de destaque – o que o levou a ser indicado candidato a vice-prefeito do então candidato á prefeito Moisés Costa. Ao se tornar prefeito era natural que Saulo fizesse mudanças na gestão municipal, cercando-se de auxiliares de sua confiança. No entanto, parte do grupo que o elegeu não viu com tanta naturalidade assim, sobretudo pelo fato do novo prefeito se aproximar e trazer para seu governo indivíduos que haviam sido adversário do grupo político que o elegeu durante a campanha.
A partir daí as diferenças entre os lideres do grupo (Coligação Miracema quer mudança) que se formou para eleição de Moisés e Saulo só foram se aprofundando. E a demora das forças de segurança pública em resolver o caso do assassinato do prefeito Moisés Costa (passado mais de ano ainda não se sabe quem é ou são e por que assassinaram o prefeito do MDB), e as teorias da conspiração que foram sendo criadas só colaboraram para que houvesse uma ruptura definitiva.
Com a ruptura definitiva uma parte do grupo político que venceu a eleição de 2016 (Coligação Miracema quer mudança) acompanhou o prefeito Saulo Milhomem – que buscou se fortalecer trazendo outras lideranças políticas para esse novo grupo. Já outra parte se organizou sobre a liderança do presidente da Câmara de Vereadores – Edílson Tavares (MDB) – que conta com o apoio da família do prefeito Moisés Costa. E assim chegamos a divisão que tem marcado a política miracemense, que falamos no início desse texto. E o palco onde essa divisão se manifesta de forma mais contundente é o plenário da Câmara de Vereadores.
Oposição se torna maioria no legislativo municipal e o Ressentimento contamina a política em Miracema
Na Câmara de Vereadores de Miracema (composta por 11 vereadores) temos de um lado 5 parlamentares compondo a base do prefeito Saulo Milhomem, sob a liderança do vereador Pedro da Farmácia (PRB). E do outro o grupo oposicionista composto por 6 parlamentares comandados pelo presidente do legislativo municipal – Edílson Tavares (MDB). Até ai nada de mais não é mesmo?! Toda democracia que se preze precisa de um bom conflito para poder avançar. De modo que nada mais natural do que ter um grupo situacionista e outro oposicionista. O problema é quando o debate político descamba para o pessoal – quando se deixa de discutir a cidade e seus problemas para discutir o que fulano de tal falou na rede social – e infelizmente essa tem sido a marca da atual legislatura na Câmara de Vereadores de Miracema – uma legislatura marcada por um nível medíocre dos parlamentares e do debate político.
E em tempos de rede social o nível medíocre do debate no parlamento miracemense acaba reverberando por toda a cidade. E pior, as redes sociais acabam potencializando as discussões onde sobram acusações e falta argumentos racionais. Nesse contexto um procedimento comum como mandar um projeto de lei do executivo para as comissões antes de leva-lo para discussão e votação no plenário vira um verdadeiro cabo de guerra. Sobretudo por que tendo a presidência do legislativo e a maioria dos vereadores a oposição não perde a oportunidade de dificultar a vida do prefeito. Já os vereadores da base utilizam sobretudo a tática de desqualificar o presidente da Câmara, sobretudo após denúncias de possíveis desvios de recursos do legislativo municipal.
Nessa confusão o que se percebe é que a política miracemense está dominada pelo ressentimento – que de acordo com Abbagnano é o “ódio impotente contra aquilo que não se pode ser ou não se pode ter” (2012, p. 1010). Um lado gostaria de ter o controle do executivo e o outro gostaria de ter o controle do legislativo. Quem conseguisse tal feito teria hegemonia política na cidade. Mas isso, por enquanto, é impossível – só a partir de uma nova eleição onde esses dois grupos mediram forças essa questão poderá ser resolvida.
Há também a falta de respostas acerca do assassinato do prefeito Moisés Costa – outro fator que alimenta o ressentimento na política miracemense. Nesse caso a nova eleição não resolverá independente de qual grupo vencer o pleito. Só a resolução do crime e a punição do ou dos responsáveis colocará fim a esse episódio.
O problema de ter uma cidade dominada politicamente pelo ressentimento é que se vive sobre o domínio do ódio – e o ódio como diria o filósofo holandês Baruch Spinoza – diminui a nossa potência de agir. E ao diminuir nossa potência de agir mais difícil se torna a tarefa de mudar o estado de coisas que nos cerca – o que favorece as elites que não tem nenhum interesse de que as coisas mudem mesmo – há não ser que isso lhes traga maiores benefícios.
Reforma administrativa e Contratos temporários
No apagar das luzes do ano legislativo de 2019 (numa sessão extraordinária) os vereadores aprovaram dois projetos polêmicos do executivo. O primeiro (PL 019) altera a legislação Municipal possibilitando a contratação de 588 servidores temporários em cargos diversos. Já o outro (PL 023) altera a estrutura administrativa criando cinco novas secretárias.
A polêmica se dá pelo fato de que os projetos (aprovados por unanimidade pelos vereadores) entraram em vigor num ano eleitoral onde o atual prefeito pretende disputar a reeleição. Diante disso surgem vários questionamentos: O primeiro é até que ponto esses projetos tem como fim melhorar o serviço público ofertado a população ou o objetivo é comprar apoio politico em troca de cargos no serviço público Municipal? Outro ponto a se questionar é que se tratando de um ano eleitoral esses projetos estão dentro da legalidade? Eis ai uma questão que dependendo da resposta pode levar a uma ação do Ministério Público. Mas digamos que seja legal. Ainda caberia perguntar: E do ponto de vista ético? Ao se beneficiar politicamente desses projetos o prefeito Saulo Milhomem não está obtendo uma vantagem que não poderia ter em relação aos seus possíveis adversários? O prefeito não estaria utilizando a máquina pública em seu próprio benefício e do seu grupo político?
Sendo assim, por que os vereadores da oposição não se mobilizaram para barra-lo? Pelo contrário, votaram favoravelmente nos PL’s do executivo. Seria receio (com vista de que muitos disputaram a reeleição) de se “queimarem” junto ao eleitorado que está de olho nessas vagas? Mas ao deixar suas digitais nesses projetos não se “queimaram” mais ainda com a grande maioria que no final das contas não conseguirá um desses contratos? Enfim, a oposição ao permitir a aprovação desses dois PL’s (019 e 023) pode ter dado um tiro no próprio pé.
As forças políticas locais e as eleições municipais de outubro de 2020
A priori os miracemenses irão as urnas em outubro de 2020 com uma motivação diferente da que foram em 2016. Há quatro anos o espírito era de esperança, agora é de ressentimento. O que não significa que isso não possa mudar – dependerá em grande medida do tom das campanhas – uma campanha com um tom propositivo pode resgatar a esperança perdida. Já se o tom continuar sendo o ressentimento as perspectivas não são as melhores.
A população também pode fazer a sua parte rechaçando candidatos e candidatas que alimentam o ressentimento.
O atual prefeito Saulo Milhomem é candidato natural a reeleição. E os seus movimentos apontam para esse objetivo – por exemplo a troca de sigla – saída do PRTB para o DEM. O DEM é um dos partidos mais fortes na atualidade não só a nível regional como também em âmbito nacional – e por tanto oferece uma maior estrutura para o prefeito disputar a reeleição. No entanto não basta um partido forte, Saulo precisará também construir alianças estratégicas com outras forças políticas locais e defender o seu trabalho desde que assumiu a gestão municipal.
Em relação a essa questão, apesar dos problemas que o munícipio enfrenta no campo educacional, na saúde, infraestrutura, segurança pública e geração de emprego é preciso reconhecer que a gestão Saulo Milhomem não chega a ser tão catastrófica como foi da ex-prefeita Magda Borba. Por outro lado, está bastante aquém do potencial do município e do que espera a população.
Do lado da oposição o MDB se apresenta como a principal força política – tendo como pré-candidata a Enfermeira Camila Fernandes (Viúva do Moisés Costa). Além dela outro nome de peso do partido é do vereador Edílson Tavares – presidente do legislativo municipal. A principal tarefa desse grupo que reivindicará o legado do prefeito Moisés Costa será unificar a oposição em torno de uma única candidatura, pois quanto mais fragmentada for para disputa, mais chance de sair derrotada.
Outros grupos tradicionais da política miracemense, especialmente os que se organizam em torno da liderança do ex-prefeito Rainel Barbosa e do ex-prefeito Júnior Evangelista estão bastante enfraquecidos e mais preocupados com a justiça nos seus calcanhares do que voltar ao poder local. Mas óbvio que não se pode descartar a influência e o apoio dessas lideranças, sobretudo, numa campanha muito polarizada.
Haveria um espaço para uma terceira via? Creio que não fugiremos da tradicional disputa entre dois candidatos dos grupos que atualmente disputam a hegemonia política na cidade. Já tivemos em outras disputas eleitorais mais de dois candidatos á prefeito em Miracema. Mas mesmo quando isso aconteceu não se rompeu com a tradicional polarização que marca os embates políticos no município. Mas não há nada que impessa que seja lançada uma sementinha que poderá dar frutos em eleições futuras. Ou que mesmo a curto prazo possa conquistar uma cadeira no parlamento (algo que não é impossível) e fazer um mandato diferenciado.
Um projeto popular para Miracema!!!
Miracema que tem um campus da Universidade Federal do Tocantins, um número significativo de servidores públicos – especialmente professores da rede estadual e municipal de ensino, assentamentos de reforma agrária e colônia de pescadores – Tem um enorme potencial para criar um grupo progressista (de esquerda) com capacidade de se apresentar como alternativa aos grupos políticos que tradicionalmente dominam a política miracemense. Com todo esse potencial é inadmissível que se olhe para o parlamento municipal e se veja uma única parlamentar (que ainda por cima representa os ruralistas e não as classes populares) e que não se tenha nenhum representante dos trabalhadores da educação.
Candidaturas progressistas (de partidos que não estão alinhados a ordem dominante) poderiam inclusive contribuir para que ao invés do ressentimento a política em Miracema volte a ter como motor propulsor a busca pelo bem comum – apresentando um projeto popular para Miracema – que passa pelo fortalecimento da agricultura familiar e camponesa e pelos trabalhadores em geral. É óbvio, que não se trata de um projeto a curto prazo (não será da noite para o dia que se conseguirá quebrar a hegemonia política dos grupos tradicionais), mas não é uma tarefa impossível (se se cutiva-lo) e que dará belos frutos a médio e longo prazo.
Por enquanto, Independente de quem for eleito em outubro de 2020, não se vislumbra uma mudança significativa na politica miracemense. Pelo menos não a curto prazo. Essa mudança só virá a partir do momento que surgirem novos atores políticos que apresentem verdadeiramente um projeto de ruptura com a ordem dominante local. Lideranças que façam da vida política o que pressupunha Aristóteles – a busca pelo melhor dos fins – esforçando-se para despertar nos demais cidadãos a bondade e não o ódio.
Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins.