quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Conto: Uma aventura

“Put a candle in the window,/'Cause I feel I've got to move./Though I'm going, going,/I'll be coming home soon,/Long as I can see the light...”. Essa canção fez vir a sua memória uma lembrança há muito tempo adormecida. Lembrança de uma aventura que nunca revelara nem para melhor amiga. Ainda que na época do acontecido, uns 20 anos atrás, houvesse quem especulasse. 

Era uma sexta-feira, seu noivo estava viajando á trabalho. Ele queria muito que ela fosse junto, mas não pode pois estava acontecendo um evento na faculdade, e ela fazia parte da comissão organizadora. Naquele dia teriam um convidado de outro Estado – um escritor que vinha ganhando destaque no cenário nacional com suas obras, e que a crítica apontava como um novo Lima Barreto. O tal escritor não gostava muito de participar de eventos públicos. Portanto seria uma oportunidade única de conhecer aquela figura que na medida que ia ficando mais conhecido, se tornava menos acessível, impondo a si mesmo uma reclusão.

O evento ocorreu de forma tranquila. A palestra com o tal escritor havia feito muito sucesso. Ainda que ela não achara grande coisa. Porém, como membro da comissão organizadora sentia-se feliz pelo sucesso do evento. O que pedia uma comemoração. E então juntamente com os demais colegas partiu para o bar do Velho Hippie. 

Aquilo não era muito o mundo dela, ainda mais sem o noivo. Mas deixou se levar pelos colegas. Qual não foi a surpresa dela ao se deparar num canto com o tal escritor – fumando um cachimbo e tomando conhaque. Ele lhe pareceu tão interessante – era como se um daqueles personagens rock in roll de suas estórias tivesse ganhado vida. Começaram a trocar olhares e logo estavam conversando como se fossem velhos conhecidos.

Ela nunca havia se sentido atraída por homem algum desde que conhecera o seu noivo. No entanto cada segundo perto daquele desconhecido alimentava um desejo quase incontrolável de se entregar a ele. - Como era encantador aquela figura. Pensava ela. Ela então se arrependeu de estar ali, quis ir embora, mas não conseguiu. 

Ela notava que ele também sentia alguma atração por ela, no entanto em nenhum momento avançou o sinal. Talvez estivesse inibido pela aliança dela. Quando ela se tocou já era tarde para esconder o anel de compromisso.

- Vai passar o final de semana aqui? Não quer curtir a natureza um pouco antes de voltar para a selva de concreto? Perto daqui tem uns lugares incríveis. Quando ela percebeu tinha praticamente pedido para que ele não fosse embora – que fugisse com ela para o meio da natureza onde pudessem ficar a sós. Ele não pensou duas vezes. Pouco tempo depois seguiam numa moto rumo ao interior. Ela conhecia uma pousada não muito longe dali onde podiam se hospedar e curtir a natureza sem serem incomodados por ninguém. 

Foi uma viagem inesquecível. Ela se entregou a ele como já mais se entregara a homem algum. Por trás de uma imagem rock in roll, sempre com um cachimbo e tomando conhaque, havia um cara romântico. Era como se eles se conhecessem a vida toda – a intimidade entre eles era completa. Assim passaram aquele final de semana tendo como trilha sonora além da natureza, o som do Creedence, que entre outras estava aquela canção que a fez recordar daquela estória. 

Na segunda-feira eles retornaram. Ele partiu de volta para sua terra e ela voltou para sua vida ao lado do noivo, com quem se casou pouco tempo depois. Nunca mais ouviu falar dele, que ao contrário do que diziam, não se tornou um um escritor de sucesso. Mas não esquecerá aquela aventura que levaria em segredo para o túmulo. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Apenas um rapaz latino-americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in roll. 




 


sábado, 10 de setembro de 2022

A violência e o desafio da construção de uma cultura de respeito a dignidade humana

O respeito a dignidade humana é reconhecido por parte do Estado brasileiro em diferentes documentos, entre eles a Constituição Federal de 1988, que elenca-a como um dos direitos fundamentais de todo cidadão brasileiro. No Plano Nacional de Direitos Humanos  (PNH3) essa questão é reafirmada, ressaltando o papel dos agentes públicos e da sociedade em geral na sua efetivação. No entanto, na prática, os direitos humanos parece ser opcional, como aponta a violência cotidiana a qual é submetida, sobretudo, as populações marginalizadas.

A violência não é um fenômeno recente e não diz respeito a uma realidade específica. Não precisamos nem assistir o jornal para confirmar esse diagnóstico, pois vivenviamos no dia a dia, seja  na comunidade ou dentro de casa. Quando analisamos a história da humanidade é difícil se contrapor a ideia de Thomas Hobbes de que o ser humano é mau por natureza. Daí a necessidade de um poder absoluto que garanta a segurança dos cidadãos. Na prática essa segurança é para o “cidadão de bem”, aquele que possui os meios de produção. Aos demais há que se submeter a ordem dominante, sem direito ao mínimo de dignidade. 

Marx tem razão quando afirma que o Estado é um instrumento de dominação de uma classe sobre outra. É a partir da sua crítica que compreendemos como a violência se torna estrutural. Isto é, ela está na base de um modo de produção que organiza a sociedade a partir da exploração daqueles que precisam vender sua mão de obra para sobreviver, por aqueles que detém os meios de produção.

Essa relação de exploração foi estruturando uma sociedade desigual. Nesse contexto o Estado que deveria contribuir para superação dessa desigualdade ao servir como um instrumento de conciliação dos conflitos, é utilizado para manter a ordem dominante. É daí que temos a violência do Estado, ou seja, aquela que se estrutura a partir da lógica de que é preciso manter a ordem. 

Na prática o que acontece é a repressão á população marginalizada que está excluída das benesses do Estado de direito. Desse modo, o Estado que deveria proteger, torna-se um agressor – que deveria garantir a dignidade humana, age de forma contrária. Essa violência não se reduz a utilização da força física. Talvez a sua forma mais eficaz seja a violência psicológica, ou seja, aquela que age sobre a consciência dos indivíduos obrigando-o a se comportar de determinado modo.

Nesse contexto, Marcuse nos ajuda a compreender essa questão ao analisar a ideologia da sociedade industrial caracterizada pela transformação da racionalidade tecnológica em instrumento de dominação política, que se dá sobretudo a partir da introjeção de determinados valores que contribui para manutenção da ordem dominante. Com isso a alienação apontada por Marx, transforma-se em autoalienação.

Para superar esse processo o filósofo Vladimir Safatle, salienta que devemos pensar a sociedade como um circuito de afetos – que desde Hobbes tem o medo como fundamento. De modo que se quisermos uma transformação qualitativa da sociedade devemos supera-lo.

Safatle nos diz que: “o Estado não tem apenas o direito de vida e morte, ele tem o direito de desaparecimento. Por que o eixo fundamental do processo de gestão é gerir a invisibilidade. Sobre esta violência, não haverá marcas, não haverá nomes, não haverá imagens, não haverá afeto nem identificação”. 

Nesse contexto não podemos falar em dignidade humana. O que se vê é o contrário. O Estado que deveria ser um dos principais agentes na garantia desse direito acaba por gerir a invisibilidade – acaba negando o direito a memória –algo tão importante para nossa constituição enquanto povo.

Nessa perspectiva o filósofo Paulo Arantes pontua que “o Estado de Direito encontra-se a deriva no mundo inteiro: ainda é norma incontornável, porém cada vez mais inefetiva”. Isto é, só existe no papel, ou pior ainda, é seletivo.

E nós como ficamos diante desse contexto? Nos parece que por mais que pareça difícil de mudar não podemos aceitar como normal o ataque aos direitos humanos e a criminalização daqueles que lutam por estes direitos. Quando nos silenciamos diante desse ultraje estamos contribuindo para que a violência contra populações marginalizadas sejam naturalizadas. E também estamos abrindo espaço para que projetos autoritários avance sobre regimes democráticos. Desse modo concluímos com Bertold Brecht: “Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.”

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 


segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Filosofia e literatura: relato de uma experiência a partir da leitura da obra “O cortiço” do Aluísio Azevedo

Quando me desafiei a trabalhar a literatura brasileira no contexto do Projeto Brasil200 – Bicentenário da Independência. Não tinha muito claro o que iria fazer e nem como. Tinha apenas a convicção de que teria um leque de possibilidades para trabalhar as raízes e riquezas a partir de uma perspectiva crítica. 

No entanto, pelo espaço de tempo reduzido, era necessário fazer escolhas. Daí que optei por trabalhar uma obra específica – o que nos possibilitava um estudo mais aprofundado – essa obra foi o livro “O cortiço”.  Mesmo assim, ainda era muita coisa para o pouco tempo de horas aulas semanais que tínhamos. De modo que para garantir que de fato a leitura, a análise e discussão fosse feita pelos estudantes, optamos por ficar no capítulo 1 – que no nosso ponto de vista já trazia elemento suficiente para uma boa discussão sobre a questão ética – objeto de conhecimento que estávamos desenvolvendo no Componente Curricular de Filosofia.

Para nortear a leitura e análise da obra elaboramos algumas questões. As duas primeiras se referiam a quem era o autor e o contexto que ele produziu a obra (1- Quem é o autor? Faça um breve resumo da sua biografia; 2- Em qual contexto histórico a obra foi escrita?). Num exercício hermenêutico, são questões fundamentais para compreensão do livro. As questões seguintes referiam-se a obra propriamente (3- Do que trata a obra?; 4- Quais são os principais personagens?). Ainda que o exercício se resumia a leitura e análise do capítulo 1 do livro, era questões possíveis de ser respondida. Por fim, as duas últimas questões exigia exercício de pensamento  (5- Como você avalia a conduta ética dos personagens?; 6- O que a obra nos ensina sobre o Brasil?). Para responder essas questões, sobretudo a quinta, eles deveriam utilizar a base teórica que aprenderam nas aulas de introdução a Filosofia Moral.

Num contexto em que o hábito da leitura não é muito comum, não houve surpresa da minha parte quando encontrei resistência dos alunos em fazer a leitura e responder a atividade proposta. Porém no decorrer da leitura foram sendo fisgados pela escrita brilhante do Aluísio Azevedo ao nos apresentar João Romão, Bertoleza, Miranda e Dona Estela. Eu me divertia ouvindo o comentário deles sobre os personagens e intervia pontualmente esclarecido algum termo ou contexto histórico – como por exemplo, o que era um escravo de ganho – situação da Bertoleza.

A escolha do livro “O cortiço”, e do capítulo 1 especificamente, não foi aleatória. Além de ser uma obra prima da nossa literatura, nos permite problematizar questões importantes sobre a nossa formação enquanto povo. Escrito no pós-independência, O cortiço é considerada a obra inaugural do movimento naturalista no Brasil, que entre outras questões defende uma visão antropológica de que o homem é produto do meio. 

“e, naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma geração, que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e multiplicar-se como lavas no esterco”.

Eis a descrição que o nosso escritor faz do Cortiço (Ou seria do Brasil?). Partindo da tese naturalista é possível imaginar que tipo de gente sairia dali. Noutra passagem ele descreve o português João Romão  (um bom exemplo da elite brasileira?):

“Sempre em mangas de camisa, sem domingo nem dia santo, não perdendo nunca a ocasião de assenhorear-se do alheio, deixando de pagar todas as vezes que podia e nunca deixando de receber, enganando os fregueses, roubando nos pesos e nas medidas...”.

Como esperávamos, essas questões foram ressaltadas no exercício feito pelos estudantes. Eles conseguiram capitar bem, assim como relacionar a conduta ética dos personagens com a nossa realidade. 

Depois da devolutiva deles, fiz uma análise geral da obra problematizando algumas questões, relacionando ao contexto histórico em que o livro foi publicado e as questões que estavam em debate na sociedade brasileira – questões que levaram, por exemplo, a uma política, por parte do Estado brasileiro, de branqueamento da população através do incentivo da imigração Europeia para o Brasil. Ao final, o nosso exercício de leitura critica, mostrou-se uma experiência exitosa. Além de pensarmos o nosso país a partir da literatura, estimulamos a leitura e a crítica. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica no CENSP-LAJEADO. 

terça-feira, 30 de agosto de 2022

BRASIL200: Projeto do CENSP-LAJEADO celebra o bicentenário da independência do Brasil

Estamos nos aproximando do 7 de Setembro – data onde é celebrado a independência do Brasil. No âmbito educacional a data começa a ser trabalhada, a partir de uma perspectiva multidisciplinar, uma semana antes, no período definido como Semana da Pátria – organizando os estudantes para os desfiles e momentos cívicos-militares que ocorrerão no dia 07 propriamente. No entanto, em 2022 a data ganhou um peso maior, pois completa-se 200 anos do gesto de Dom Pedro I as margens do Rio Ipiranga, proclamando a independência do Brasil do Reino de Portugal.

É nesse contexto que, organizado conjuntamente pelas Áreas de Ciências da Natureza e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, o Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência  (CENSP-LAJEADO) está promovendo junto às turmas do Ensino Fundamental,  Médio e EJA, o Projeto Brasil200. Tendo como tema: o Bicentenário da Independência do Brasil. E como lema: Nossas riquezas, nossas raízes. O objetivo dos organizadores é, além de refletir criticamente sobre a independência do Brasil, analisar a sua construção enquanto um Estado-Nação, a partir das suas riquezas e raízes. Para tanto estão sendo realizadas diversas ações, iniciadas no dia 16 de agosto, e que serão culminadas no dia 06 de Setembro de 2022.

Entre essas ações estão aulas expositivas, pesquisas e confecção de produtos educacionais envolvendo temáticas que perpassam: Artes e Humanidades; Ciências, tecnologia e Inovação; Educação, Esportes e Cidadania; Territorialidades e Costumes; Literatura e Cinema; e Brasil Rural – esta última na extensão Pedreira. 

A partir das temáticas podemos perceber a intenção da equipe organizadora de transcender o grito de independência de Dom Pedro I, as margens do Rio Ipiranga, no dia 07 de Setembro de 1822. Por exemplo, no campo da literatura, estão sendo trabalhadas o estudo e análise de obras que nos ajudam a compreender a formação do Brasil – uma dessas obras é “o cortiço” do Aluísio Azevedo. No campo da cidadania, uma das ações é a leitura, apresentação e discussão do texto “Sobre o óbvio” do Darcy Ribeiro,  que nos ajuda a compreender a educação brasileira. Também no campo da cidadania, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é objeto de estudo e discussão. No campo das Ciências, Tecnologia e inovação uma das ações é a confecção de arte utilizando aparelhos celulares.

Em relação a parte histórica especificamente, o Professor Carlos Ribeiro produziu com os estudantes um curta metragem, relatando de forma cômica, os acontecimentos históricos que levaram a independência do Brasil do Reino de Portugal. O mesmo já está disponível no seu canal do YouTube (Estudantes: Ação! https://youtu.be/08mwMXJlrxs. E também será exibido na culminância do Projeto Brasil200.

Como dissemos. Ainda que o 7 de Setembro é celebrado como o dia da independência do Brasil, o Projeto busca ir além dessa data ao propor um olhar crítico para nação que nasceu desse processo. Até por que como ressalta Sérgio Guerra filho (2022), não podemos reduzir a independência a essa data sob o risco de se perder “muito da complexidade que o caracterizou”. Como por exemplo, “as múltiplas experiências vivenciadas nas diversas províncias, antes e depois do grito do Ipiranga, e o protagonismo de setores sociais não proprietários, as classes populares”. 

Nessa perspectiva vale a pena ler o livro “Vozes do Brasil – A linguagem politica na independência” (2021), publicado pelo Senado Federal – Que mostra essa multiplicidade destacada por Sérgio Guerra Filho, no livro “Independência do Brasil – a história que não terminou”, organizado por António Carlos Mazzeu e Luiz Bernado Pericás, que acabou de sair do forno pela editora Boitempo. E que também vale a pena a leitura.

Enfim, o Projeto Brasil200, não é só mais um projeto desenvolvido no âmbito escolar. Trata-se de um evento importante, onde a partir de um determinado marco histórico, os estudantes e a comunidade em geral serão levados a conhecer mais a fundo o país e refletir sobre suas raízes e riquezas.

Não que isso não seja feito ao longo do ano letivo. No entanto, as celebrações do bicentenário proporciona um ambiente favorável para que se dê uma ênfase maior a essa temática – que certamente terá continuidade nas aulas regulares. Pois como já pontuado, conhecer mais a fundo esse país-continente, exige da nossa parte um estudo contínuo.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente é Professor da Educação Básica do CENSP-LAJEADO.

quinta-feira, 25 de agosto de 2022

08h40

As 08h40

de um dia vinte e cinco,

o coração mais generoso que conheci

parou de bater.


As 08h40

de um dia vinte e cinco,

sagraram meu coração 

com a notícia da partida dela.


Ele ainda bate, 

mas já não sente.

pois todo meu sentimento 

se foi com ela.


Naquele dia vinte e cinco 

as 08h40.


Pedro Ferreira Nunes – Casa da Maria Lúcia. Lajeado-TO.  Lua Cheia – Verão de 2022.





sábado, 20 de agosto de 2022

Em defesa da democracia: Glauber fica!!!

Que espécie de democracia ameaça o mandato de um deputado por questionar a postura autoritária de um presidente de uma instituição que deveria preservar pela livre expressão de ideias e posições acerca das questões debatidas ali? Tal postura é uma ameaça aos valores democráticos que entre outros se caracteriza pela defesa da pluralidade de ideais. Por tanto processos como esse deveria ser encarado com indignação e repúdio por toda a sociedade.

Não estou falando de uma situação hipotética, mas de um  processo em curso. O deputado Federal Glauber Braga (PSOL/RJ) está sendo investigado por quebra de decoro no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados e corre o risco de perder o mandato. O seu crime? Questionar o Presidente daquela casa de leis (Deputado Arthur Lira) se ele não tinha vergonha de articular para colocar em votação um projeto que bota em risco a soberania nacional. A postura de Lira não poderia ser mais medíocre, ao invés de rebater os argumentos do Glauber, quis silencia-lo, não conseguindo articulou junto ao seu partido o processo em curso no Conselho de Ética. 

Imagina se um episódio desses estivesse ocorrendo num país como China, Rússia, Cuba ou Venezuela. Certamente teríamos uma grande cobertura midiática e uma onda de repúdio. No entanto estamos falando do Brasil – onde nos últimos anos houve uma normalização de ataques aos valores democráticos.

Diante disso devemos ficar alerta e nos mobilizar em defesa do mandato do deputado Glauber Braga – o seu mandato é uma trincheira de resistência contra os ataques a classe trabalhadora – contra o governo Bolsonaro e seus lacaios.

Com um discurso firme e uma oratória brilhante, Glauber incorpora como ninguém a tradição combativa da esquerda revolucionária – um bom exemplo nesse sentido foi sua fala durante a votação do processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff:

“Eu voto por aqueles que nunca escolheram o lado fácil da História. Eu voto por Mariguella; eu voto por Plínio de Arruda Sampaio; eu voto por Evandro Lins e Silva; eu voto por Arraes; eu voto por Luís Carlos Prestes; eu voto por Olga Benário; eu voto por Brizola e Darcy Ribeiro. Eu voto por Zumbi dos Palmares. Eu voto não!”

 A contundência do seu discurso incomoda aqueles que preferem agir por baixo dos panos. No entanto, apesar da contundência, ele já mais baixou o nível dos seus argumentos – fundamentando-os em fatos. O questionamento ao deputado e Presidente da Câmara Arthur Lira mostra bem isso. 

Glauber questionou se ele não tinha vergonha de manobrar para facilitar a privatização da Petrobrás pelo Governo Bolsonaro. Infelizmente esse tipo de gente não tem vergonha. E quando confrontado fica indignado. Mas quem deveria ficar indignado é àqueles que são vítimas dessas negociatas. No final, ao questionar se Lira não tinha vergonha da manobra, Glauber foi até benevolente.

Além da pluralidadede de ideias outra coisa que caracteriza a democracia é o conflito – que vem justamente dessa pluralidade. Mas esse conflito não pode ter como fim a eliminação do outro. E sim a busca por consenso. Não sendo este possível, vence quem tem a maioria. No entanto, ao tentar cassar o mandato do deputado Glauber Braga, por não ter gostado da sua forma contundente de questionar Arthur Lira, a lógica é outra. É a lógica de eliminação do inimigo – se não concordo com ele, elimino-o. Ora, isso não numa democracia.

Por tanto, salientamos que o que está em jogo nesse processo contra o deputado Glauber Braga é o regime democrático. Desse modo, independentemente de qual espectro político se é, não se pode aceitar essa cassação, sob pena de estar sendo conivente com o fim da nossa frágil democracia.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Eleições no Tocantins 2022: Definição das candidaturas majoritárias e estratégias políticas

Com a homologação oficial das candidaturas temos um quadro definido de como serão as eleições 2022 no Tocantins. Até então houve muita especulação nos portais de noticia locais. Mas a priori não houve uma grande mudança em relação ao cenário que desenhamos na pré-campanha, sobretudo no que diz respeito a principal disputa que é pelo cargo de Governador.

Confirmou-se a candidatura do atual Governador Wanderlei Barbosa pelo Republicanos, tendo Laurez Moreira (PDT) na vice e a deputada federal Dorinha (União Brasil) na vaga de candidata ao senado. Despontando como seu principal adversário temos Ronaldo Dilmas do Partido Liberal (PL), com Freire Júnior (MDB) na vice. E a princípio, sem candidato oficial ao senado. Paulo Mourão do Partido dos Trabalhadores (PT) também conseguiu oficializar sua candidatura com a Germana (PC do B) de vice e o João Hélder Vilela (PT) para o senado.

Além dessas três candidaturas que vinham sendo construídas há algum tempo, tivemos a homologação de outras. Na nossa análise isso era previsível e apontamos os nomes de Osires Damaso e Laurez Moreira como possíveis candidatos que poderiam crescer incorporando os descontentes com a falta de espaço nas coligações principais. Ao final nenhum e nem outro. Esse nome será do Senador Irajá Abreu (PSD). Resta saber se depois da sua postura bastante questionável na pré-campanha, ainda terá alguém minimamente inteligente politicamente que o queira como aliado.

Outros nomes na disputa são: Karol (PSOL/REDE), Luciano de Castro (DC), Coronel Ricardo (PMB) e Carmen Hannud Carballeda Adsuara (PCO). O objetivo dessas candidaturas são distintas. Seus proponentes sabe que dificilmente conseguiram alcançar 1% do eleitorado. De modo que aproveitam a oportunidade para se promoverem, como é o caso do Luciano e do Coronel Ricardo. Ou fortalecer o partido como é o caso da Carmen. E no caso da Karol, a federação PSOL/REDE.

A disputa ao Senado

Se a disputa pelo Governo, parece bastante previsível, ficando entre Wanderlei e Dimas – uma disputa que não se resolverá no primeiro turno. A competição para vaga no senado promete ser mais acirrada. São pelo menos quatro nomes competitivos que estão na disputa: Dorinha (União Brasil), Kátia Abreu (PP), Amastha (PSB) e Carlesse (AGIR). Desses nomes, três apostam em candidaturas independentes, isto é,  não alinhadas a um candidato a Governador – pelo menos não nesse primeiro momento. 

A priori parece estranho que nomes de peso como esses não tenham encontrado espaço numa chapa majoritária que lhes agregaria força e que eles por sua vez retribuiram. O problema são os ônus para quem se alinhar com um desses nomes. No caso do Carlesse as denúncias de corrupção que lhe tirou do Governo. E do Amastha e Kátia as polêmicas que hora e outra estão protagonizando. 

Do ponto de vista eleitoral, a candidatura independente dará maior mobilidade a esses candidatos que não ficaram preso a um palanque. Por outro lado, mostra que o interesse pessoal se sobrepõe ao coletivo. Não é uma novidade na política tocantinense. Em 2018, por exemplo, nos municípios o prefeito apoiava um candidato a deputado estadual de um grupo, um deputado federal de outro e um senador de outro. Dessa vez esse tipo de campanha será ainda mais forte. Um exemplo que corrobora com essa tese é a da Prefeita de Gurupi (Josi Nunes) que declarou apoio a Dimas ao Governo e a Carlesse para o senado. Ora, mas eles não fazem parte do mesmo projeto. É uma incoerência portanto. No entanto, a coerência não é muito o forte dos políticos tocantinenses, que o diga Irajá e Amastha. 

Irajá e Amastha conseguiram fazer com que a pré-campanha para eleição de 2022 fique marcada por dois episódios: A postura do Senador Irajá Abreu  (PSD) que culminou com a desistência do deputado Osires Damaso de disputar o Governo do Tocantins, depois de toda uma articulação que contou com importantes apoios e o colocava como uma terceira força na disputa. E a rasteira (para não dizer golpe) do Amastha no Vanderlei Luxemburgo  lhe tirando a vaga de candidato ao senado. Logo ele que se dizia contra a velha política, mostrou-se adepto de suas piores práticas. 

Agora começamos uma nova fase. A da campanha propriamente. O desafio dos candidatos agora é fazer suas campanhas ganhar as ruas, pois a maioria da população está alheia ao processo até então – a não ser a disputa nacional que vem mobilizando paixões. É preciso salientar no entanto que em que pese estarem definidas as candidaturas, em se tratando de política tocantinense o imprevisível pode entrar em campo a qualquer momento e mudar o jogo. Fiquemos de olho.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos.