sábado, 15 de abril de 2023

Memória e Esquecimento: O Exemplo do Cemitério do Bairro Correntinho em Miracema do Tocantins

“Não há fundamento mais forte da produção da indiferença do que à indiferença a morte”. 

Vladimir Safatle 


Na tradição filosófica aprendemos que não somos puramente racionais. De modo que devemos levar em consideração o aspecto emocional. Sim, nós somos afetados por afecções que, como diria Espinosa, aumenta e diminui a nossa potência de agir. E não temos como evitar. Por exemplo, diante da perda. E não há perda maior que a morte de alguém que amamos.

Não temos como ficar indiferente diante da morte, sobretudo de um ente querido. O contrário seria perder aquilo que nos faz humanos – a consciência da nossa finitude. Quando nos tornamos indiferentes, nos tornamos apáticos, nos comportamos como autômatos. E assim avançamos para uma sociedade egoísta onde perdemos os laços de solidariedade e a morte é banalizada. Por isso não nos custa lembrar as palavras do filósofo e professor Vladimir Safatle: “não há fundamento mais forte da produção da indiferença do que a indiferença à morte”. Aqui ele não está falando apenas da perda de uma pessoa querida. Mas em geral. Com isso ele chama atenção para o aspecto político do esquecimento. Sobretudo de mortes provocadas pela violência do Estado – onde se nega o direito à memória.

Na minha visão essa violência ocorre também na falta de preservação dos espaços destinado a memória dos nossos mortos – os cemitérios. Muitos cemitérios são tratados como depósito de corpos, sobretudo no interior. É o caso por exemplo, do localizado no Bairro Correntinho em Miracema. Onde você vê uma completa desorganização e um profundo desrespeito não só a memória daqueles que ali estão enterrados como também da cidade. Pois essas pessoas são parte importante da história da cidade e por tanto da sua identidade.

O arquiteto e urbanista José Maria Xavier de Oliveira (2014) salienta que é “necessário analisar espacialmente os cemitérios e sua funcionalidade para os dias atuais, pois estes na maioria das vezes são construções antigas e mesmo as mais recentes em determinados casos não cumprem as exigências legais vigentes. Estes locais são muitas vezes construídos de maneira aleatória, sem o necessário e suficiente para o uso adequado do espaço, e seguem modelos de arquitetura baseados em construções de meados do século XIX.” Ainda de acordo com Xavier (2014), não se pode perder de vista que são espaço de uma questão simbólica. “Espaços que se perderam ao longo do tempo e que permeia todo o inconsciente das pessoas”. Por isso “é preciso resgatar nas pessoas o desejo de irem com mais freqüência aos cemitérios, para “cultuar” os seus mortos e usufruírem do clima de paz e tranqüilidade, encontradas ali e que devido ao abandono e degradação destes equipamentos urbanos e muitas vezes do seu entorno se tornam cada vez mais difíceis.”

Para mim, esses espaços são museus a céu aberto que trás em cada túmulo um pedaço da história da cidade. Por tanto devem ser conservados como um património histórico (sobretudo no interior onde não há muito espaço de conservação da memória local). Desse modo é inaceitável ver túmulos sem nenhuma identificação, que com o tempo acabam recebendo outro sepultamento tendo em vista a falta de controle e de espaço. Não é sem tristeza que sepultamos um ente querido num lugar assim. Mas o fazemos por compreender a importância simbólica de sepultar aquela pessoa num local ligado a sua história. 

Há certamente aqueles que não vem sentido nisso. Para estes, se a pessoa morreu não tem mais o que fazer. Nada disso que fazemos já não importa. Platão no diálogo Fédon salienta essa questão através de Sócrates nos seus últimos momentos de vida. Ao ser questionado por Críton como deveriam proceder com o seu corpo. Ele responde que o seu discípulo deve fazer como achar melhor, já que ele não estará mais ali. O que importa é a alma. Se o indivíduo teve uma vida virtuosa certamente irá para um bom lugar. 

Ora, não negamos que todo esse ritual ligado à morte diz respeito a nós enquanto ser humano – os únicos que tem consciência da sua finitude. Sabemos que iremos morrer, e esse fim irremediável perpassa toda a nossa existência. Mas essa morte não é por completo pois continuaremos vivendo na memória daqueles que estão vivos – o que nos torna imortais em certo sentido. Que o diga Sócrates.

Diante disso não podemos deixar de nos indignar e nos posicionar contra o esquecimento. Sobretudo quando esse se dá contra uma parte específica da nossa população. Voltando ao exemplo do cemitério do bairro do Correntinho. Será que se ali fosse enterrado os figurões da cidade de Miracema teriamos o mesmo descaso? Enfim, cabe a nós nos mobilizarmos para que a memória dos nossos mortos seja respeitada.


Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente atua como Professor da Educação Básica no CENSP-LAJEADO.

segunda-feira, 10 de abril de 2023

No chão da escola: Comentários sobre o Novo Ensino Médio

✔Uma das principais críticas que tenho ouvido sobre a nova dinâmica do Ensino Médio é que os estudantes não estão tendo liberdade para escolher os itinerários formativos, como prometido. Pois a falta de condições estruturais das escolas, e de profissionais qualificados, não permite que essa escolha seja feita;

✔É importante lembrar que foi promessas como essa que proporcionou um apoio de 80% a reforma, através de uma consulta realizada pelo Governo Michel Temer. Ora, era evidente, que quem conhece as condições estruturais das escolas públicas, sobretudo no interior do interior do Brasil, sabe que isso é impossível; 

✔Não me surpreende os problemas que vem ocorrendo com a implantação da nova grade curricular do Ensino Médio. Sobretudo por que essa mudança foi meu objeto de análise no trabalho de conclusão de curso na graduação em Filosofia, intitulado de uma reflexão sobre a reforma do ensino médio a partir de Marcuse e Mészáros;

✔Esse trabalho me proporcionou entender a lógica por trás das mudanças propostas. E creio, me preparou para enfrenta-lá com mais tranquilidade a partir do chão da escola;

✔Enquanto professor de uma escola, não temos a opção de querer ou não a nova configuração do currículo escolar. Mas podemos resistir de outras formas. Como? Negando a lógica dominante que busca impor uma racionalidade tecnológica e restaurar o papel da crítica por meio de uma pedagogia radical nos moldes do que defendia Marcuse. Ou seja, aproveitar as contradições do sistema para jogar contra o sistema;

✔Um exemplo prático é o componente curricular de Projeto de Vida. Criado numa lógica para formar corpos dóceis para o mercado de trabalho, podemos nos apropriar dele e trabalha-lo numa perspectiva filosófica por meio de uma metodologia problematizadora;

✔As eletivas e trilhas de aprofundamento também são espaços que podemos disputar para recuperar e ampliar os espaços perdido pela área de humanas;

✔Ou seja, se é verdade que a nova estrutura curricular do ensino médio, nos trás uma série de limites, também há possibilidade de subversão da lógica imposta. Por que no final das contas quem concretiza o currículo é a professora e o professor na sala de aula;

✔Diante disso, não acredito que o caminho é a revogação do Novo Ensino Médio. Sobretudo se for para retornar a concepção que tínhamos anteriormente, que sejamos honesto, estava longe de ser progressista;

✔Precisamos sim defender mudanças que rompa com a lógica voltada para construção de uma racionalidade tecnológica. Essas mudanças só tem sentido se forem feitas a partir do chão da escola. Ou seja, ouvindo professores e estudantes; 

✔Nesse sentido, no início do ano, já colocamos em debate o lugar da Filosofia e das Ciências Sociais nas trilhas de aprofundamento da Rede Estadual da Educação do Tocantins. Creio que é um debate mais necessário no contexto atual do que a bandeira pela revogação do novo ensino médio;

✔Aliás se levarmos adiante a pauta pela revogação do novo ensino médio devemos nos questionar qual a força que temos no congresso nacional para aprovar uma reforma progressista. Não nos esquecemos que temos um dos parlamentos mais conservadores da história; 

✔Acredito que  podemos restaurar o pensamento critico sem necessariamente revogar a nova estrutura curricular. Óbvio que isso passa pela necessidade de formação dos professores para que compreendam de fato a nova dinâmica e a partir daí consigam subverte-la; 

✔Para que tenhamos mais força nesse debate precisamos estar organizado enquanto professores que atuam na educação básica. Nesse sentido é interessante iniciativas como dos professores de Filosofia no Ceará que criaram uma associação, em São Paulo já existia e também há uma discussão na Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia  (ANPOF) nesse sentido;

✔Um dos papéis dessa associação seria de reivindicar o ensino de Filosofia na Educação Básica com profissionais formados na área. Nesse sentido, fazer o enfrentamento para que tenha mais vaga nos concursos públicos para esses profissionais. Por exemplo, no concurso da educação do Tocantins há apenas 56 vagas num estado onde temos 139 municípios. No entanto não houve nenhum questionamento ao edital. Por que não houve? Por que não há organização dos professores dessa área;

✔Enfim, acredito que o debate acerca do novo ensino médio deve se deslocar da sua revogação para o que podemos fazer diante do que está posto. Até por que o Governo Lula já deixou claro que não tem disposição em fazê-lo, o congresso nacional também não. E a mobilização social não demonstra força para demove-los do contrário;

✔Essa também é a análise do Filósofo e Professor Renato Janine Ribeiro (Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência  - SBPC) numa entrevista recente para Carta Capital onde ele fala sobre os 100 dias do Governo Lula;

✔Até agora, a análise do Professor Renato é a mais lúcida em relação a essa temática. Inclusive a fala dele acerca de que muito das críticas feita ao novo ensino médio é feita por quem não conhece a realidade do ensino médio. Ele também defende a possibilidade de se fazer uma reforma da reforma, claro, ouvindo professores e estudantes;

✔Cabe a nós que estamos no chão da escola, fazer o enfrentamento a racionalidade tecnológica – fazendo da sala de aula uma trincheira de resistência – tanto nas aulas como nos projetos, tanto na formação geral básica como nos itinerários formativos. 


Pedro Ferreira Nunes – especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atual como Professor da Educação Básica no CENSP Lajeado. 

quarta-feira, 5 de abril de 2023

6° Coletânea de Poemas – Projeto Apparere

Mesmo com um público leitor escasso, falta de apoio e de reconhecimento muitos resistem produzindo literatura – em especial poesias. Uma amostra nesse sentido é a coletânea de Poemas organizada pelo Projeto Apparere – que chega na sua sexta edição – e uma edição de peso com 182 produções de autoras e autores de todo o Brasil. Para quem aprecia poesia não irá se decepcionar, encontrará nessa obra verdadeiros tesouros. Já os leitores novatos terá uma ótima introdução no mundo da poesia. 

A obra é fruto de um projeto que busca dá visibilidade a novos escritores. Uma iniciativa louvável sobretudo diante do que salientamos no início – a falta de apoio para que quem produz literatura possa publicar, divulgar e comercializar sua obra. O projeto Apparere dá a oportunidade para que o escritor e a escritora possa ter um trabalho publicado num livro impresso. Além da coletânea de poemas, o projeto promove periodicamente seleções de trabalhos a partir de determinados temas, sem cobrar pela participação. E posteriormente a obra é comercializada. Com isso possibilitando ao público leitor acesso a trabalhos que dificilmente encontrariam por aí (talvez no meio digital). E ao escritor a oportunidade de está numa publicação impressa com distribuição nacional – e assim ter uma amostra do seu trabalho reconhecido.

Os 182 trabalhos que encontramos na sexta coletânea de Poemas, foram selecionados num universo de 306 inscritos. A maioria segue o estilo livre e perpassam por diversas temáticas – reflexões filosóficas sobre a vida, sobre o amor, paixões, a condição feminina e questões sociais. Sobre a edição/diagramação ressaltamos a ótima qualidade do livro impresso – que contém 264 páginas. Cabe destacar a bela capa produzida pelo M. A. Thompson. A organização do livro segue a ordem alfabética do nome das autoras e autores. Antes há uma breve apresentação. E nas páginas finais encontramos uma breve biografia dos autores participantes – onde percebemos que muitos deles já tem várias obras publicadas, participam de coletâneas, tiveram seus trabalhos reconhecidos em concursos literários e inclusive fazem parte de academias de letras. Outros ainda estão no início, mas já demonstram talento.

Fazendo um exercício de crítica aos trabalhos ouso afirmar que há poemas muitos bons, outros nem tanto. Alguns percebemos uma maturidade na escrita, outros ainda carente de uma lapidação melhor. De todo modo acredito que o resultado final é uma coletânea de muita qualidade. Para evidenciar a minha afirmação destaco alguns trechos dos poemas. Por exemplo, o intitulado de Lembrança, do Adriano Vox – que reflete sobre memória.


“enquanto a neblina esconde metade da cidade

essa paisagem

daqui a pouco será passagem

como coisas da vida que não voltam,

mas eternizam um momento

(feliz)”


O poema desencontro, da Amanda Castro, fala sobre um relacionamento que está chegando ao fim pela falta de sintonia entre o casal:


“Quando preciso ir

Você volta.

Quando passou da hora de partir

Ainda estou na porta

Prolongando o fim...”


O duelo entre o Lápis e a borracha, é um cordel do Antonio Joel Marinho Sousa, muito bem elaborado. Escrito com simplicidade mais propondo uma reflexão profunda sobre a responsabilidade do que escrevemos, pois, a escrita pode alimentar o amor mas também o ódio:


“Então quando leio coisas

Que percebo ser bobagem

Eu vou lá pessoalmente

Com muita força e coragem

Apago tuas besteiras

Sucumbo suas maldades”.


“O Viajante”, do Janilson Barros do Amaral, traz diversos questionamentos, como por exemplo acerca da morte:


“Estou agora ao lado de um cemitério,

Com a beleza das suas árvores e dos seus túmulos,

E das Almas que viveram e hoje são eternas.

Por que as pessoas morrem?”


De autoria do Lano Andrado temos Julieta e Romeu, que fala de uma aventura romântica numa cidade interiorana:


“O que dizer daquele rio?

Daquela rua?

De você seminua,

Querendo sempre mais?


A lembrança de um romance de outrora é o tema do poema Adeus, meu amor elegíaco, de M.A Thompson:


“Não é fácil dizer adeus

A um amor que um dia foi

Não é fácil ver que se vai

O sorriso que um dia me iluminou”.


Mais um cordel que merece destaque, esse do Manoel Ramos intitulado de O poeta pescador:


“Eu sou um bom pescador

Que chamam de Manoel

Aprendi traçar meu mundo

Com a caneta e o papel

Faço a métrica e escansão

Das sílabas da oração 

Sou escritor de cordel”.


Os cães sem dono e os desafortunados, do Nelson Dias Silva também merece destaque. É um poema que fala sobre a verdadeira amizade – que tem o seu valor em si e não no que pode proporcionar, sobretudo do ponto de vista material:


“Os desafortunados 

São enxotados e humilhados

Na mesma proporção 

Que os cães sem dono

Aonde vão ou estejam

Não importa

Por todos os lugares.

Por isso não é raro constatar

A amizade desinteresseira

Entre cães sem dono

E desafortunados”.


Tenho o privilégio de participar dessa coletânea com o poema “Pouso das Araras”. Quem acompanha minhas atividades no Blog Das Barrancas do Rio Tocantins certamente já o conhece. Trata-se de um poema que fala sobre a dádiva que é a vida para ficarmos perdendo tempo com pequenez:


“Baby, se tu soubesses

Como a vida é cara. 

Não perderia tempo

Remoendo mágoas”.


Enfim, esses pequenos trechos não representa nem 10% do que encontramos na 6° coletânea de Poemas do Projeto Apparere. Mas a partir deles creio que se pode ter uma ideia do que o público leitor vai encontrar.


Pedro Ferreira Nunes – Um rapaz latino americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in roll. 

quinta-feira, 30 de março de 2023

Na sala de aula: Oficina de criação com o tema mulheres na sociedade

Quando chegamos com a proposta da atividade na sala de aula a primeira reação da turma foi de negação. Nada que me surpreendece e me fizesse desistir do exercício. Ao perceberem isso não tiveram alternativa se não tentar fazer. A ideia era que fizessem um rascunho de um projeto a partir da temática estabelecida. Nesse rascunho deveriam criar um sub tema e a partir daí elaborar um objetivo, uma justificativa, estabelecer uma metodologia de pesquisa, com um público-alvo e uma periodicidade. E por fim, uma ação que deveria ser realizada dentro da periodicidade estabelecida.

– Não damos conta. – isso é muito difícil. – é mais complicado do que matemática. – faz a gente pensar de mais. – eu desisto. Foram algumas das frases que me disseram. Expus um modelo no quadro e disse: – Não quero saber. Vocês tem tantos minutos para me apresentar o rascunho. E então começaram a trabalhar mais seriamente. Vinham até mim para tentar entender melhor e ver se o que tinham produzido estava bom. – Não. Esse sub tema tá amplo de mais. Faz um recorte. Não. Esse objetivo tá mais para uma justificativa. Objetivo é uma coisa, justificativa é outra. Tá bom, mas se colocasse assim ficaria melhor. Mas e a ação?  O que você vai fazer e quando? – Precisa mesmo? – Claro. – Vou fazer uma entrevista. – Ok. Com quem? Cadê as perguntas? – Precisa? – Quero ver as perguntas.

E assim com muito diálogo e exercício prático eles foram conseguindo construir o rascunho e pensar as ações a serem executadas. Um iria fazer uma exposição oral sobre a violência contra a mulher. Outro escrever um texto sobre os salários das mulheres no futebol. Outro uma entrevista escrita com uma servidora da escola sobre mercado de trabalho. Outro uma entrevista gravada com uma professora da escola sobre a mulher na sociedade atual. Outro uma exposição de novas escritoras brasileiras. E assim por diante.


A alegria no rosto deles ao final da aula mostrava a felicidade diante da superação do desafio que eu havia lhes imposto. A minha alegria era ainda maior por ter lhes tirado de uma zona de conforto e mostrado que eles eram capazes. Foi uma experiência transformadora onde eles conseguiram superar suas limitações e fazer coisas significativas que irá contribuir nas suas formações, como também (em alguns casos) chamar atenção da comunidade escolar para o problema trabalhado. 

Essa foi uma das ações que fez parte do projeto libertárias – as mulheres na luta contra as opressões desenvolvido junto os estudantes do Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência (CENSP Lajeado) no contexto do mês em que se celebra o dia Internacional das Mulheres. Tendo como objetivo  “compreender a importância das mulheres na construção de uma sociedade mais humana. Sobretudo através da luta por reconhecimento. E refletir sobre os desafios para superação da desigualdade entre homens e mulheres.”

Nessa ação específica a ideia foi fazê-los buscar uma resposta para um determinado problema a partir de uma perspectiva científica. Daí a exigência para que seguissem um método de pesquisa. Com isso eles puderam vivenciar um pouco como é a construção de uma pesquisa científica. 

Compreendemos que as dificuldades encontradas durante o exercício é reflexo de uma educação que ensina mais a reproduzir do que criar. O nosso estudante está acomodado em copiar aquilo que passamos – e que ao final do bimestre será descartado. E quando propomos a ele pensar por sua conta. A resistência é enorme. 

Nesse contexto, atividade como essa são fundamentais para que consigamos mudar essa cultura. Sabemos que não é um processo fácil. É mais cômodo buscar algo pronto do que se aventurar por conta própria. E assim, lembrando o que disse Kant – por preguiça, medo ou covardia, permanecemos na menoridade. Ora, se quisermos vislumbrar que nosso estudante alcance a maioridade é necessário instiga-lo a pensar por si mesmo. Nessa perspetiva fazer da sala de aula uma oficina de criação é um ótimo caminho.


Por Pedro Ferreira Nunes – É Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP Lajeado.


sábado, 25 de março de 2023

Saco de Ratos: trilha sonora para tomar conhaque e fumar charuto na madrugada

Numa pegada blues Rock e letras que remete a vida boêmia nos becos de uma grande metrópoles regada a álcool, cigarro e amores bandidos. Eis ai o DNA da banda Paulista comandada pelo Mário Bortolotto. Trata-se de uma preciosidade do underground brasileiro – uma trilha sonora para quem gosta de relaxar na madrugada tomando conhaque, fumando charuto e sofrendo pelos amores que nunca viveu. 

Descobri o som da banda no instagram e imediatamente fui atrás de mais material para saber de quem se tratava. A pegada blues rock, as letras e o vocal rouco do Mário Bortolotto me fisgaram. Aliás, a performance do Botolotto foi algo que me chamou atenção. Até porque tratava-se de alguém que não me era estranho. No entanto como um personagem do Teatro e não como músico. Fui então atrás de mais informações e descobri que não se tratava de uma performance pontual mas um trabalho que já tem na sua discografia quatro discos. A partir daí esses discos passaram a fazer parte da minha playlist. Em especial algumas músicas cujo as letras são belos poemas marginais.

Agora me diz o que é que eu vou fazer/mandar tudo a Merda pensando em você/e a passagem pro inferno em dias assim/o rato avisou que o queijo tava no fim”. Com uma linha de guitarra que dá o tom de dramaticidade da canção, inicia “balada para quem não me quis”. Que é na verdade a história de um clássico pé na bunda. No entanto, ao invés de virar revolta vira poesia: “eu não prometi nenhum paraíso/pra ter você, fiz o que foi preciso...”. Em outro trecho ele canta: “o dinheiro na cama, uma puta de saideira/seu retrato nua pregado na geladeira/os amigos no bar, a noite que me vomita/e agora toda essa paz... pro resto da vida...”. 

Em “acordo com mulher” a história anterior se repete. “ela me propôs protelar o inevitável fim/sexo todo dia uma garrafa de Jim Beam/ela me propôs não ter amigos chatos/isso é quase impossível/vai pra casa do caralho”.  Se anterior está mais para o blues. Essa pende mais para o lado do rock. O refrão é daqueles para ser cancelado por feministas: “então baby faça o que você quiser/faço acordo com diabo mas não faço com mulher”. E assim temos o inevitável fim. Apesar dele confessar que ama ela num determinado trecho. No entanto não está disposto a ceder.

Em “nossa vida não vale um chevrolet” temos mais uma canção que mostra a potência da banda. Aqui eu chamaria atenção sobretudo para a parte instrumental, em especial a linha de guitarra. Já a letra é uma reflexão sobre a vida – uma vida fudida que não irá mudar pois ele é assim e ponto. É a sua natureza. Num trecho ele canta: "Há muito tempo você anda comigo/você sabe eu me ferro, eu xinho, eu brigo...”. Adiante ele afirma que isso não vai mudar, por que ele é mau por natureza.

Tô saindo fora, baby/tô chutando a porta./Tô saindo fora, baby/tô pulando a janela”. Assim começa “vulgar” – num ritmo acelerado. A canção segue a linha das anteriores que perpassa pela temática das aventuras e desventuras amorosas. Aqui, não é ela, mas ele que põem um ponto final na história: "você vulgarizou a palavra amor/ eu tô um trapo, um pobre coitado/ se eu tô feliz, eu desagrado/ se eu tô triste, eu encho o saco”.

“Se eu tivesse grana hoje” é outra canção que merece referência aqui. “Se eu tivesse grana hoje eu não marcava/eu comprava uma garrafa de whisky/eu fazia um interurbano e conversava com você até o fim da madrugada”. A banda também faz algumas versões. Entre elas “Laura, Laura”. Se começamos falando em pé na bunda com uma balada para quem não me quis. Aqui o pé na bunda quem dá é ele: "Laura, Laura sua trouxa/pega seus barulhos e ripa fora daqui/faz tempo que eu ti falo, você não serve para mim”.

Eis ai alguns exemplos para mostrar a força poética das composições do Mário Bortolotto para o seu Saco de Ratos. Óbvio que com a música a potência dessas letras é muito maior. Por tanto não deixe de ouvir. Os discos podem  ser facilmente encontrado nas plataformas digitais como o youtube. Ao invés de ficar se alimentando de ressentimento através da música pop brasileira, em especial o sertanejo moderno. Eis ai uma música que faz a gente encarar o fim de uma relação de uma forma mais humorada.

Por Pedro Ferreira Nunes – um rapaz latino americano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in roll. 


segunda-feira, 20 de março de 2023

Cíntia e o Transporte Público de Palmas

Um dos grandes problemas das cidades brasileiras é a mobilidade urbana. Agravada por um transporte público de péssima qualidade. Palmas, capital do Tocantins, não foge a regra. O que se dá em grande medida pelo fato das empresas responsáveis pelo serviço estarem preocupadas com o lucro e não com a qualidade do transporte público. De modo que uma mudança de paradigma nesse sentido seria o poder público assumir esse serviço. E foi isso que fez a Prefeita Cíntia Ribeiro (PSDB).

Não deixa de ser surpreendente que a responsável por essa proeza seja do partido que introduziu a política privatista no Brasil. Mas a bem da verdade é que Cíntia tem tido posturas que a coloca num patamar acima dos demais políticos Tocantinenses. Por exemplo, no contexto da pandemia sempre se posicionou favorável a ciências e contrário ao discurso negacionista. Ao contrário da maioria dos políticos com mandato no Tocantins não fez campanha para eleição do Bolsonaro e no episódio do 8 de Janeiro foi a primeira a se posicionar de forma enfática contra a ação terrorista perpetrada pela extrema direita. Além de ser uma gestora que tem uma sensibilidade maior em relação às demandas dos servidores, sobretudo se comparado com a gestão Amastha. 

Óbvio, que nem tudo são flores. Quem vive o dia a dia da capital certamente terá um conjunto de problemas a apontar na sua gestão. No entanto, vivemos tempos tão difíceis, que encontrar um político lúcido, mesmo que não seja do espectro político que defendemos, é motivos para comemorar.

Ao enfrentar a máfia do transporte, Cíntia se coloca em outro patamar. Não só a nível regional como também nacional. Condições para ofertar um serviço de qualidade o poder público Municipal tem. Óbvio que será necessário investimento e uma mudança de perspectiva. Ou seja, a preocupação não deve ser com o lucro, mas com a oferta de um serviço de qualidade que proporcione uma melhor qualidade de vida para o usuário do transporte público de Palmas – a gratuidade do transporte público aos finais de semana é um passo gigantesco nesse sentido. 

É necessário estabelecer uma tarifa justa e manter o programa de gratuidade anunciado. E assim avançar para uma política de tarifa zero como defende movimentos como o Passe Livre. Aliás, esse movimento lembra que o transporte é um direito social garantido na constituição. No entanto, muitos não tem esse acesso a esse direito. Sobretudo por que os interesses empresariais se sobrepõem ao bem comum.

Nesse sentido não é de se estranhar que tenha, e ainda esteja, ocorrendo reações contrárias a medida tomada pela Gestão Cíntia Ribeiro. Ora, Palmas está avançando para 400 mil habitantes. Parcela significativa desses utiliza transporte público. Imagina o tanto de dinheiro que as empresas não perderão ao deixar de ofertar esse serviço. Sobretudo por que lucravam e não investiam na melhoria do transporte.

É nesse contexto que compreendemos as críticas por parte dos adversários políticos da Prefeita. São figuras do mundo empresarial que estão mais preocupados com o interesse desses grupos do que com a população que utiliza o serviço. 

A crítica dos usuários por sua vez são compreensíveis. Eles não estão preocupados em saber quem é o responsável pelo serviço – querem saber de um serviço minimamente de qualidade que atenda as suas necessidades. E como a transição não foi pacífica (não precisa ser especialista para afirmar que houve sabotagem para colocar os usuários contra a Gestão) gerando instabilidade na operação, não se poderia esperar outra coisa. Ainda mais por que faltou mais planejamento por parte da Gestão Cíntia Ribeiro. 

De todo modo não justifica a crítica de que “piorou algo que já era ruim”. E que portanto deveria retornar a gestão do serviço as empresas concessionárias. Ora, uma afirmação nesse sentido é no mínimo apressada. Não dá para comparar anos de uma prestação de serviço com outra que acaba de completar 100 dias apenas. Isso tanto para o aspecto negativo como positivo. 

Como já falamos nesse artigo o poder público municipal tem total condição de gerir o transporte público da capital ofertando um serviço de qualidade a população. Para tanto é importante que os usuários continuem apontando os problemas e criticando aquilo que precisa ser criticado. E a gestão por sua vez, que saiba ouvir essa críticas, absolva-as e busque melhorar.

Se trabalhar como deve ser trabalhado a gestão do transporte público de Palmas pode ser modelo para muitas cidades brasileiras. E quem ganha com isso, claro, é a população. Mas também a Prefeita Cíntia Ribeiro que crescerá muito mais politicamente do que tem crescido e a partir daí vislumbrar vôos mais alto na vida política. E isso certamente tem incomodado muita gente.

Por Pedro Ferreira Nunes – É Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP Lajeado.


quarta-feira, 15 de março de 2023

Hasta siempre Canisso!!!

Há uns dezoito anos encontrei com aquela figura nos corredores de um hipermercado fazendo compras acompanhado de um senhor (que aparentemente era seu pai). Não tive dúvida de quem era, apesar de não conhecê-lo pessoalmente. Canisso era um dos membros de uma das bandas que eu mais curtia na adolescência. E como um fã da banda era natural que eu conhecesse todos os seus integrantes. 

Uma coisa que me chamou atenção foi ver aquela figura que até então só tinha visto na televisão (tocando com sua banda) numa cena familiar fazendo compras num hipermercado. Num determinado momento ele passou ao meu lado e não me contive e perguntei: - Você é o Canisso do Raimundos? Ele muito simpático respondeu afirmativamente. Não me lembro mais o que disse. Acho que: - Sou seu fã. No que ele respondeu: - Obrigado. Daí continuei fazendo o meu trabalho e ele as suas compras.

Nesse tempo eu trabalhava como repositor de mercadoria num grande hipermercado na capital goiana. E sempre que podia não perdia a oportunidade de ir nos shows das bandas que eu só via pela televisão quando morava no interior do Tocantins. Não cheguei a ir num show dos Raimundos que nesse tempo não estava tão em evidência após a saída do Rodolfo. Mesmo assim continuava tendo a banda como uma das minhas preferidas. 

Enfim, me lembrei desse episódio ao saber do seu falecimento. Uma morte repentina – dessas que pega a todos de surpresa. A nós só resta lamentar a sua partida e celebrar a sua trajetória – e que trajetória. Canisso é certamente inspiração para muitos garotos e garotas que se aventura no baixo – uma posição considerada secundária numa banda – inclusive, segundo declaração dele, começou a tocar o instrumento por que foi o que sobrou. Mas o fez tão bem, que se tornou um ícone do instrumento ao lado de nomes como Champion  (do Charlie Brown Jr). Eu mesmo passei a apreciar o som do baixo com ele, o Flea (do RHCP) e o Achiles Rabelo (Tribo de Jah) – isso ainda no tempo do colegial quando eu, juntamente com alguns colegas, sonhava ter uma banda de Rock. 

Mesmo com a saída do Rodolfo não deixei de acompanhar os Raimundos. E sempre torci para que eles se reconstrucem. No entanto, com o passar dos anos já não era a banda que fazia minha cabeça. E com o posicionamento político do Digão então me distanciei mais ainda. Porém o Canisso continuava tendo minha simpatia, inclusive por deixar claro que o posicionamento do Digão não refletia a opinião da banda. Mas enfim, independente de qualquer coisa, o fato é que ao lado dos seus companheiros da Raimundos, ele deixa discos que são verdadeiros clássicos do rock nacional. E por isso não podemos deixar de celebrar o seu legado e lamentar sua partida, sobretudo pelo fato de que ele ainda tinha muito a nos entregar com o seu baixo. Hasta siempre Canisso.

Pedro Ferreira Nunes – é apenas um rapaz latino americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in roll.