quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Resenha: Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens.

Por Pedro Ferreira Nunes
Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela UFT. 

Qual a origem da desigualdade entre os homens? É em resposta a essa questão feita pela academia de Dijon que o filósofo Jean-Jacques Rousseau compôs em 1753 esse discurso - onde ele defende que a origem da desigualdade está relacionada a perca da liberdade do homem ao sair do Estado de Natureza para o Estado Cívil. 

Nascido em Genebra no ano de 1712, Jean-Jacques Rousseau é um dos filósofos modernos mais conhecidos e reverenciados na contemporaneidade, sobretudo no campo educacional, graças ao seu clássico “Emílio ou Da Educação” de 1762. Outra das suas obras não menos importante é “O Contrato social” também publicado no ano de 1762. Mas que no entanto não foram bem recebidas quando de suas publicações – condenadas tanto pela academia, por autoridades políticas e também pela igreja. E para evitar o cárcere Rousseau teve que mudar de país. Morreu em 1778, aos 66 anos, deixando importantes obras que nos ajuda a refletir sobre a nossa condição humana, entre elas esse “discurso sobre a desigualdade...”.

A chave para compreendermos essa obra está na passagem do Estado de Natureza para o Estado Cívil. Nessa linha o discurso é dividido em duas partes. Na primeira parte o foco de Rousseau é a compreensão do homem, pois segundo ele não é possível compreender a fonte de desigualdade entre os homens, sem se conhecer o próprio homem (2001, p. 9). E para conhecer o homem é preciso ir nas suas origens que está no Estado de Natureza. A segunda parte o foco do nosso filósofo será a questão da desigualdade entre os homens propriamente. Desigualdade que nasce quando “cada um começa a olhar os outros e a querer ser olhado por sua vez” (2001, p.33).

Para o nosso filósofo “a estima pública tem um preço. Aquele que canta ou dança melhor, o mais belo, o mais feio, o mais forte, o mais destro ou o mais eloquente, torna-se o mais considerado”. E ai temos “o primeiro passo para desigualdade e para o vício, ao mesmo tempo: dessas primeiras preferências nasceram, de um lado, a vaidade e o desprezo e, de outro, a vergonha e a inveja; e a fermentação causada por esses novos fermentos produziu, enfim, compostos funestas à felicidade e à inocência” (2001, p. 33).

Para Rousseau (2001, p.12) há duas espécies de desigualdade na espécie humana: a primeira é a “natural ou física, por que é estabelecida pela natureza, e que consiste na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades de espírito, ou da alma; a outra, que se pode chamar de desigualdade moral ou política,  por que depende de uma espécie de convenção, e que é estabelecida ou, pelo menos, autorizada pelo consentimento dos homens”. Em relação a primeira não há que se buscar a sua fonte, pois ela se auto explica. Também não há que tentar saber se há uma ligação essência entre essas duas desigualdades. Para o nosso filósofo o problema que ele se propõe a refletir nesse discurso é “de marcar no progresso das coisas o momento em que, sucedendo o direito à violência, a natureza foi submetida à lei” (2001, p.13). Para tanto é necessário ir ao Estado de Natureza e a partir daí remontar a história da humanidade desde os seus primórdios. 

Primeira parte 

Rousseau (2001) nos leva ao mundo onde impera a lei da natureza – onde o homem convive ao lado dos outros animais buscando satisfazer suas necessidades. Forjado pela natureza apenas aqueles que conseguem se adaptar a lei natural sobreviverá, tornando-se fortes e robustos. Os outros perecem, numa espécie de seleção natural. Ao forjar indivíduos fortes e robustos “com tão poucas fontes de males, o homem no estado de natureza não tem, pois, necessidade de remédios,  e ainda menos de médicos” (2001, p. 16). Eis ai em resumo como nosso filósofo caracteriza o homem do estado de natureza do ponto de vista físico. Mas e do ponto de vista metafísico moral?

Em relação a essa questão o que o caracteriza inicialmente é sua capacidade, que compartilha com outros animais, de sentir, querer e não querer, desejar e temer. Isso “até que novas circunstâncias lhe causem novos desenvolvimentos [...] os únicos bens que conhece no universo são a sua nutrição,  uma fêmea e um repouso; os únicos males que teme são a dor e a fome”. E a morte? Em relação a morte, Rousseau ressalta que “jamais o animal saberá o que é morrer, e o conhecimento da morte e dos seus terrores foi uma das primeiras aquisições que o homem fez afastando-se da condição animal” (2001, p. 18-19).

A partir daí Rousseau (2001) fala sobre o processo de aquisição da língua. Um processo que se deu ao longo de vários anos até que se fundasse um dialeto comum que exprimisse os anseios do homem e fosse compartilhado pelos demais. “Quantos conhecimentos foram necessários para encontrar os números, as palavras abstratas, os algarismos, e todos os tempos dos verbos, as partículas, a sintaxe, ligar as proposições, os raciocínios, e formar toda lógica do discurso” (2001, p. 23).

Um ponto importante ressaltado por Rousseau é a sua compreensão do homem no estado de natureza como um amoral. A esse respeito ele afirma “não tendo entre si nenhuma espécie de relação moral nem de deveres conhecidos, não podiam ser bons nem maus, nem tinham vícios nem virtudes”. A partir dessa compreensão o nosso filósofo deixa evidente o seu desacordo com Hobbes, que compreendia que  o homem é mau por natureza. Para Rousseau “os selvagens não são maus, precisamente porque não sabem o que é ser bom. Com efeito, não é nem o desenvolvimento das luzes,  nem o freio da lei, mas a calma das paixões e a ignorância do vício que os impedem de fazer o mal”.

Ainda nessa linha, Rousseau ressalta que “Hobbes não percebeu e que, tendo sido dado ao homem para suavizar em certas ocasiões a ferocidade do seu amor próprio ou o desejo de se conservar antes do nascimento desse amor, tempera o ardor que ele tem  por seu bem-estar com uma repugnância inata de ver sofrer seu semelhante” (2001, p. 24). Essa repugnância inata se manifesta na forma de piedade. Nosso filósofo considera a piedade uma virtude  natural do homem – uma virtude que ele define como o desejo de que alguém não sofra e que seja feliz. Não é portanto a razão que impede o homem de fazer o mal, pelo contrário, é através da razão que se comete muita atrocidade. Nessa linha ele nos diz: “há muito tempo que o gênero humano não mais existiria se a sua conservação tivesse dependido exclusivamente dos raciocínios dos que o compõem” (2001, p. 26).

Para concluir essa primeira parte o filósofo abordará uma das paixões que leva o homem a fazer o mal. Entre essas paixões ele enfatiza o amor – o amor que leva a dependência de um indivíduo de outro. Ao se transformar num ardor impetuoso, torna-se funesto aos homens. O que não ocorre no estado de natureza onde os homens são livres e independentes. 

Segunda parte

Rousseau começa por nos falar da origem do estado civil – “o primeiro que, tendo cercado um terreno, se lembrou de dizer: Isto é meu, e encontrou pessoas bastantes simples para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil” (2001, p. 29). Nosso filósofo ressalta que se houvesse encontrado oposição teria se evitado muito mal. No entanto, ele compreende que a constituição da propriedade e por conseguinte da sociedade civil, não se deu da noite para o dia, mas como fruto de um longo processo. 

E um primeiro passo nesse longo processo foi a formação da família, por ocasião de uma primeira revolução, “onde já nasceram, talvez, muitas rixas e combates [...] cada família se torna uma pequena sociedade tanto mais unida quanto o apego recíproco a liberdade eram os seus únicos laços” (2001, p. 31-32). A medida que o tempo passa vão abandonando a vida nômade, fixam num determinado lugar e buscam cada vez mais ter comodidades. E sem saber criam as primeiras fontes dos males que lhes afligiram. 

Surgem idéias e sentimentos – o homem está cada vez mais domesticado e assim “cada um começa a olhar os outros e a querer ser olhado por sua vez, e a estima pública tem um preço. Aquele que canta ou dança melhor,  o mais belo, o mais forte, o mais destro ou o mais eloquente, torna-se o mais considerado. E foi esse o primeiro passo para a desigualdade e para o vício, ao mesmo tempo: dessas primeiras preferências nasceram, de um lado, a vaidade e o desprezo e, de outro, a vergonha e a inveja; e a fermentação causada por esses novos fermentos produziu, enfim, compostos funestos à felicidade e à inocência” (2001, p. 33).

Para o nosso filósofo “ser e parecer tornaram-se duas coisas inteiramente diferentes; e dessa distinção, surgiram o fausto imponente, a astúcia enganadora e todos os vícios que constituem o seu cortejo” (2001, p. 35). E assim o homem que no estado de natureza era livre e independente, está cada vez mais submetidos a uma situação de servidão. E para se livrar dos grilhões produzidos por eles mesmos, o que faziam era cada vez mais se embrenhar num caminho sem volta arrastando outros tantos – “todos correram para as suas cadeias de ferro, acreditando assegurar a própria liberdade” (2001, p. 37).

A partir daí Rousseau passa a falar da constituição do poder político. E ele não poupa críticas a este. Sobretudo por que o poder político é constituído a partir da compreensão de que o homem tem uma tendência natural para servidão – o que contribui para o aumenta cada vez maior da desigualdade entre os homens. 

De acordo com nosso filósofo “se seguirmos o progresso da desigualdade nessas diferentes revoluções, veremos que o estabelecimento da lei e do direito de propriedade foi seu primeiro termo, a instituição da magistratura o segundo, e que o terceiro e último foi a mudança do poder legítimo em poder arbitrário. De sorte que a condição de rico e de pobre foi autorizada pela primeira época, a de poderoso e fraco pela segunda, e pela terceira a de senhor e escravo, que é o último grau de desigualdade, o termo ao qual chegam finalmente todos os outros, até que novas revoluções dissolvem completamente o governo ou o aproximam da instituição legítima” (2001, p. 43-44).

Por que os cidadãos se deixam dominar por esse estado de coisas? Por uma cega ambição que os tornam submissos. Se fosse o contrário, se não abrissem mão da sua condição de indivíduos livres, nenhum político conseguiria domina-los. Rousseau ressalta que “a desigualdade se estende sem dificuldade entre as almas ambiciosas e covardes” (2001, p. 43). Isto é, o terreno propício para o cultivo da desigualdade é aquele onde não há liberdade. Onde não há liberdade prevalece a desigualdade. A falta de liberdade é  portanto fundamental para a manutenção da desigualdade. 

Para Rousseau “se vemos um punhado de poderosos e de ricos no pináculo das grandezas e da fortuna, enquanto a multidão rasteja na obscuridade e na miséria, é porque, sem mudar de estado, cessariam de ser felizes se o povo cessasse de ser miserável” (2001, p.44). Eis ai mais um traço repugnante dessa sociedade, a felicidade de alguns depende da miséria de milhares. Por essas e outras que nosso filósofo vê uma profunda diferença entre o homem selvagem  (estado de natureza) e o homem policiado (estado civil) – “o primeiro só respira o repouso e a liberdade; só quer viver e ficar ocioso” o outro sempre ativo, “agita-se, atormenta-se sem cessar para buscar ocupações ainda mais laboriosas; trabalha até à morte, corre mesmo em sua direção para se pôr em estado de viver, ou renúncia á vida para adquirir a imortalidade; faz a corte aos grandes que odeia e aos ricos que despreza; Nada poupa para obter a honra de o servir; gaba-se orgulhosamente de sua baixeza e de sua proteção; e vaidoso de sua escravidão, fala com desdém daqueles que não têm a honra de a partilhar” (2001, p. 45).

Por essas breves linhas dá para perceber a atualidade do discurso do Rousseau sobre a origem da desigualdade entre os homens – desigualdade que se aprofundou e, olhando para o contexto atual, parece ter alcançado o seu ápice. E como alerta Rousseau onde há desigualdade, não há liberdade. Mas aparentemente isso não é problema para parcela significativa da população que não vê problema em abrir mão da liberdade em troca de conforto e de uma falsa segurança – falsa segurança pois nunca se estará verdadeiramente seguro sob a tutela de um poder arbitrário. 

Ainda que se possa questionar a crença rousseauneane no bom selvagem, no homem bom por natureza. Na espécie de paraíso que ele concebe ao falar do estado de natureza e para explicar a sua concepção de homem. Não se pode ignorar as importantes reflexos que ele faz sobre as instituições criadas pelos homens que ao invés de propiciar o bem comum, acaba sendo uma armadilha para aprisiona-lo e por conseguinte aumentar mais ainda a desigualdade entre os homens.

Para finalizar

Rousseau é um dos filósofos  (assim como Marx, Nietzsche e Foucault) que está na prateleira daqueles que tem uma escrita acessível, o que facilita sobremaneira a leitura, tornando-a prazerosa. Mesmo para aqueles que não tem muita familiaridade com textos filosóficos. E esse livro particularmente, mais ainda – que pode ser facilmente encontrado no formato pdf para download gratuito na internet.  Não há portanto desculpa para não lê-lo. Que esse texto seja um estímulo a mais para que você minha cara e meu caro, possa fazê-lo.

“A liberdade é como esses alimentos sólidos e suculentos, ou esses vinhos generosos, próprios para nutrir e fortificar os temperamentos robustos a eles habituados, mas que inutilizam, arruinam, embriagam os fracos e delicados, que a ele não estão afeitos.”
Jean-Jacques Rousseau

REFERÊNCIA 

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens. Disponível em: http://www.livrogratis.com.br.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Na quadra

“He had the spirit to fight, his way to the end”.
Sepultura

*Por ali tudo tranquilo – ainda não era meia noite mas todos já haviam se recolhido á suas casas – o clima lembrava uma cidadezinha interiorana. O silêncio dominava contrastando com tudo que havia acontecido há poucas horas – quando a quadra havia se transformado num campo de batalha. De um lado os manifestantes protestando contra o governo e do outro as forças da repressão. De um lado paus, pedras e coquetéis molotovs. Do outro, cacetetes, spray de pimenta, bombas de efeito moral e balas de borracha. Ao final a ordem foi estabelecida. Até quando? Até quando? 

- Como cheguei aqui? Não me recordo. O que fiz? Quem matei? Dizem que matei alguém. Não me recordo. Agora estou atrás dessa grade. Até quando? Até quando? Eu  me lembro da confusão, das pessoas correndo, da polícia atirando bombas e balas de borracha. Eu também corri, tentei me proteger. Vi uma mulher sendo espancada violentamente. Corri para socorre-lá. Estava desarmado, eram muitos. Sai dando socos e pontapés para todos os lados como se estivesse numa roda de hardcore. Não me lembro de ter matado ninguém. Consegui tira-la das garras daquela corja. Mas de repente levei uma pancada na cabeça, apaguei e quando acordei já estava aqui. Estão me acusando de ter matado alguém. Mas não matei, juro, não matei. Estavamos protestando contra esse governo fascista. Fomos reprimidos brutalmente pelas forças de segurança e nos jogaram aqui. Nos acusam de ter infrigido as regras. Mas foram eles, esses golpistas de merda que infrigiram as regras e  transformaram-na em mordaças. Até quando vão me deixar aqui? Não vou me dobrar! Não vou esmorecer! Eles não podem me isolar para sempre. A fúria do povo há de crescer e essa cidade será incendiada. Eles podem tentar maquiar a realidade, mas uma hora a verdade vem á tona. A cada dia que passo nesse isolamento mais o ódio aumenta dentro de mim. Tenho que controla-lo para não explodir. Preciso canaliza-lo para os meus inimigos e no momento certo descarrega-lo. Meus inimigos, ah meus inimigos. Quem são? Sei muito bem. Muitos não sabem e reproduzem o discurso do opressor. Acreditando serem livres quando na verdade estão tecendo as teias onde serão enredados. Por que? Por que ninguém mais se questiona? É medo da realidade? É medo de descobrir que estão equivocados? E  assim preferem o equivo a reconhecer o erro e a partir daí mudar? Tempos difíceis esses, tempos difíceis. 

O dia amanhece e em vários quantos do local é possível ver as marcas da batalha travada na noite anterior. Apesar dos mortos e feridos – e dos encarcerados – a vida volta ao normal. As pessoas seguem para o trabalho – as que não trabalham  (o exército de reserva) se entregam a todo tipo de vício – há sempre uma droga (licita ou ilicita) para entorpecer as mentes e escraviza-las. Alguns tentam fugir buscando refúgio nos templos religiosos – esperam a redenção mas acabam sendo tragados por uma droga ainda mais nociva – acreditam está  se entregando a Deus mas estão caindo nas garras do demônio. Outros se deixam sucumbir pela ganância e se tornam escravos do capital.

- Eu preciso daquele smartphone que acabaram de lançar. Nem que tenha que pagar em mil vezes, nem que tenha que fazer horas extras todos os dias. Ouvi dizer que irão nomear um novo chefe na minha seção. Se desse a sorte  de ser eu, meu salário iria dar uma boa engordada. Competência sei que tenho, conheço tudo aquilo como a palma da minha mão. Mas sei que não basta ter competência, é preciso a bênção daquele senador corrupto. Foda-se, não é hora para dilema ético, se tiver que bajula-lo para conseguir um cargo de chefia, farei. Com um salário melhor vou poder trocar de carro, comprar uma chacrazinha para receber os amigos e descansar dessa correria. Vou comprar aquele smartphone á vista e fazer uma viagem á Europa ou aos EUA. É meu caro, a gente precisa jogar o jogo conforme as regras, se não ficamos chupando o dedo enquanto os outros ficam no bem bom. Se para conseguir um cargo melhor é  preciso puxar o saco de um energúmeno, que seja então. O que não farei é ficar de escanteio ou pior, protestar como faz essa cambada de “idiotas úteis”. Veja o exemplo do senador, se ele chegou aonde chegou, foi pelo fato de ter entrado no jogo. Taí, quem sabe um dia não serei senador também. Mas o que quero mesmo é ganhar dinheiro, muito dinheiro. Com muito dinheiro não preciso ser senador para que façam minha vontade – com dinheiro eu compro a alma e a dignidade de qualquer infeliz. Aí, e esse trânsito dos infernos que não anda. Quando ganhar muito dinheiro vou comprar um helicóptero. Não vou mais passar por esse sofrimento diário, não. É hoje que falo com o senador.

Enquanto isso em algum canto os que sobreviveram á repressão na noite anterior planejam a próxima ação. Alguns dos seus companheiros foram mortos, outros estão presos acusados injustamente por crimes que não cometeram. Mas isso não os intimidaram. É provável que a repressão aumente – o medo, a dor, o caos e o sofrimento reinaram por muito tempo – se não houver resistência. No ar ecoa uma espécie de réquiem: “Fear, pain, chaos, suffering. Fear, pain, chaos, suffering”. Mas não há tempo para luto, que aqueles que tombaram pela causa da liberdade descansem em paz, os que sobreviveram precisam continuar a luta.

- Mas é isso que queremos?  Vale a pena se sacrificar por um planeta em decadência? A devastação dos recursos naturais avança em nome do progresso e quem se opõem é assassinado. A desigualdade aumenta no campo e na cidade e quem protesta é satanizado. A liberdade é amordaçada em nome da segurança e quem questiona é encarcerado. As vezes me questiono se vale mesmo a pena lutar para mudar essa realidade – com o conformismo e a subserviência reinante a derrota parece certa. Nesses momentos de angústia busco refletir acerca de quem sou, do que quero e por que luto. Questiono minhas crenças, meus ideais e minhas lutas. E dessa batalha interna sempre saio fortalecido. Consciente do que sou, do que quero, das minhas escolhas. Isso é importante para que não me torne uma marionete nas mãos de lideres manipuladores. Não somos perfeitos, cometemos erros. E reconhecer isso é importante para que possamos supera-los. Nos tornar conscientes do que fazemos, do que queremos e por que queremos. Conscientes dos perigos que há pelo caminho – a prisão ou a morte. Mas se esse é o preço a pagar para que sejamos livres, e tenhamos justiça social, que seja então. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Poeta, Escritor e Educador Popular. 


*Inspirado livremente no álbum Quadra da banda Sepultura.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Educação no governo Carlesse: Do improviso á gambiarra!

“A nossa tarefa educacional é, simultaneamente, 
a tarefa de uma transformação social, 
ampla e emancipadora”.
István Mészáros

Adriana Aguiar e Carlesse
Os professores em regime de contrato temporário que atuaram no ano passado na rede estadual de ensino do Tocantins iniciaram o ano letivo com a promessa de que seus contratos serão renovados para o ano vigente, além do aceno da possibilidade de aumento da vigência dos contratos de 1 para 2 anos. Com isso saímos de uma situação de improviso com professores trabalhando sem contrato e sem receber salários  (situação que marcou o início do ano letivo de 2019) para uma gambiarra em 2020. É um avanço, mas que não resolve o problema. Vejamos nas linhas seguintes por que.

Primeiro, é preciso reconhecer que de fato como afirmou a titular da SEDUC – Adriana Aguiar – do ponto de vista pedagógico é  um avanço a recontratação de professores que já estão familiarizado com a comunidade escolar onde atuam – que contribuiram na construção do projeto político pedagógico (PPP)  – e conhecem minimamente os desafios para o desenvolvimento de uma educação de qualidade nessas unidades de ensino. Com a garantia do contrato o professor terá tranquilidade para dar continuidade a um trabalho iniciado – Enfatize-se ai a palavra continuidade, fundamental no âmbito educacional. 

Além disso, como disse o governador Mauro Carlesse (DEM), houve um investimento na formação desses profissionais e por tanto não tem sentido descarta-los agora. E ai temos o aspecto econômico. Do ponto de vista da economicidade é melhor manter esses profissionais que o estado investiu – preparando-os para melhor desempenharem suas funções – do que dispensa-los, contratar novos profissionais e recomeçar do zero. 

Outro ponto não menos importante é a questão psicológica desses profissionais. Em 2019 foi amplamente repercutido na imprensa regional a situação de professores trabalhando sem contrato. Imagine a condição psicologica desses indivíduos (que como todo cidadão tem contas a pagar) que são levados a uma condição de terem de trabalhar sem a perspectiva de quando e quanto irão receber – se terão ou não os contratos efetivados. Tudo Isso por falta de planejamento do governo. É sem dúvida uma situação que abala psicologicamente o profissional que não estará plenamente em perfeitas condições de exercer o seu fazer profissional. 

Pelo menos nesse ano as perspectivas são diferentes. O anúncio de que todos serão recontratados já foi feito – inclusive antes de iniciar o ano letivo. Agora é esperar que esses contratos não sejam efetivados só lá para o meio do ano como foi em 2019. Como se trata de um ano eleitoral e o governo tem interesse de eleger o maior número possível de aliados nos municípios dificilmente isso ocorrerá. O que nos faz acreditar que esse é o motivo principal para manutenção dos contratos temporários e o aceno de um aumento de vigência dos mesmos, e não a questão pedagógica ressaltada pela Secretária de Educação – Adriana Aguiar.

- Ora, como assim meu camarada? Você também disse que foi um avanço do ponto de vista pedagógico, psicológico e até econômico?!

É o que você provavelmente dirá. E eu respondo-o: - Não nego que tenha sido um avanço. Mas não se esqueça que antes eu havia enfatizado que se tratava de um avanço mas que não resolvia o problema. 

Imaginemos o seguinte exemplo: o seu automóvel quebra uma peça durante uma viagem. Você não tem uma de reserva e não há uma oficina por perto para que possa adquirir uma nova. E o local onde você está é bastante distante de onde poderá resolver o problema. Entendendo minimamente de mecânica ou encontrando alguém que entenda, você descobrirá que é possível fazer uma gambiarra e assim o seu automóvel conseguirá chegar até o local onde tem uma oficina. A gambiarra irá ti tirar do “prego” momentaneamente, mas não resolve o problema. Você precisará adquirir uma peça nova o quanto antes pois a gambiarra com o tempo – de solução passa a ser um problema.

- Esse cara é maluco. Que diabos isso tem haver com a questão anterior? Você provavelmente questionará. 

Tudo bem. Respondo-o: Peguemos o exemplo do automóvel e façamos uma relação com o problema abordado aqui. 

Hoje a rede estadual de ensino tem um grande déficit de profissionais efetivos (concursados) no seu quadro funcional – de acordo com o Ministério Público o déficit é de 42,40% - consequência de 10 anos sem concurso público nessa área. Esse déficit é um grande problema se pensarmos que a continuidade é um aspecto relevante no âmbito educacional. E por enquanto esse problema vem sendo remediado através de contratos temporários – o que garante o funcionamento da rede estadual de ensino. Mas não nas condições adequadas se o que se busca é a oferta de um ensino de qualidade. Esses contratos temporários podem ser equiparados a uma gambiarra – resolve o problema de momento – a curto prazo. Mas a médio e longo prazo como fica? Como política de governo resolve o problema do governador de plantão, mas e como política de Estado?

Não adianta aumentar a vigência dos contratos temporários de 1 para 2 anos. Ora, não será por isso que deixaram de ser contratos – que poderão ser “rasgados” a qualquer momento dependendo do interesse do grupo político no poder. O fato é que uma hora o atual governo ou outro terá que por fim na gambiarra. Pois com o passar dos anos o quadro só se agrava e os reflexos negativos na qualidade do ensino ofertado são inquestionáveis. 

Um governo que tem uma visão da educação como política de Estado (e não a partir dos seus interesses enquanto governo) não pode fazer do improviso e da gambiarra suas marcas nessa área. Esperamos que a sociedade tocantinense, especialmente os setores progressistas, não se calem diante dessa situação degradante na rede estadual de ensino, pois as consequências num futuro próximo não serão boas. Por isso conclamamos á todas e todos reivindicar – Concurso Público da Educação Já! 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Conjuntura política em Miracema: Rupturas, Realinhamentos e Ressentimentos.

“O objetivo da vida política é o melhor dos fins, e essa ciência dedica o melhor de seus esforços a fazer com que os cidadãos sejam bons e capazes de nobres ações.”
Aristóteles 

A morte trágica do prefeito Moisés Costa (MDB) inaugurou um novo momento político na cidade de Miracema representado por uma divisão entre as forças políticas que viabilizaram sua eleição em 2016 pela Coligação Miracema quer mudança – Uma divisão que marcará as eleições municipais de prefeito, vice-prefeito e vereadores que se realizará em outubro de 2020. Analisar esse novo momento político em Miracema, apontando as perspectivas para as eleições municipais, é o nosso objetivo nesse trabalho.

O assassinato de Moisés Costa e a ruptura no grupo que o elegeu

Moisés Costa empresário de sucesso no ramo da Contabilidade debutou na política em 2016 ao se candidatar á prefeito de Miracema. E não teve dificuldade de se eleger mesmo enfrentando a então prefeita Magda Borba (PSD) com a máquina pública na mão. Foi uma vitória avassaladora com 84,62% (9.918) de votos do eleitorado miracemense contra 15,38% (1.803) obtidos por sua adversária. Com todo esse apoio popular não foi difícil para o prefeito eleito formar uma base de apoio sólida – o que ele já vinha construindo mesmo antes da eleição (a coligação que o elegeu contava com 15 partidos entre eles o MDB, PRTB, PTB, SD, PT, PSB e PV). E até seu assassinato (em agosto de 2018) a sua gestão vinha sendo bem avaliada pela população. 

A partir daí, Saulo Milhomem (PRTB), eleito vice-prefeito na chapa com Moisés Costa, assume á prefeitura de Miracema. Servidor público estadual, Saulo não era um novato na politica pois já havia sido eleito vereador pelo município tendo realizado um mandato de destaque – o que o levou a ser indicado candidato a vice-prefeito do então candidato á prefeito Moisés Costa. Ao se tornar prefeito era natural que Saulo fizesse mudanças na gestão municipal, cercando-se de auxiliares de sua confiança. No entanto, parte do grupo que o elegeu não viu com tanta naturalidade assim, sobretudo pelo fato do novo prefeito se aproximar e trazer para seu governo indivíduos que haviam sido adversário do grupo político que o elegeu durante a campanha.

A partir daí as diferenças entre os lideres do grupo (Coligação Miracema quer mudança) que se formou para eleição de Moisés e Saulo só foram se aprofundando. E a demora das forças de segurança pública em resolver o caso do assassinato do prefeito Moisés Costa (passado mais de ano ainda não se sabe quem é ou são e por que assassinaram o prefeito do MDB), e as teorias da conspiração que foram sendo criadas só colaboraram para que houvesse uma ruptura definitiva. 

Com a ruptura definitiva uma parte do grupo político que venceu a eleição de 2016 (Coligação Miracema quer mudança) acompanhou o prefeito Saulo Milhomem – que buscou se fortalecer trazendo outras lideranças políticas para esse novo grupo. Já outra parte se organizou sobre a liderança do presidente da Câmara de Vereadores – Edílson Tavares (MDB) – que conta com o apoio da família do prefeito Moisés Costa. E assim chegamos a divisão que tem marcado a política miracemense, que falamos no início desse texto. E o palco onde essa divisão se manifesta de forma mais contundente é o plenário da Câmara de Vereadores.

Oposição se torna maioria no legislativo municipal e o Ressentimento contamina a política em Miracema

Na Câmara de Vereadores de Miracema (composta por 11 vereadores) temos de um lado 5 parlamentares compondo a base do prefeito Saulo Milhomem, sob a liderança do vereador Pedro da Farmácia  (PRB). E do outro o grupo oposicionista composto por 6 parlamentares comandados pelo presidente do legislativo municipal – Edílson Tavares (MDB). Até ai nada de mais não é mesmo?! Toda democracia que se preze precisa de um bom conflito para poder avançar. De modo que nada mais natural do que ter um grupo situacionista e outro oposicionista. O problema é quando o debate político descamba para o pessoal – quando se deixa de discutir a cidade e seus problemas para discutir o que fulano de tal falou na rede social – e infelizmente essa tem sido a marca da atual legislatura na Câmara de Vereadores de Miracema – uma legislatura marcada por um nível medíocre dos parlamentares e do debate político.

E em tempos de rede social o nível medíocre do debate no parlamento miracemense acaba reverberando por toda a cidade. E pior, as redes sociais acabam potencializando as discussões onde sobram acusações e falta argumentos racionais. Nesse contexto um procedimento comum como mandar um projeto de lei do executivo para as comissões antes de leva-lo para discussão e votação no plenário vira um verdadeiro cabo de guerra. Sobretudo por que tendo a presidência do legislativo e a maioria dos vereadores a oposição não perde a oportunidade de dificultar a vida do prefeito. Já os vereadores da base utilizam sobretudo a tática de desqualificar o presidente da Câmara, sobretudo após denúncias de possíveis desvios de recursos do legislativo municipal. 

Nessa confusão o que se percebe é que a política miracemense está dominada pelo ressentimento – que de acordo com Abbagnano é o “ódio impotente contra aquilo que não se pode ser ou não se pode ter” (2012, p. 1010). Um lado gostaria de ter o controle do executivo e o outro gostaria de ter o controle do legislativo. Quem conseguisse tal feito teria hegemonia política na cidade. Mas isso, por enquanto, é impossível – só a partir de uma nova eleição onde esses  dois grupos mediram forças essa questão poderá ser resolvida. 

Há também a falta de respostas acerca do assassinato do prefeito Moisés Costa – outro fator que alimenta o ressentimento na política miracemense. Nesse caso a nova eleição não resolverá independente de qual grupo vencer o pleito. Só a resolução do crime e a punição do ou dos responsáveis colocará fim a esse episódio. 

O problema de ter uma cidade dominada politicamente pelo ressentimento é que se vive sobre o domínio do ódio – e o ódio como diria o filósofo holandês Baruch Spinoza – diminui a nossa potência de agir. E ao diminuir nossa potência de agir mais difícil se torna a tarefa de mudar o estado de coisas que nos cerca – o que favorece as elites que não tem nenhum interesse de que as coisas mudem mesmo – há não ser que isso lhes traga maiores benefícios. 

Reforma administrativa e Contratos temporários 

No apagar das luzes do ano legislativo de 2019 (numa sessão extraordinária) os vereadores aprovaram dois projetos polêmicos do executivo. O primeiro (PL 019) altera a legislação Municipal possibilitando a contratação de 588 servidores temporários em cargos diversos. Já o outro (PL 023) altera a estrutura administrativa criando cinco novas secretárias.

A polêmica se dá pelo fato de que os projetos  (aprovados por unanimidade pelos vereadores) entraram em vigor num ano eleitoral onde o atual prefeito pretende disputar a reeleição. Diante disso surgem vários questionamentos: O primeiro é até que ponto esses projetos tem como fim melhorar o serviço público ofertado a população ou o objetivo é comprar apoio politico em troca de cargos no serviço público Municipal? Outro ponto a se questionar é que se tratando de um ano eleitoral esses projetos estão dentro da legalidade? Eis ai uma questão que dependendo da resposta pode levar a uma ação do Ministério Público. Mas digamos que seja legal. Ainda caberia perguntar: E do ponto de vista ético? Ao se beneficiar politicamente desses projetos o prefeito Saulo Milhomem não está obtendo uma vantagem que não poderia ter em relação aos seus possíveis adversários? O prefeito não estaria utilizando a máquina pública em seu próprio benefício e do seu grupo político? 

Sendo assim, por que os vereadores da oposição não se mobilizaram para barra-lo? Pelo contrário, votaram favoravelmente nos PL’s do executivo. Seria receio (com vista de que muitos disputaram a reeleição) de se “queimarem” junto ao eleitorado que está de olho nessas vagas? Mas ao deixar suas digitais nesses projetos não se “queimaram” mais ainda com a grande maioria que no final das contas não conseguirá um desses contratos? Enfim, a oposição ao permitir a aprovação desses dois PL’s (019 e 023) pode ter dado um tiro no próprio pé. 

As forças políticas locais e as eleições municipais de outubro de 2020

A priori os miracemenses irão as urnas em outubro de 2020 com uma motivação diferente da que foram em 2016. Há quatro anos o espírito era de esperança, agora é de ressentimento. O que não significa que isso não possa mudar – dependerá em grande medida do tom das campanhas – uma campanha com um tom propositivo pode resgatar a esperança perdida. Já se o tom continuar sendo o ressentimento as perspectivas não são as melhores.

A população também pode fazer a sua parte rechaçando candidatos e candidatas que alimentam o ressentimento.

O atual prefeito Saulo Milhomem é candidato natural a reeleição. E os seus movimentos apontam para esse objetivo – por exemplo a troca de sigla – saída do PRTB para o DEM. O DEM é um dos partidos mais fortes na atualidade não só a nível regional como também em âmbito nacional – e por tanto oferece uma maior estrutura para o prefeito disputar a reeleição. No entanto não basta um partido forte, Saulo precisará também construir alianças estratégicas com outras forças políticas locais e defender o seu trabalho desde que assumiu a gestão municipal. 

Em relação a essa questão, apesar dos problemas que o munícipio enfrenta no campo educacional, na saúde, infraestrutura, segurança pública e geração de emprego é preciso reconhecer que a gestão Saulo Milhomem não chega a ser tão catastrófica como foi da ex-prefeita Magda Borba. Por outro lado, está bastante aquém do potencial do município e do que espera a população. 

Do lado da oposição o MDB se apresenta como a principal força política – tendo como pré-candidata a Enfermeira Camila Fernandes (Viúva do Moisés Costa). Além dela outro nome de peso do partido é do vereador Edílson Tavares – presidente do legislativo municipal. A principal tarefa desse grupo que reivindicará o legado do prefeito Moisés Costa será unificar a oposição em torno de uma única candidatura, pois quanto mais fragmentada for para disputa, mais chance de sair derrotada.

Outros grupos tradicionais da política miracemense, especialmente os que se organizam em torno da liderança do ex-prefeito Rainel Barbosa e do ex-prefeito Júnior Evangelista estão bastante enfraquecidos e mais preocupados com a justiça nos seus calcanhares do que voltar ao poder local. Mas óbvio que não se pode descartar a influência e o apoio dessas lideranças, sobretudo, numa campanha muito polarizada.

Haveria um espaço para uma terceira via? Creio que não fugiremos da tradicional disputa entre dois candidatos dos grupos que atualmente disputam a hegemonia política na cidade. Já tivemos em outras disputas eleitorais mais de dois candidatos á prefeito em Miracema. Mas mesmo quando isso aconteceu não se rompeu com a tradicional polarização que marca os embates políticos no município. Mas não há nada que impessa que seja lançada uma sementinha que poderá dar frutos em eleições futuras. Ou que mesmo a curto prazo possa conquistar uma cadeira no parlamento (algo que não é impossível) e fazer um mandato diferenciado.

Um projeto popular para Miracema!!!

Miracema que tem um campus da Universidade Federal do Tocantins, um número significativo de servidores públicos – especialmente professores da rede estadual e municipal de ensino, assentamentos de reforma agrária e colônia de pescadores – Tem um enorme potencial para criar um grupo progressista  (de esquerda) com capacidade de se apresentar como alternativa aos grupos políticos que tradicionalmente dominam a política miracemense. Com todo esse potencial é inadmissível que se olhe para o parlamento municipal e se veja uma única parlamentar (que ainda por cima representa os ruralistas e não as classes populares) e que não se tenha nenhum representante dos trabalhadores da educação. 

Candidaturas progressistas (de partidos que não estão alinhados a ordem dominante) poderiam inclusive contribuir para que ao invés do ressentimento a política em Miracema volte a ter como motor propulsor a busca pelo bem comum – apresentando um projeto popular para Miracema – que passa pelo fortalecimento da agricultura familiar e camponesa e pelos trabalhadores em geral. É óbvio, que não se trata de um projeto a curto prazo (não será da noite para o dia que se conseguirá quebrar a hegemonia política dos grupos tradicionais), mas não é uma tarefa impossível (se se cutiva-lo) e que dará belos frutos a médio e longo prazo. 

Por enquanto,  Independente de quem for eleito em outubro de 2020, não se vislumbra uma mudança significativa na politica miracemense. Pelo menos não a curto prazo. Essa mudança só virá a partir do momento que surgirem novos atores políticos que apresentem verdadeiramente um projeto de ruptura com a ordem dominante local. Lideranças que façam da vida política o que pressupunha Aristóteles – a busca pelo melhor dos fins – esforçando-se para despertar nos demais cidadãos a bondade e não o ódio. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Sobre “A sociedade do espetáculo”, de Guy Debord.

“E então? Vencemos o crime? 
Já ninguém mais nos oprime, 
pastores, pais, leis e algoz?
Belchior

Em “A essência do cristianismo” Feurbach afirma que a sociedade da sua época preferia “a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser...”. É a partir dessa frase que o filósofo francês Guy Debord inicia a sua obra clássica – “ A sociedade do espetáculo” – publicado em Paris no ano de 1967. Para Debord (1997, p. 13) “toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições  de produção se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos”. Com isso “tudo que era vivido diretamente tornou-se uma representação”.

Debord define a sociedade contemporânea como a sociedade do espetáculo – Uma sociedade subordinada pelos interesses econômicos que mantém o seu domínio através da alienação. A medida que a economia cresce, cresce também o grau de alienação dos indivíduos. O filósofo enfatiza que na sociedade do espetáculo não temos cidadãos mas sim espectadores que cada vez menos compreende a própria existência e seus próprios desejos. Acerca do espetáculo, Debord afirma que  na medida que a realidade surge do espetáculo o espetáculo se torna real. Ele (o espetáculo) não deseja chegar a nada que não seja ele mesmo e assim se torna a principal produção da sociedade atual.

Lançado no contexto da Guerra fria, Debord não poupa críticas nem ao chamado mundo capitalista e nem ao comunista – tanto a burocracia soviética como a democracia liberal Norte-americana são alvos das suas críticas contundentes. Para o filósofo ambas estão no contexto do espetáculo – onde o capital chegou em tal grau de acumulação que se tornou imagem. Como diria uma canção da banda Tribo de Jah – “é o poder do dinheiro regendo o mundo inteiro”. E como consequência – ricos cada vez mais ricos e pobres cada vez mais pobres. Para superar essa condição só através de um processo emancipatório construido por sujeitos autônomos de fato. 

É a partir do maio de 1968 – um movimento politico que reverberou muito das críticas feita a sociedade por Debord – que a obra torna-se bastante conhecida. E a partir de então se torna uma referência indispensável para compreensão da sociedade contemporânea – mesmo com o passar dos anos não perde sua atualidade. Pois para o filósofo é fruto de uma teoria crítica feita a partir de um contexto histórico que ainda não foi superado.  De modo que enquanto esse contexto histórico não for superado, a teoria permanecerá relevante.

A obra é dividida em 9 capítulos: 1- a separação consumada; 2- A mercadoria como espetáculo; 3- Unidade e divisão na aparência; 4- O proletariado como sujeito e como representação; 5- Tempo e história; 6- O tempo espetacular; 7- O planejamento do espaço; 8- A negação e o consumo na cultura; e 9- A ideologia materializada. Capitulos escritos quase como aforismos – o que pode dar a ideia de que o texto é de fácil assimilação. Mas não se engane.  O texto exige do leitor um certo tempo de meditação em alguns pontos para melhor digestão do que o filósofo está querendo dizer. 

Debord utiliza conceitos filosóficos de diferentes filósofos para desenvolver a sua tese. Entre esses filósofos destaca-se Karl Marx. Percebe-se uma forte influência de Marx, sobretudo na utilização de vários conceitos desse autor como alienação, luta de classes, proletários,  capital, burguesia entre outros. No entanto Debord não deixa de critica-ló, apontando seus limites, sobretudo por que segundo nosso filósofo a crítica de Marx permanece  nos marcos da sociedade burguesa ao se propor científica. 

Ainda que não se concorde com a crítica de Debord a sociedade contemporânea – que segundo ele transforma tudo em espetáculo, aliena os indivíduos e impõem a ditadura do mercado. Ou com sua crítica a Marx e alguns marxistas. Ou ainda com sua tese de necessidade de superação do modelo atual de sociedade. Não se pode deixar de reconhecer a importância dessa obra que nos leva a refletir sobre todos esses pontos. Sobretudo num momento em que a crítica tem perdido importância ao ser reduzida a uma esfera meramente especulativa, como diria Marcuse.

Diante disso, se faz necessário resgatar o sentido da crítica sobretudo numa perspectiva emancipatória contrapondo-se assim ao discurso dominante. E Debord faz isso muito bem. Por isso enfatizamos a importância da leitura desse livro que nos ajuda a entender a sociedade atual bem como a pensar alternativas ao modelo hegemônico – que apesar de algumas mudanças é o mesmo de quando Debord escreveu essas reflexões. Pois afinal de contas, fazendo um paralelo com o que diz Belchior na canção “os profissionais”, não vencemos o crime e nem deixamos de ser oprimidos pela igreja, pela família e pelo Estado.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Comentários a respeito das eleições municipais de 2020 em Palmas

1- As eleições em Palmas tem uma dinâmica totalmente diferente das eleições na maioria dos municípios tocantinenses. Sobretudo no que diz respeito ao peso da máquina pública. Com um setor econômico mais diversificado e por conseguinte uma classe trabalhadora que não depende exclusivamente do serviço público é possível candidaturas alternativas conseguirem surpreender os grupos no poder. Foi assim com Raul Filho em 2004 e com Carlos Amastha em 2012;

2- É importante dizer que esse não é um fenômeno só de Palmas, mas se você for analisar a nível de Brasil verá vários exemplos de candidatos que saíram vitoriosos  (ou que levaram a disputa para um segundo turno) em disputas com candidatos de grupos mais tradicionais. Só para apontar alguns exemplos destacaria a vitória de Pedro Wilson (PT) em Goiânia no ano 2000, a vitória de Micarla de Sousa (PV) em Natal no ano de 2008, a vitória de Clécio  (então no PSOL) em Macapá no ano de 2012 e Marcelo Freixo (PSOL) que levou a disputa para o segundo turno no Rio de Janeiro em 2016. Antes de todos esses, não podemos esquecer a vitória da Luiza Erundina (então no PT) na capital paulista em 1989.

3- O fato é que a dinâmica política das capitais é mais propícia á movimentos de mudanças. Tanto pelo aspecto econômico que já ressaltei, mas também pelo aspecto cultural mais diversificado – Movimentos Sociais, Campus Universitários, Cinemas, Teatros e Centros culturais são espaços importantes que fazem ferver a vida politico-cultural nessas cidades.

4- Palmas é uma capital jovem que ainda está bastante distante de atingir o patamar de desenvolvimento das grandes cidades do país. Mas a sua dinâmica já é de cidade grande (ainda mais para os padrões tocantinenses) com seus pontos  positivos e negativos – um dos pontos positivos é uma postura política mais independente e como consequência mais questionadora em relação ao governo. Já no campo negativo, é que nem sempre essa independência é utilizada com sabedoria na hora de eleger seus representantes – e assim se tem mais do mesmo.

5- A partir das movimentações no taboleiro político da capital tocantinense podemos vislumbrar pelo menos 5 pré-candidaturas (ao cargo de prefeito/prefeita) competitivas. Se chegaram em outubro com chance de serem eleitos/eleita dependerá da capacidade de articulação, das alianças que formaram e do projeto que apresentaram ao eleitorado;

6- Essas cinco pré-candidaturas são: Cinthia Ribeiro (PSDB), Wanderlei Barbosa (PP), Tiago Andrino (PSB), Alan Barbiero (PODE) e Raul Filho (Sem Partido).

7- Por enquanto nenhum desses pré-candidatos consegue se sobrepor aos demais. Nem a atual ocupante do cargo – Cinthia Ribeiro – que tenta a reeleição – e muito menos o vice-governador – Wanderlei Barbosa – com o apoio do Palácio Araguaia. E se com estruturas administrativas na mão Cinthia e Wanderlei não estão tendo vida fácil, imagine para Tiago Andrino que vê seu partido esvaziar dia após dia, para Alan Barbiero que acaba de trocar de legenda (uma legenda num espectro político diferente), e para o Raul Filho que nem partido tem.

8- Raul tem um legado de dois mandatos a frente da prefeitura de Palmas. O que faz com que o seu nome seja sempre lembrado. Inclusive a ponto de partidos tradicionais como o MDB lhe oferecer a legenda para que participe do pleito. Num cenário com várias candidaturas competitivas ele precisa definir uma legenda o quanto antes e buscar alianças se quiser vislumbrar uma vitória;

9- Definir um partido para colocar em prática o projeto da candidatura á prefeito foi o que fez Alan Barbiero. Por isso ele já deu um passo a mais. Contando com o total respaldo do presidente da legenda a nível estadual (Ronaldo Dimas) terá autonomia para construir sua candidatura. Para tanto precisará além de reativar o PODEMOS na capital, atrair POVO para o partido e não apenas intelectuais do meio académico.

10- Tiago Andrino não pode depender apenas da força do ex-prefeito Amastha como puxador de votos. Se quiser ser competitivo e a partir daí vislumbrar a vitória precisará reverter as perdas de quadro que o PSB vem sofrendo, articular alianças estratégicas sobretudo com o PT e PC do B, sair da sombra do Amastha, abandonar o ressentimento contra a prefeita Cinthia e ser mais propositivo;

11- Wanderlei Barbosa tem apostado na tática de vincular a sua candidatura ao Governo Carlesse – acreditando na força e popularidade deste. Inegavelmente Carlesse mostra uma força (conseguindo aprovar quase que por unanimidade vários projetos) que seus antecessores não tiveram. O problema é que esses projetos não são nem um pouco populares. De modo que ele pode está se equivocando ao acreditar numa popularidade que o governo do qual faz parte não possuí. Além disso, sabemos que historicamente não é vantajoso ser o candidato do governo estadual nas eleições municipais em Palmas. Barbosa precisa, portanto, para ser eleito, mais do que essa tática;

12- Cinthia Ribeiro deve decidir o quanto antes se é vantajoso permanecer num partido onde importantes lideranças regionais simplesmente não lhe apoia. Ainda que a direção nacional do PSDB banque a sua candidatura, não serão eles que viram fazer a sua campanha – essa deve ser tocada sobretudo pelos líderes regionais. De modo que ela tem que avaliar bem o que ganha ficando no PSDB que a nível nacional está respirando através de aparelhos e regionalmente não é diferente. Ter um partido que mais atrapalha do que ajuda não é bom para ninguém. De modo que a prefeita e seus conselheiros já deveriam há um bom tempo ter resolvido essa questão;

13- Três dessas cinco pré-candidaturas (Cinthia, Andrino e Barbiero) estavam no grupo político que  reelegeu Carlos Amastha (PSB) em 2016. E duas delas reivindicam o legado daquela gestão (Andrino e Barbiero). Além disso se somarmos a pré-candidatura do PC do B (Germana) perceberemos o quanto àquele grupo se fragmentou;

14- Essa fragmentação poderá favorecer uma candidatura alternativa que não esteja colada (ou que já esteve) com o grupo politico que chegou ao poder municipal em 2012. No caso o vice-governador Wanderlei Barbosa, o ex-prefeito Raul Filho ou até mesmo um dos muitos pré-candidatos que conseguirem viabilizar a candidatura. Já as candidaturas que tiveram na aliança que reelegeu o ex-prefeito Carlos Amastha teram que buscar o voto do eleitorado que não votou nesse grupo em 2016;

15- Uma marca desse período de pré-campanha eleitoral em Palmas é o ressentimento como o elemento principal do debate político entre os pré-candidatos e seus grupos políticos. O ressentimento está presente no discurso do Amastha e do Andrino contra a prefeita Cinthia Ribeiro, por, segundo eles, ela ter virado as costas para o grupo político que colocou-a no poder. O ressentimento também está presente no discurso do ex-senador Ataides Oliveira, que acusa a gestora de infidelidade partidária nas eleições de 2018;

16- O problema do ressentimento é que, de acordo com Maria Rital Kehl, trata-se de algo que é o avesso da política. O ressentido sempre apela para um discurso moral, buscando fazer crer que o problema  sempre está no outro e que ele (ressentido) é sempre o dono da razão. Nesse contexto a tendência é que os ataques pessoais se sobrepõem a discussão acerca da cidade e seus problemas. Na ótica do ressentimento a política é transformada não num instrumento que visa a busca do bem comum, mas num instrumento de perpetuação de regalias e privilégios a uma elite abastada.

17- Há exceções. E uma bela exceção foi o exemplo do Alan Barbiero ao deixar o PSB. Ele tinha tudo para sair cuspindo ressentimento contra Amastha e companhia – que o preteriram na disputa pela indicação a candidatura a prefeitura da capital. Mas ele demonstrou ter grandeza política ao demostrar que possíveis mágoas pessoas são tratadas em âmbito privado. Já na esfera pública discute-se  problemas do âmbito público;

18- Ao enfatizar nossos comentários nas cinco pré-candidaturas abordadas acima não estamos dizendo que só existem essas. Mas na nossa visão são as principais – as que tem condições de crescimento e por tanto de competitividade. Além dessas cinco terão outras? Provavelmente, sobretudo de partidos com perfil ideológico como o PSOL. Já outros pré-candidatos estão no campo da velha prática de vender o passe mais caro no momento de fechar uma aliança com um partido maior;

19- Ao falar em PSOL o partido acertou na indicação de ter candidatura própria nas eleições. Sabemos bem que não será  (se vier a se concretizar) uma candidatura para ganhar mas para fazer agitação e formação política. Sendo bem trabalhada ao final pode ter um bom saldo organizativo e até  (com o fim das coligações proporcionais) conquistar uma cadeira no parlamento municipal;

20- A declaração do presidente do PSB (Carlos Amastha) de que o PSOL não faz parte dos seus planos na construção das alianças (por se tratar de uma legenda radical) que sustentaram a candidatura de Andrino, não deve ser lamentada pela militância psolista, mas comemorada. Melhor ainda será se o Amastha conseguir levar o PT e o PC do B evitando que o PSOL se coligue com esses.

21- Numa chapa puro sangue o PSOL então poderá apresentar um projeto popular – com a defesa de radicalização da democracia. Nesse projeto não cabe o slogan apresentado no lançamento da pré-candidatura do Professor Bazolli – “Palmas: retomada da cidadania”. Ora, não é possível retomar o que nunca existiu. Nunca existiu um projeto de cidadania digno desse nome na capital, por tanto não tem como retoma-ló. Com esse slongan  parece estar se reivindicando uma gestão anterior. Se for isso qual gestão? A Gestão Raul Filho? A Gestão Amastha? Espero que não, mas se for o caso elas já terão seus representantes oficiais. Além disso estamos num momento de radicalizar pela esquerda e não de moderação. 

22- Em meados de 2019 escrevi um texto sobre as movimentações político-partidárias no Tocantins com vistas as eleições municipais de 2020. Nesse texto chamei atenção para um possível protagonismo dos partidos tradicionais, em especial, o DEM e o MDB. Isso agora parece mais evidente;

23- Em Palmas, quando analisamos o cenário, vemos que os principais pré-candidatos são de siglas tradicionais – PSDB, PP, PSB e PODE. Além disso o MDB tenta atrair o ex-prefeito Raul Filho. Já o DEM mesmo não tendo um candidato na cabeça de chapa, terá um papel protagonista – tendo o apoio disputado pelo PSDB e pelo PP a tendência é que fique dividido; 

24- A ala ligada ao governador Mauro Carlesse e ao deputado Guaguim tendem a apoiar a candidatura do Wanderlei Barbosa (PP). Já a ala ligada a deputada Dorinha Seabra vai de Cinthia Ribeiro (PSDB). Ainda que optem oficialmente por uma das duas é evidente que na prática não é o que acontecerá. E isso não vale apenas para o DEM e para as eleições em Palmas.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Como ser um escritor de sucesso ou para dizer que não escrevi auto-ajuda.

Minha mãe, Maria Lúcia sempre que vinha dá um conselho para algum dos meus irmãos começava a conversa com a seguinte frase: - “Dizem que se conselho fosse bom, ninguém dava. Vendia”.  E então ela dizia – “mas vou dar mesmo assim”. Confesso que nunca gostei dessa frase e hoje menos ainda, sobretudo por que discordo de que as coisas boas são aquelas que são vendidas. 

O que minha mãe não sabia era a capacidade do capitalismo de transformar tudo em mercadoria, inclusive os conselhos. Sim, Maria Lúcia, conselhos se vende sim – na forma do que conhecemos como literatura de auto-ajuda. Afinal de contas o que não é a auto-ajuda se não conselhos escritos como uma fórmula matemática para se conseguir algo almejado. Geralmente – o sucesso.

E não faltam escritores que se dedicam a isso – a lhe dizer – Como ser bem sucedido na vida profissional; Como encontrar a felicidade; Como ter um bom casamento; Como ter um bom relacionamento amoroso; Como ter uma vida saudável; Como ganhar dinheiro; Como isso, como aquilo, como aquilo outro. Eu também vou entrar nesse jogo e lhe dizer como fazer para ser um escritor de sucesso (apesar deu não sê-lo), a partir de dez conselhos infalíveis. 

1- Conselhos para se alcançar o sucesso: 

Como temos uma gama de pessoas medíocres incapazes de guiar a si mesmas. Não lhe faltará leitores ávidos por encontrar a fórmula que mudará suas vidas. Mau sabe o miserável que essa fórmula não existe. Mas isso não ti interessa, o que lhe interessa é que comprem o seu livro;

2- Seja polêmico: 

Trabalhe uma temática que desperte as paixões das pessoas. Ataque alguma referência, questione uma verdade estabelecida – claro sem se aprofundar, sem fundamentar ou fazer uma grande argumentação lógica. Os leitores, mas sobretudo a mídia adora polêmicas vazias. Você terá bastante visibilidade e ter muita visibilidade significa vender muitos livros;

3- Palavrões e xingamentos: 

Não me venha com conceitos filosóficos ou coisas do gênero. O que a maioria dos leitores adoram é xingamentos e palavrões do tipo: Foda-se, Idiota, toupeira e por ai vai. Quanto mais você conseguir baixar o nível, melhor – tipo um Lobão, um Reinaldo Azevedo, um Rodrigo Constantino, um Luiz Felipe Pondé, ou pior, um Olavo de Carvalho;

4- Críticas e elogios: 

É importante que teu texto tenha críticas e elogios. Mas é claro, é preciso saber bem quem você critica e quem você elogia. Pois isso pode abrir ou fechar as portas para ti. E se nós estamos falando de conselhos para alcançar o sucesso devemos elogiar aqueles que conseguiram isso. E a sua crítica deve se voltar contra aqueles que tentam desconstruir narrativas nesse sentido, por exemplo, os famigerados marxistas;

5- Estilo: 

É mais fácil fazer sucesso cantando música sertaneja do que cantando Rock. É mais fácil fazer sucesso cantando funk do que MPB. É mais fácil fazer sucesso escrevendo futilidades, puxando o saco das elites e literatura de auto-ajuda para pessoas mediocres do que uma literatura digna de se tornar um clássico. Por tanto não me venha com coisas demasiadamente intelectual, em especial, poesia e filosofia; 

6- A onda da vez: 

É a moda fitness? Youtuberes? Teologia da prosperidade? Futebol? Não importa. Embarque nela. Se é isso que as pessoas estão lendo, se é isso que as pessoas estão consumindo. Então é sobre isso que você tem que escrever. Não importa que daqui algumas semanas ninguém mais importe com isso. O importante é que você vendeu e ganhou muito dinheiro;

7- Como: 

Independente do que você escreva, o título do livro deve necessariamente começar com essa palavra mágica. Um exemplo é o título desse artigo (como ser um escritor de sucesso). Como já escrevi, as pessoas vivem a procura de uma fórmula para resolver seus problemas sem o impecilho de terem que buscar soluções por conta própria. E quando você faz um livro com o título: Como fazer para.... ou Como ser... Esses leitores são facilmente fisgados;

8- Exemplos: 

Nada melhor do que pessoas que conquistaram o sucesso para dizer como chegar lá. Por tanto utilize o exemplo dessas pessoas para convencer o seu leitor de que aquilo que você está falando é possível. Se fulano de tal conseguiu, por que você não conseguirá?  É disso que você tem que convencer o seu leitor. Ainda que sabemos bem, Como diz a filósofa estadunidense Agnes Callard, os conselhos dos “vencedores” não nos serve para nada, pois cada um tem o seu próprio caminho, e a forma de trilha-lo diz respeito a cada um somente;

9- O caminho mais curto: 

As pessoas querem ser bem sucedidas, mas sem ter que fazer muito esforço. Elas querem o caminho mais curto para conseguirem o que almejam. Por tanto lhes dê o que elas querem. Lhes dê tudo bem mastigadinho, um passo a passo de como muitos conseguiram e que concerteza ela conseguirá. Ainda que sabemos bem que não é assim que as coisas funcionam, que não existem milagres. Mas...;

10- Defender os valores do capitalismo:  

Escreva que a responsabilidade do fracasso ou do sucesso é sempre do indivíduo. Nada dele se apoiar em vitimismos, em discursos contra o sistema, em falta de condições iguais de oportunidade e por ai vai.  Não esqueça também de defender a liberdade individual, a competição de todos contra todos, e o empreendorismo como solução para os problemas. Ficar reclamando de tudo e de todos é coisa de fracassado. Em vez disso alie-se a eles e a mão invisível do mercado vos guiará para a glória.

Bem camaradas, seguindo esses conselhos você não só se tornará um escritor de sucesso com milhares de livros vendidos e traduzidos para outros idiomas, como também poderá se tornar o guru de alguma autoridade famosa ou ministro de algum governo. Não vale a pena tentar?! Você nada tem a perder a não ser a dignidade. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins.