quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Resenha: Porto Universal e os caminhos do Tocantins

Caiu em minhas mãos mais um livro de memórias. Este de Deijayme Aires da Silva – figura histórica da velha Porto Nacional e na luta pela criação do Estado do Tocantins. Suas memórias nos leva a uma viagem no passado – ao encontro com nossas raízes – com fatos que muitas vezes não aparece nas narrativas oficiais. Gosto desse tipo de obra, por mais que elas nos apresentam uma perspetiva pessoal. Mas o que é a história se não narrativas?! Cabe a nós não tomarmos essas com valor universal.

Dejayme Aires da Silva é um personagem interessante (desses que Porto Nacional parece propiciar como em nenhum outro lugar). E os seus feitos fala por si só. Por exemplo, o reflorestamento empreendido por ele numa área de 36 alqueires onde cultiva 80 mil árvores que “melhora o meio ambiente”. Isso é um belo exemplo, sobretudo após ter se dedicado a agricultura e pecuária de grande porte (com seus conhecidos efeitos nocivos ao meio ambiente). Também teve uma intensa participação na vida política local, sendo vereador por vários mandatos (chegando a presidência da casa de leis), candidato a prefeito, presidente de cooperativa de produtores e do Comitê Pró Estado do Tocantins. 

É essa imagem que vai sendo construída na nossa mente ao longo da leitura de “Porto Universal e os Caminhos do Tocantins”. A edição (2021) é do próprio autor, e que edição. O livro pode ser dividido em duas partes: A primeira, que perpassa a apresentação, introdução e estudos preliminares. Aqui temos um olhar mais academicista, falando sobre a importância da obra, o processo de criação e o estudo sobre a árvore genealógica da família Aires/Ayres. Essa primeira parte me pareceu pouco atrativa, sobretudo para quem não é do meio acadêmico. Já a segunda parte, onde temos o relato propriamente do Deijayme Aires da Silva – é onde de fato a leitura do livro flui. A narrativa é envolvente, nos leva para dentro dos acontecimentos,  e quando percebemos já chegamos ao final da obra.

Algumas passagens é de uma grande beleza poética. Como por exemplo, no capítulo I: Resgatando memórias (2021): “lembranças boas do meu tempo de menino. A gente mesmo fazia os brinquedos com cestas de frutas do cerrado e osso de gado... E havia o rio, claro. As praias naturais do Tocantins eram recreios dos meus irmãos maiores. Eu era pequeno e tomava banho próximo da beirada” (pág. 55 e 56).

Essas lembranças certamente é a mesma de muitos que cresceram por essas bandas do norte. Como também a sina de deixar a sua terra natal em busca de uma vida melhor. Foi o que ele fez quando deixou Porto Nacional para morar em São Paulo. Não viveu muito tempo longe da sua terra – um período suficiente para que se encontrasse: “depois dessa rica experiência numa sociedade mais dinâmica e complexa, retornei para Porto Nacional com uma perspectiva ampliada de desenvolvimento pessoal e profissional, o que me permitiu dar mais foco e direção a minha vida” (pág. 67).

Um desses focos será a vida pública através da militância política. É possível imaginar o jovem Deijayme retornando para Porto Nacional após toda a carga cultural que recebeu vivendo em São Paulo. Entrar na política para tentar transformar a realidade local foi, digamos, um passo natural. A sua imaturidade não permitia que ele percebesse que para as oligarquias a política não é um caminho para busca do bem comum, mas para manutenção dos seus interesses.  Isso Deijayme só perceberia tempos depois. 

“Quando o poder mudava de mãos e de grupo, havia um rearranjo no tabuleiro. Quanto à mim, Que primava pelo pragmatismo político, levei bordoada das duas correntes políticas locais, ambas carcomidas pelo tempo e viciadas no velho jogo político” (pág. 87).

Percebe-se uma mágoa de Deijayme com a política. Inclusive com Siqueira Campos, na luta pela criação do Estado do Tocantins. Nosso personagem teve um papel efetivo juntamente com um grupo liderado pelo juiz Feliciano Braga na luta pela criação do mais novo Estado da federação. E acredita que a importância do então Deputado Federal Siqueira Campos, é supervalorizada. Nas suas palavras “Siqueira Campos foi um mau necessário para criação do Estado,  ou seja, teve a sua utilidade histórica” (pág. 101).

Enfim, é um livro que não só vale a pena a leitura, como também ser trabalhado nas redes de educação (municipais e Estadual) do Tocantins. Por ser uma leitura acessível creio ter um potencial de ser trabalhado tanto com crianças como com adolescentes. Trabalhar, sobretudo, o modo de vida no antigo Norte Goiano – que nos trouxe aonde estamos hoje. Quanto às polêmicas, Deijayme não foge delas, são importantes para se problematizar as narrativas oficiais acerca da história de Porto Nacional e da criação do Estado do Tocantins. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.

sábado, 5 de novembro de 2022

Poema: Depois da Vitória

 

Depois da vitória 

Houve:
Gritos,
Sorrisos, 
Abraços, 
Apertos de mão. 

Houve:
Fogos,
Carreata,
Cervejada,
Batucada de montão. 

Houve:
Amor,
Ardor,
Carinho,
Paixão. 

Houve:
Cantos,
Encantos, 
Beijos, 
Celebração.

Depois da Vitória, 
Ah, depois da Vitória.
O sonho de uma nova nação. 

Pedro Ferreira Nunes – Casa da Maria Lúcia. Lajeado do Tocantins. Lua Crescente. Inverno de 2022.

domingo, 30 de outubro de 2022

Poema: Um Rio


Há um rio dentro de mim
Lajeado
Tocantins
Há um rio dentro de mim.

Prestes a transbordar
Nenhuma barragem
Irá segurar.

Prestes a transbordar
E o mundo todo
Inundar.

Há um rio dentro de mim
Lajeado
Tocantins
Há um rio dentro de mim.

Eles tentam me destruir
Mas continuo 
aqui.
Eles tentam me destruir
Mas eu vou
Resistir.

Pois há um rio dentro de mim
Lajeado
Tocantins
Há um rio dentro de mim.

Pedro Ferreira Nunes - Poeta, Escritor e Educador Popular. 

terça-feira, 25 de outubro de 2022

Mulheres na Filosofia: Um relato de experiência da disciplina Tópicos Especiais em Filosofia e seu Ensino

Nós que temos uma formação em Filosofia sabemos o quanto a presença das mulheres, enquanto filósofas é negligenciada. É verdade que isso tem mudado nos últimos anos. Sobretudo diante do espaço que as mulheres têm ocupado em cargos de docência. Mas o fato é que ainda estamos falando de exceção. Durante minha experiência enquanto graduando em Filosofia não fui apresentado a importantes contribuições das mulheres no campo filosófico. Lembro-me apenas de ter estudado alguma coisa de Hannah Arendt, Martha Nussbaum e Chantal Mouffe. Ora, se não somos introduzidos a história das mulheres na Filosofia, como iremos trabalhar o ensino de Filosofia a partir de uma perspectiva mais plural?

É diante desse contexto que ressaltamos a importância do tema Mulheres na Filosofia a partir de uma perspectiva de gênero trabalhado na disciplina de tópicos especiais em Filosofia e seu ensino – uma oportunidade de diminuir o déficit acerca dessa temática e a partir daí ter mais subsidio para desenvolver, nas aulas de Filosofia no contexto da educação básica, o pensamento de Mulheres filósofas sobre diversos temas, em especial a condição da mulher na nossa sociedade – uma condição de invisibilidade e violência. E ninguém melhor para ministrar essa disciplina de que uma filosofa - a Professora Solange Aparecida de Campos Costa – integrante do Grupo de Trabalho Filosofia e Gênero da Associação de Pós-Graduação em Filosofia (ANPOF) e que atua como docente na Universidade Estadual do Piauí (UESPI), no Mestrado Profissional de Filosofia (PROFI-FILO) na Universidade Federal do Tocantins entre outros.


No plano de curso, disponibilizado pela Professora Solange, pudemos ver o objetivo da disciplina Tópicos especiais em Filosofia e seu ensino. Entre eles encontramos: “Analisar historicamente mobilizações em prol dos direitos das mulheres e a inserção dos debates de gênero; Analisar o gênero como construção sócio histórico e cultural; Pensar as relações de gênero como possibilidade de uma educação para equidade, prevenindo contra preconceitos e discriminação, com respeito a alteridade e as identidades culturais; Refletir criticamente sobre os estudos de gênero como subsídio para a construção de uma educação emancipatória.” O que seria desenvolvido a partir da apresentação e discussão acerca de diferentes pensadoras, algumas mais conhecidas (pelo menos para mim) como é o caso da Simone de Beauvoir, Silvia Frederici Ângela Davis e bell hooks e outras nem tanto como Gerda Lerner, Françoise Vergès e  Lélia Gonzalez. As aulas ocorriam na quarta-feira, dás 19h ás 21h, pelo Google Meet.


O que poderia ser um fator limitante para o debate, o fato de ocorrer de forma remota não trouxe grandes prejuízos para o desenvolvimento das aulas. Pelo contrário, o tempo parecia insuficiente pelos debates que eram suscitados durante a exposição da professora Solange. Confesso que minha posição era mais observar e absorver tudo que estava sendo passado, sem fazer grandes intervenções. Não que as aulas não instigassem questões, mas na maioria das vezes me sentia satisfeito com as discussões postas pelos colegas. As discussões fomentadas durante as aulas foram tantas que logo percebemos que o plano do curso não seria alcançado na sua totalidade, sobretudo em relação as autoras abordadas – uma aula era insuficiente para abordar a riqueza de pensamento das autoras selecionadas pela Professora Solange, por mais que o seu objetivo era introduzir a temática.


Desse modo ao longo das aulas, das 10 pensadoras previstas, conseguimos chegar na quarta. Dessas apenas a Michelle Perrot ainda não havia ouvido ou lido sobre. Já a Simone de Beauvoir, Silvia Federici e Ângela Davis, sim. E inclusive lido alguma coisa. No caso de Beauvoir e Davis, já havia até abordado em sala de aula – obvio, de forma bastante superficial, dado a minha falta de conhecimento sobre a temática e a obra dessas autoras. Lamento não ter tido tempo de termos estudados as demais pensadoras que estavam no plano de curso, no entanto o material disponibilizado na forma de texto dessas autoras, certamente será importante para que façamos esse estudo de forma individual e que isso possa refletir nas nossas aulas.


Do ponto de vista individual não tenho nenhum problema quanto a isso. Pelo contrário, acredito ser bastante sensível quanto a essa temática, como também a inserção do pensamento feminino no Ensino de Filosofia. No entanto, não posso dizer que eu tenha o domínio suficiente para desenvolver discussões nesse sentido de forma adequada. No entanto, é certamente uma limitação que pode ser superada. E disciplinas como essa desenvolvida no Mestrado Profissional de Filosofia, contribuem para tanto. No entanto, insuficientes. O que exige da nossa parte, uma busca constante para continuarmos nos aprofundando na discussão acerca da Filosofia e Gênero.


Durante as aulas da disciplina Tópicos Especiais em Filosofia e seu ensino. É difícil destacar uma única pensadora que tenha me chamado atenção. Na verdade, todas trouxeram questões importantes que nos ajuda a compreender a luta histórica das mulheres pelos seus direitos. Simone de Beauvoir, por todo o seu pioneirismo não poderíamos deixar de citar. O incomodo que o seu pensamento causa numa sociedade ainda demasiada machista, mostra a sua importância. Para além da frase emblemática: “não se nasce mulher, torna-se mulher”. Há um grito em defesa da liberdade da mulher, um chamamento a sua organização e luta pelos seus direitos. O desafio que Beauvoir elenca no seu “Segundo Sexo” (1949), isto é, como encontrar a independência no seio da dependência, continua atual.


É importante reconhecer que muito se avançou nesse sentido, no entanto muito aquém do necessário. Quando abrimos o noticiário diariamente e vemos os casos de violência que as mulheres são submetidas percebemos o quanto ainda temos que avançar. E levando em consideração que a violência física é apenas a parte mais visível de uma condição de invisibilidade a qual a mulher foi e continua sendo submetida ao longo da história, nos faz questionar se houve avanço mesmo. E ainda mais, se é possível esse avanço nos marcos de uma sociedade capitalista. Nesse sentido a contribuição da Silvia Federici nos parece fundamental ao pontuar que o modo de produção capitalista em última análise, é mais prejudicial a mulher. Se há uma condição de exploração na sociedade capitalista, de uma classe sobre outra, como apontou Marx, a mulher é certamente quem dá uma conta maior de sacrifício para manutenção da ordem dominante. A ousadia da Michele Pirrot de escrever a história das mulheres a partir da perspectiva de uma mulher deve ser enfatizada. Pois certamente, não seria mesma coisa se essa história fosse escrita por um homem. Na verdade, a história, majoritariamente, é escrita a partir do ponto de vista masculino, e o que se vê é que a mulher, quando aparece, desempenha um papel de submissão. Por fim, não poderíamos deixar de destacar a contribuição da Ângela Davis, trazendo a perspectiva da mulher negra, pois quando olhamos para situação de violência a qual a mulher é submetida, a mulher negra e indígena certamente está numa situação ainda mais degradante. Daí toda a importância que a Ângela Davis trás sobre os direitos reprodutivos – num contexto em que se tem debatido a questão do aborto, com avanços em alguns lugares (Mexico) e retrocessos em outros (EUA), eis uma questão que não podemos deixar de fazer por medo de visões moralistas, influenciadas por dogmas religiosos. O fato é que vivemos numa sociedade extremamente desigual, onde as mulheres, sobretudo as negras, são colocadas numa situação que não vem alternativa senão abortar uma criança pela falta de perspectiva em garantir o mínimo de condições de sobrevivência a essa criatura.


Enfim, acredito que a disciplina Tópicos Especiais em Filosofia e seu ensino, me proporcionou, ainda que de forma introdutória, a discussão de Gênero a partir da perspectiva da Filosofia. Me proporcionou um contato mais aprofundado com autoras que eu já conhecia e temáticas importante quanto a condição da mulher na nossa sociedade. Acredito que mesmo não tendo conseguido abordar todas as pensadoras proposta no plano de curso, a professora Solange, alcançou os objetivos que haviam sido propostos. Entre eles, no meu caso destacaria, a reflexão crítica sobre os estudos de gênero como subsídio para construção de uma educação emancipatória. Ora, não podemos falar em educação emancipatória, inviabilizando a importante contribuição das mulheres na construção do conhecimento. 

 

Por Pedro Ferreira Nunes - Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica no CENSP-LAJEADO.


*Trabalho apresentado a disciplina de Tópicos Especiais em Filosofia e seu ensino (sob a Orientação da Professora Solange Aparecida de Campos Costa), do Mestrado Profissional de Filosofia da Universidade Federal do Tocantins – UFT. 



quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Lajeado: Junta Tribo 2022

Iniciado com o objetivo de celebrar a amizade entre os amantes do pedal de Lajeado, Tocantinia, Miracema e Miranorte. O Junta Tribo caminha para sua sétima edição agora em 2022 mobilizando um público cada vez maior – Ciclistas e amantes do cicloturismo de várias cidades tocantinenses e outros Estados. É sem dúvidas um dos eventos mais interessantes do calendário de eventos da cidade de Lajeado – além de promover o turismo sustentável, divulgar as belezas naturais, também promove qualidade de vida ao incentivar a prática do ciclismo.


Esse último ponto é bastante enfatizado por um dos idealizadores do evento, o Servidor Público Joatan, que tem uma bela história de superação do alcoolismo através do ciclismo como nos contou em uma entrevista que concedeu ao Projeto Educação Ambiental e Biossegurança do Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência  (CENSP-Lajeado). O seu amor pelo ciclismo pode ser observado pelas inúmeras medalhas e troféus que ele coleciona dos eventos que participa. Além disso procura incentivar aqueles a sua volta a aderir a essa prática. Nesse sentido eventos como o Junta Tribo cumpre esse papel de estimular e atrair mais pessoas para prática do ciclismo. 


Joatan fala com muito orgulho como ao longo das edições o evento foi crescendo com a participação de pessoas de vários lugares. Ele relata que na primeira edição podia se contar nos dedos das mãos o número de participantes, hoje é um evento de referência com uma organização de primeira – que dá aos participantes todo o suporte para que venha se divertir e apreciar as belezas do local com toda segurança. 


Nessa edição de 2022, certamente teremos mais um evento bem organizado, de modo que os participantes podem se inscrever e participar sem receio. Esse ano teremos um percurso diferente da última edição. Serão 60 Km, de Lajeado a Comunidade Pedreira. As inscrições podem ser feitas no Site Tô na Corrida (http://www.tonacorrida.com.br/site/eventos/detalhes.xhtml?evento=100) E custa R$ 70,00 – o que lhe dá direito a kit composto por uma “camisa alusiva ao evento  (apenas para os primeiros 100 inscritos), café da manhã, almoço e hidratação no trajeto”. Para os 3 primeiros colocados haverá troféu. Como também para Penélope charmosa, ciclista mais jovem, ciclista mais velho, ciclista ou cidade mais distante, mamute, equipe com maior número de ciclista e troféu determinação. 


Mas o mais importante mesmo é poder apreciar a beleza natural ao longo do percurso, desafiar os seus limites, conhecer pessoas, fazer amizades e confraternizar com as tribos do pedal. Se você é de Lajeado não deixe de prestigiar esse evento que enriquece a nossa cidade. Se você é de fora é uma ótima oportunidade para visitar a cidade, caso ainda não tenha vindo aqui. E se já conhece é hora de retornar. Por tanto agenda aí – Domingo (23 de Outubro de 2022), as 07h da manhã, em Lajeado – as tribos do pedal vão se juntar. A organização é das equipes de pedal Miracema Pedaladas e Lajeado Pedalando. Vamos lá. Vida longa ao Junta Tribo. 


Por Pedro Ferreira Nunes – Um rapaz latino americano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in roll.


sábado, 15 de outubro de 2022

Matanza Inc: Demônios estão por aí!!!

Eis o titulo de uma das canções que compõem o segundo trabalho de estúdio (Retórica diabólica) da banda carioca Matanza Inc. É mais um álbum em que eles voltam sua artilharia de crítica ao moralismo religioso – que no contexto atua ganhou força através da figura que ocupa a cadeira da presidência da República. De modo que essa crítica acaba sendo a esse Governo que está aí. Como podemos conferir através de uma análise das Letras das canções “tudo destruído”, “sórdida agenda secreta” e “receita para fazer inimigos”. Além é claro da “demônios estão por aí”. Aqui, o que nos interessa é exatamente essa última, a qual acredito que mostra muito bem o uso da religião como instrumento de manipulação e dominação política operada tão bem pelo Governo Bolsonaro. 


A canção começa falando sobre manipulação dos afetos, sobretudo o medo. Isto é, como o medo é utilizado para alimentar o ódio na sociedade ao ponto de indivíduos defenderem a eliminação de quem pensa diferente de si. Durante toda a campanha eleitoral essa tática ficou muito evidente no discurso da propaganda bolsonarista como por exemplo a ideia de que caso Lula vença as eleições as igrejas seriam fechadas, o aborto seria permitido assim como a legalização da maconha. Agora no segundo turno o foco tem sido a segurança, onde se busca associar o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) a facções criminosas. 


A letra de “demônios estão por aí” começa com uma frase poderosa.


“O ódio surge do medo/

e o medo é fácil criar.

Elaborado o enredo/

manipula total em segredo”.


No trecho seguinte a canção chama atenção para o fato de que essa tática desprezível é infalível. Que o diga o resultado da eleição no primeiro turno em que pese estarmos vivendo o pior Governo da história não houve argumento racional capaz de nos livrarmos do Bolsonaro. Pelo contrário, a eleição de importantes aliados desse governo mostra que isso não será fácil. Ainda que ele seja derrotado no segundo turno.


“Dá dinheiro e é de quem chegar primeiro/

O desespero é como a goiva do artesão/

Afiado, é muito apropriado/

Se seu trabalho envolve dor e comoção

Desprezível, infalível”.


Na sequência temos o refrão,  e que refrão camaradas.


“vamos todos culpar o diabo se algo não for muito bem/

Vamos deixar evidência de lado, fatos que não nos convém/

Nisso você deve crer/

Em tudo que tem a perder/

Demônios estão por aí”


Nesse refrão temos alguns elementos importantes. Mas o fundamental é que fica evidente o uso do discurso religioso como forma de manipulação e dominação política. Nesse discurso, em primeiro lugar, eu nunca reconheço a minha culpa. Em segundo lugar, se os fatos estão contra nós deve-se contesta-los de todas as formas. Por fim, o líder, por mais contraditório que seja, não deve ser contestado de forma alguma. É preciso crer ou o castigo será cruel. Diante disso ao pobre alienado só resta o conformismo.


“tudo na vida tem preço/

E desde o começo não posso pagar/

A que nível terrível desço?

O inferno de certo mereço”.


Enquanto o pobre alienado fica se culpando por sua condição miserável, temos por outro lado os que usufruem desse estado de coisas.


“enquanto isso nesse grande hotel suíço/

Engravatados no salão de reuniões/

Decidido, disputando e rindo/

Sabem que a miséria com juros

Rende bilhões/

No Paraíso o pecado é o prejuízo.”


Um aspecto importante nesse trecho é o fato da religião ser transformada num negócio. E como todo o negócio o objetivo é o lucro. De modo que o verdadeiro lema dessa corja é: “lucro acima de tudo, mercado acima de todos”. Diante disso a mensagem final da canção é a de que é contra esses verdadeiros demônios que devemos lutar e não aqueles criados pela tradição religiosa com o objetivo de nos manipular e dominar. Nessa luta as próprias pessoas que honestamente praticam sua religião tem um papel fundamental. A elas cabem se libertar desses falsos profetas. E contribuir para construção de uma sociedade solidária e fraterna.


Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 


Ouça o álbum no link:https://www.youtube.com/watch?v=9UuGmBn9-Ew&list=OLAK5uy_mRs1VA_rSjyEGHkaCrXILvOVdhdr-EHoc



segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Resultado das eleições estaduais e as perspectivas para as eleições municipais de 2024 em Lajeado

A dinâmica eleitoral no Brasil faz com que haja uma articulação entre as eleições que ocorrem de dois em dois anos para escolha dos representantes políticos nos legislativos e executivos. De modo que quando termina um processo eleitoral já se está pensando no próximo. Ou melhor, cada campanha é feita pensando na próxima. Pois como a política no Brasil (a bem verdade, não só aqui) é feita a partir de uma perspectiva profissional, isto é, como um emprego. Quem está ocupando um cargo busca de todas as formas se manter e aqueles que não estão tentam ocupar. De modo que atuam mais numa perspectiva de se servirem do que servir a comunidade.


Enfim, toda essa reflexão introdutória é para dizer que o resultado das eleições estaduais nos dá alguns apontamentos para as eleições municipais. Diante disso o nosso objetivo aqui é buscar analisar o que podemos vislumbrar a partir desses resultados no município de Lajeado. Nesse sentido um primeiro aspecto que chama atenção é para um fato de que a eleição estadual pode ser vista como um termômetro de como a população está avaliando o grupo político que está no poder. Por outro lado, nos possibilita também ver a capacidade de articulação e força da oposição. Por sua vez, esses grupos políticos tem a oportunidade de avaliar suas táticas e rever as estratégias se se quiserem manter ou tomar o poder. Pois até as eleições municipais serão 2 anos onde tudo ou nada pode mudar.


Em Lajeado, na campanha eleitoral de 2022, vimos vários indivíduos ou grupos se colocando como força política. Nesse contexto três se destacaram: O prefeito Júnior Bandeira pela situação, naturalmente. E pela oposição, de um lado o ex-prefeito Tércio Neto e de outro Leidiane Mota.


Numa primeira análise podemos dizer que não houve um derrotado, já que tanto a situação como a oposição conseguiu eleger 01 ou mais dos nomes que estavam apoiando. No entanto ao aprofundarmos a análise, o grupo situacionista é o que tem menos a comemorar. Por exemplo, na disputa para deputado Estadual, o principal candidato (Cleiton Cardoso) apoiado pela gestão obteve 12,74% dos votos válidos no município. Ficando atrás de um dos candidatos apoiado pela oposição (Ivory de Lira), que obteve 17,56%. Se somado os votos obtidos por outro candidato apoiado pela oposição, a deputada Vanda Monteiro, que teve 12,28%, essa derrota aumenta mais ainda.


Além da votação dos três candidatos com maior votação no município – que eram aqueles que tinham a maior estrutura e investiram pesado para ter essa votação. É importante destacar outros nomes que não tiveram o mesmo apoio mas conseguiram votações expressivas como foi o caso da Janad Vacari, Cirilo Douglas e Cláudia Lelis.


Na disputa para deputado Federal o quadro anterior se repete. O deputado mais votado no município foi o Toninho Andrade (27,05% dos votos válidos) apoiado pela oposição. Enquanto que o Gaguim apoiado pela situação teve 14,71%.  Um ponto interessante nesse resultado é que ao contrário da disputa para deputado Estadual, os dois principais nomes da oposição (o Ex-prefeito Tércio e a Vereadora Lediane) defenderam o mesmo nome – o do Toninho Andrade. Na disputa para Assembléia Legislativa o primeiro apoiou o Ivory e a segunda a Vanda. 


Ainda sobre a disputa para a Câmara dos Deputados, é importante destacar a votação do Filipe Martins e do Eli Borges – ambos ligados as igrejas protestantes. Merece menção também a votação do Rubens Uchôa e dos petistas Celio Moura e Zé Roberto. 


Na disputa para o Palácio Araguaia a derrota da situação foi ainda maior. O candidato apoiado pela gestão (Ronaldo Dimas) obteve apenas 18,22% dos votos válidos. Enquanto Wanderlei Barbosa, apoiado pelos principais nomes da oposição, teve 71,57%. Sem falar na votação expressiva do Paulo Mourão (6,49%), que de longe, não teve a mesma estrutura que os dois principais candidatos tiveram. Mesmo assim teve uma boa votação. 


A disputa para o senado foi a única que a oposição não conseguiu triunfar sobre a situação. A candidata da oposição era Kátia Abreu que obteve 27,07% dos votos válidos. Mas a mais votada foi Dorinha que teve 57,59%. Essa votação no entanto foi mais o mérito da articulação das candidaturas de Wanderlei e Dorinha do que de um trabalho da situação como podemos ver a partir dos demais resultados.


No caso da disputa presidencial, tanto a situação como a oposição buscaram manter uma posição de certa neutralidade diante do embate entre Lula e Bolsonaro. De modo que tanto a derrota como a vitória de qualquer um dos candidatos, no caso do primeiro turno foi do petista que conquistou 52,55% dos votos válidos, não terá uma grande influência na disputa de poder local. Ou talvez não – uma vitória de Lula no 2° turno pode, num futuro governo petista, dar a Kátia Abreu  (que apoia o ex-presidente) uma posição no primeiro escalão – e isso certamente é positivo para oposição em Lajeado que a apoiou. 


Enfim, se o resultado das eleições estaduais pode nos dizer alguma coisa do contexto político local. É que para o grupo da situação o sinal de alerta foi ligado. Se o atual grupo no poder pretende continuar a frente da gestão municipal precisa rever a sua estratégia. Já a oposição por sua vez precisa analisar sua força num cenário de divisão e num cenário de unidade – num cenário de divisão a vantagem para situação diminui, já de unidade essa vantagem aumenta. De todo modo os dados estão lançados. Vejamos quem saberá fazer as melhores análises e por conseguinte as melhores jogadas para se apresentar com chances reais na disputa de 2024, tanto para o legislativo como para o executivo municipal. 


Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos.