Dejayme Aires da Silva é um personagem interessante (desses que Porto Nacional parece propiciar como em nenhum outro lugar). E os seus feitos fala por si só. Por exemplo, o reflorestamento empreendido por ele numa área de 36 alqueires onde cultiva 80 mil árvores que “melhora o meio ambiente”. Isso é um belo exemplo, sobretudo após ter se dedicado a agricultura e pecuária de grande porte (com seus conhecidos efeitos nocivos ao meio ambiente). Também teve uma intensa participação na vida política local, sendo vereador por vários mandatos (chegando a presidência da casa de leis), candidato a prefeito, presidente de cooperativa de produtores e do Comitê Pró Estado do Tocantins.
É essa imagem que vai sendo construída na nossa mente ao longo da leitura de “Porto Universal e os Caminhos do Tocantins”. A edição (2021) é do próprio autor, e que edição. O livro pode ser dividido em duas partes: A primeira, que perpassa a apresentação, introdução e estudos preliminares. Aqui temos um olhar mais academicista, falando sobre a importância da obra, o processo de criação e o estudo sobre a árvore genealógica da família Aires/Ayres. Essa primeira parte me pareceu pouco atrativa, sobretudo para quem não é do meio acadêmico. Já a segunda parte, onde temos o relato propriamente do Deijayme Aires da Silva – é onde de fato a leitura do livro flui. A narrativa é envolvente, nos leva para dentro dos acontecimentos, e quando percebemos já chegamos ao final da obra.
Algumas passagens é de uma grande beleza poética. Como por exemplo, no capítulo I: Resgatando memórias (2021): “lembranças boas do meu tempo de menino. A gente mesmo fazia os brinquedos com cestas de frutas do cerrado e osso de gado... E havia o rio, claro. As praias naturais do Tocantins eram recreios dos meus irmãos maiores. Eu era pequeno e tomava banho próximo da beirada” (pág. 55 e 56).
Essas lembranças certamente é a mesma de muitos que cresceram por essas bandas do norte. Como também a sina de deixar a sua terra natal em busca de uma vida melhor. Foi o que ele fez quando deixou Porto Nacional para morar em São Paulo. Não viveu muito tempo longe da sua terra – um período suficiente para que se encontrasse: “depois dessa rica experiência numa sociedade mais dinâmica e complexa, retornei para Porto Nacional com uma perspectiva ampliada de desenvolvimento pessoal e profissional, o que me permitiu dar mais foco e direção a minha vida” (pág. 67).
Um desses focos será a vida pública através da militância política. É possível imaginar o jovem Deijayme retornando para Porto Nacional após toda a carga cultural que recebeu vivendo em São Paulo. Entrar na política para tentar transformar a realidade local foi, digamos, um passo natural. A sua imaturidade não permitia que ele percebesse que para as oligarquias a política não é um caminho para busca do bem comum, mas para manutenção dos seus interesses. Isso Deijayme só perceberia tempos depois.
“Quando o poder mudava de mãos e de grupo, havia um rearranjo no tabuleiro. Quanto à mim, Que primava pelo pragmatismo político, levei bordoada das duas correntes políticas locais, ambas carcomidas pelo tempo e viciadas no velho jogo político” (pág. 87).
Percebe-se uma mágoa de Deijayme com a política. Inclusive com Siqueira Campos, na luta pela criação do Estado do Tocantins. Nosso personagem teve um papel efetivo juntamente com um grupo liderado pelo juiz Feliciano Braga na luta pela criação do mais novo Estado da federação. E acredita que a importância do então Deputado Federal Siqueira Campos, é supervalorizada. Nas suas palavras “Siqueira Campos foi um mau necessário para criação do Estado, ou seja, teve a sua utilidade histórica” (pág. 101).
Enfim, é um livro que não só vale a pena a leitura, como também ser trabalhado nas redes de educação (municipais e Estadual) do Tocantins. Por ser uma leitura acessível creio ter um potencial de ser trabalhado tanto com crianças como com adolescentes. Trabalhar, sobretudo, o modo de vida no antigo Norte Goiano – que nos trouxe aonde estamos hoje. Quanto às polêmicas, Deijayme não foge delas, são importantes para se problematizar as narrativas oficiais acerca da história de Porto Nacional e da criação do Estado do Tocantins.
Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.