domingo, 10 de novembro de 2024

A música do Aureny I

O filósofo alemão Friedrich Nietzche diz que sem música a vida seria um erro. E seguindo esse raciocínio disse: “e aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam ouvir a música”. Essa frase me faz imaginar o quanto não é triste a vida daqueles que não podem ouvir a música. Corroborando com a visão do autor, de entre outros, “ O crepúsculo dos ídolos”, não consigo imaginar a minha vida sem música.

Por algum tempo, sobretudo no período da adolescência, o que me importava numa canção era a letra e o ritmo. Leitor de poesia desde a infância era natural que eu buscasse aqueles artistas que tinham uma força poética maior nas suas composições. Com o tempo fui me interessando mais pela música - identificar uma linha de baixo, o groove da bateria, um solo de guitarra. E até outros instrumentos como teclado e metais. Foi a partir daí que compreendi a grandeza de um The Beatles, por exemplo. Ou um Pink Floyd. O que não me fez deixar de apreciar uma letra poética. Ou ainda, canções pobres musicalmente mas subversivas.

A música está presente no meu cotidiano desde quando eu sequer tinha consciência disso. E com o tempo percebi que elas se tornaram o elo de ligação com um momento da minha vida. Há determinadas canções que quando ouço me remete há uma época passada, há um determinado lugar. A partir daí comecei a pensar que cada lugar tem uma música. Assim, quando ouvimos essa música somos levados a esse lugar, mesmo que ele já não exista. 

No entanto, nem todos vivem o lugar da mesma forma. De modo que essa música sempre depende da ótica de cada um. Ou seja, a música que me remete a Miracema da minha infância não é a mesma que remete a Miracema da infância do meu irmão Paulo. A música que marcou o meu período no colegial não é a mesma do meu amigo Joe. E daí por diante. Ou seja, a música do lugar está relacionada às nossas vivências pessoais.

Pensando nisso fiquei imaginando qual será a música do Aureny I - qual canção, ou canções, irá me fazer recordar desses dias quando eu já não estiver por aqui? Uma coisa é certo será um blues rock, pois nunca ouvi tanto esse estilo quanto tenho ouvido ultimamente. Em especial Saco de Ratos, Bebados Habilidosos e Celso Blues Boy.

Não sei porque, o Aureny me remete a uma zona boêmia de uma cidade grande como São Paulo - um lugar um tanto marginalizado, mas apreciado por amantes da noite dispostos a se aventurar por becos escuros atrás de álcool e sexo. Justamente aquilo que é retratado nas canções dos artistas citados.

“Na casa da luz vermelha
Só tem dor e solidão
Vejo tantas almas tristes
E mesmo assim estão sorrindo pra mim.
Cartão esquecido
Que a sorte abandonou
Quem chega aqui está perdido
Sem abrigo e sem amor
Mas nem conseguem entender.
Que nessa beira de estrada
É um jeito triste de viver
Na sala cheia de fumaça, ninguém vê
Que estou chorando por você
Chorando por você
Por você…”

Não me entendam mal, não estou dizendo que o Aureny I é um cabaré. Pelo menos, não no sentido que as pessoas geralmente imaginam, como um lugar sem regras. Mas eu não diria que o retrato que o Celso Blues Boy apresenta na sua canção (na casa da luz vermelha) seja muito distante do que encontramos nas ruas do Aureny I: almas tristes que apesar dos pesares sorriem para mim.

Talvez eu mesmo seja uma alma triste que nunca nega um sorriso para quem quer que seja. O artista tem sua razão em dizer que esse é um jeito triste de viver. Mas eu diria que tem lá sua beleza. E daqui há algum tempo isso ficará mais nítido. Ou não, né. Vai saber. Por enquanto essa canção é para mim a música do Aureny I. E para você? Qual é a música do lugar onde você vive?

Pedro Ferreira Nunes - é apenas um rapaz latino-americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock n roll.

terça-feira, 5 de novembro de 2024

Resenha: o homem unidimensional, Herbert Marcuse

Quando você ler um livro que foi escrito há alguns anos e tem a impressão de que ele foi escrito hoje, que dizer que você está diante de um clássico. Pelo menos, é uma ideia que eu corroboro, e que me veio à cabeça quando estava lendo “o homem unidimensional”, do filósofo alemão Herbert Marcuse. A minha impressão ao ler a obra completa é que o problema ao qual o filósofo se dedica é: numa sociedade administrada por uma racionalidade tecnológica, em que os indivíduos são levados a abrir mão da sua liberdade em troca de conforto, é possível vislumbrar mudanças qualitativas?

Antes de adentrarmos a obra, conheçamos o nosso filósofo. Herbert Marcuse nasceu em Berlim (Alemanha), no ano de 1898. Sua formação se deu nas Universidades de Berlim e Freiburg. Lecionou nas Universidades de Columbia, Harvard e Brandeis. Integrou a famosa escola de Frankfurt tendo tido uma enorme contribuição na resistência ao regime nazista e na popularização da teoria crítica. Tornando-se uma referência para a chamada nova esquerda. Além da obra em análise, ele publicou: Eros e civilização (1957), Cultura e sociedade (1970), A dimensão estética (1977) entre outros.

“O homem unidimensional: a ideologia da sociedade industrial” é de 1964, ou seja, em 2024 completa 50 anos da sua publicação. E trás uma profunda análise das sociedades desenvolvidas industrialmente e a importância da teoria crítica da sociedade como uma trincheira de resistência a um projeto totalitário caracterizado por novas formas de controle.

A obra é organizada por seções composta por capítulos. Segundo a seguinte lógica: na primeira seção o objeto é a sociedade. Na segunda é o pensamento unidimensional. A terceira é acerca de possíveis alternativas. A partir dessa sequência podemos perceber a linha de raciocínio do filósofo. Ou seja, primeiro ele faz um diagnóstico da sociedade contemporânea, mais especificamente as mais desenvolvidas industrialmente como os Estados Unidos da América (EUA). No segundo momento ele analisa como o pensamento é moldado fazendo com que os indivíduos se comportem de determinada maneira. E no terceiro momento ele aponta para possíveis alternativas, que na sua visão, passam pela defesa da teoria crítica como um contraponto ao projeto dominante.

Vale a pena ressaltar o texto introdutório da 1ª edição escrita por Marcuse intitulada de “a paralisia da crítica: sociedade sem oposição.” Que já dá o tom do que iremos encontrar no decorrer da obra. Ou seja, um diagnóstico de uma sociedade autoritária que impõe o seu projeto de dominação não mais pelo uso da força mas pela introjeção de falsas necessidades. Com isso o nosso filósofo ressalta que nessa conjuntura a liberdade é transformada num poderoso instrumento de dominação. Diante disso é importante lembrar de Karl Marx quando ele nos diz que não há liberdade verdadeiramente quando não podemos escolher entre duas alternativas concretas.

“Nós vivemos e morremos racionalmente e produtivamente. Nós sabemos que a destruição é o preço do progresso, assim como a morte é o preço da vida, que a renúncia e o esforço são pré-requisitos para gratificação e o prazer, que os negócios têm que continuar, e que as alternativas são utópicas. Essa ideologia pertence ao aparato social estabelecido; ela é requisito para seu funcionamento contínuo e faz parte de sua racionalidade”.

O trecho acima nos dá uma ideia da escrita do Marcuse. Ou seja, um texto acessível. Óbvio que temos consciência de que para quem não é da filosofia haverá uma certa dificuldade em relação a compreensão de determinados conceitos. Mas creio que isso não é limitador para que o público no geral possa ler e compreender a obra. Sobretudo a caracterização da sociedade contemporânea e como sua lógica de funcionamento forma indivíduos submissos.

Nesse contexto é possível vislumbrar alternativas? Para um materialista histórico dialético tal como Marcuse sempre há alternativas. E na sua concepção a alternativa passa pela restauração do pensamento crítico. Não num sentido moral, como percebemos muitas vezes, sobretudo na atualidade. Mas se opondo negativamente a uma consciência feliz positiva.

Enfim, não é nosso objetivo fazer uma análise profunda dessa obra aqui. Mas apenas resenha-lo brevemente, salientando a sua importância e relevância. E a partir daí recomendar a sua leitura. Por tanto encerramos por aqui com um verso do Maiakovski que acredito representar o espírito com o qual Marcuse encerra o livro: “é preciso arrancar alegria ao futuro”.

Pedro Ferreira Nunes - É Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins. Graduado em Filosofia (UFT). Especialista em Filosofia e Direitos Humanos (Unifaveni). E Mestre em Filosofia (UFT).

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Diálogos em sala de aula

- Qual o sentido da gente estudar tanto para depois virar professor e ganhar um salário desses?

Esse questionamento ouvi numa aula de filosofia esses dias por parte de um estudante. A minha resposta imediata é que para mim fazia muito sentido. Pois no contexto em que vivemos o salário que eu ganho me dá uma condição de vida superior a maioria dos brasileiros. Sem falar que a medida que eu continuasse me qualificando poderia melhorar o meu ganho. 

- De onde eu venho. O lugar que estou hoje me deixa com muito orgulho. Sem falar que eu gosto do que faço. Acordo todos os dias e venho dar aula com prazer.

Compreendi a provocação do estudante como um movimento que existe de desqualificação do fazer docente na educação básica. Um movimento que parte, muitas vezes, dos próprios professores que desencorajam os estudantes a fazer uma licenciatura. Tanto que diferentes levantamentos apontam que é uma minoria aqueles jovens que se dispõem ser professor. Entre aqueles que entram na universidade para cursar uma licenciatura o indice de evasão é alarmante. E aqueles que desistem quando conhecem a realidade de uma sala de aula não são poucos.

Não vou aqui romantizar a realidade. De fato não é um trabalho fácil. Sobretudo num contexto em que a educação parece ter se tornado algo supérfluo. As condições de trabalho nem sempre são as melhores. E os vencimentos estão longe de ser aquilo que merecemos pelo trabalho que fazemos. 

Mesmo assim, com o salário que ganhamos temos uma situação privilegiada em relação a maioria da classe trabalhadora. E não digo isso para que nos conformemos. Mas para que tenhamos consciência de que mudar as condições atuais do nosso fazer profissional, bem como a sua valorização, passa por essa compreensão. E a partir daí buscarmos fortalecer a profissão e não aceitar a sua desqualificação. 

Eu gostei da provocação do estudante. E fiz questão de dizer isso. Falei que quanto mais houvesse questionamentos por parte deles mais dinâmicas seriam as aulas. Óbvio, que esses questionamentos deveriam ser no contexto do que estávamos discutindo. Foi então que na mesma linha, outro estudante questionou qual era o sentido dele ter que ir todo dia para a escola pois já estava cansado daquela rotina.

A minha resposta foi: - o sentido quem tem que dá é você. A resposta quem tem que dá é você. Para deixar claro que não se tratava de uma mau resposta. Expliquei o motivo.

- Eu posso fazer todo um discurso lindo aqui sobre a importância do estudo. Mas vai ser o que eu penso. Vai ser o meu sentido em relação a educação a partir da minha experiência. Que como já ficou evidente na resposta anterior é inegável. Eu posso até ti convencer. Mas no final das contas vai ser o que eu penso. O que estou querendo dizer é que a vida é sua meu caro. E quem tem que encontrar sentido pra ela é você. O meu papel aqui será problematizar. Quem sabe ajudá-los a encontrar esse sentido.

Pela reação dele não era a resposta que esperava. Provavelmente pensava que eu faria um discurso tentando convencê-lo do contrário. No entanto percebi que ele compreendeu a minha colocação. Ou seja, nós precisamos assumir a responsabilidade pelas nossas escolhas. Pois quem arcará com as consequências seremos nós. Ora, não podemos jogar para os outros a responsabilidade de dar sentido a nossa existência. E quanto mais cedo aprendermos isso melhor.

Pedro Ferreira Nunes –  É professor de Filosofia na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins 


sexta-feira, 25 de outubro de 2024

Política no Tocantins e a incômoda posição de estar sempre entre o espeto e a brasa

Isso me ocorreu ao analisar a opção que aqueles que se insere no campo da esquerda (como eu) terão em relação às eleições no segundo turno em Palmas. Para nós que vivemos no Tocantins não é nenhuma novidade. Vivendo num território em que a esquerda não tem grande relevância. Incluindo nesse bonde a socialdemocracia. Não raramente temos que escolher entre direita e direita. Esse é o caso da disputa entre Eduardo Siqueira Campos (Podemos) e Janad Valcari (PL).

Nesse cenário qual seria a melhor escolha? A grande maioria daqueles que se insere no campo progressista estão fazendo a escolha pela candidatura do Eduardo Siqueira Campos. O que é compreensível diante do fato de que a outra alternativa é uma candidata que veste a camisa do bolsonarismo. Ou seja, a escolha é pela direita tradicional (maquiada de moderninha) ao invés da extrema direita (maquiada de liberal). A diferença entre uma e outra é que com a primeira há um diálogo possível, sobretudo o respeito ao Estado democrático de direito. Já a segunda não.

Outro fator a ser levado em consideração é que pensando num projeto nacional de manutenção do bolsonarismo fora do poder. Não é nada interessante ter no comando da capital alguém que irá dar palco para a extrema direita. Não que Eduardo não faça isso. Pois ideologicamente ele está mais próximo do bolsonarismo do que da esquerda. No entanto com Janad isso será automático. Só vermos quem já passou pelo seu palanque (Bolsonaro, Michele, Nicolas, Damares entre outros).

Foi justamente o apoio dessa gente que é bastante popular em Palmas, sobretudo na periferia, que catapultou Janad ao lugar que ela chegou.

Apesar de ver toda a sua força durante o primeiro turno da campanha, ao contrário do que algumas pesquisas apontavam, sempre disse que haveria segundo turno. Ainda que não percebesse um movimento que pudesse impedir a sua vitória.

O fato é que esse movimento ocorreu. As votações expressivas tanto do Professor Júnior Geo como do Eduardo mostraram uma resistência do eleitorado palmense ao bolsonarismo representado por Janad. Mostraram também que o que parecia ser uma terceira via tornou-se uma alternativa real - a candidatura do Eduardo Siqueira Campos que conseguiu ficar à frente do Júnior Geo (que contava com o apoio da prefeita Cintia).

Não acredito que ninguém que tenha minimamente uma formação progressista tem alguma ilusão quanto a uma gestão do Eduardo Siqueira Campos que não seja para atender os interesses do mercado. Tanto é que um dos pontos do seu programa de governo é o estabelecimento de parceria público-privada (privatização). Entre eles na educação e no transporte público. No transporte público, por exemplo, sua proposta é adquirir 200 novos veículos e entregar para uma empresa privada fazer a gestão, óbvio que isso não será em troca de nada, mas da tarifa que os usuários pagam diariamente.

O mote do seu programa é a livre iniciativa com justiça social. É praticamente o mesmo lema do Governo Siqueira Campos à frente do Estado do Tocantins (o Estado da livre iniciativa e da justiça social). Em primeiro lugar o interesse do mercado e alguma migalha para o social (compreendido como caridade).

Diante desse cenário, votar nulo seria uma opção? Já que independente de quem for eleito as perspectivas não são boas para a classe trabalhadora, sobretudo quem vive na periferia. Para alguns sim.

Minha posição, não sem incômodo, é defender a necessidade de não ficarmos neutros num cenário em que uma candidata que reivindica o bolsonarismo pode chegar ao poder. Seguindo a análise do filósofo e professor Paulo Arantes sobre Bolsonaro de que este seria uma ruptura para o pior, que deve ser portanto estancado e contido. Aqueles que o seguem também o são. E por tanto devem ser combatidos igualmente.

Também devemos nos perguntar se esse é o horizonte que queremos. Nos acomodar com a incômoda posição de ter que escolher entre direita e direita. Esperando em troca ganhar algum cargo comissionado. Ora, quando vamos pensar e trabalhar seriamente para nos colocar como uma força relevante na política tocantinense? 

Pedro Ferreira Nunes - É Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins. Graduado em Filosofia (UFT). Especialista em Filosofia e Direitos Humanos (Unifaveni). E Mestre em Filosofia (UFT).

domingo, 20 de outubro de 2024

O filme Nação dos sonhos do Michael Goldbach e a nossa formação moral

O que seria uma “Nação dos sonhos”? Me parece que há duas respostas possíveis. Primeiro, um lugar perfeito. Ou, segundo, um lugar em que se vive fora da realidade. Esse parece ser o sentido dado pelo diretor Michael Golbach a sua película Daydream Nation (2011).

A narrativa se desenrola numa cidade interiorana. Envolta por uma névoa conservadora, assolada pela poluição de fumaça e o perigo de um serial killer de mulheres. Caroline (Kat Dennings) é o fio condutor da narrativa. É a partir da sua perspectiva que conheceremos o lugar e suas personagens. Como o jovem Thurston Goldberg (Reece Thompson) viciado em maconha, que carrega consigo o trauma da morte de um amigo num acidente. E o professor Barry Anderson (Josh Lucas) - um aspirante a escritor que buscou refugiou ali após descobrir uma traição da esposa com o seu melhor amigo.

A vida desses personagens vai se encontrar numa escola de ensino médio. O cineasta não poderia escolher um lugar mais simbólico para retratar aquela realidade. Desmotivação, falta de perspectiva, traumas e mais traumas é em resumo o que desfila naqueles corredores. Caroline olha para tudo com um ar de superioridade e desprezo, vindo de uma cidade grande, com uma mentalidade mais liberal não vai se deixar enquadrar por aquela realidade, pelo contrário. Buscará subverte-la.

A questão é que estamos falando de uma jovem, que por mais que tenta se mostrar forte está passando por um momento de transição assim como os demais. E nesse momento de transição nem sempre irá agir de forma virtuosa, digamos assim. Não vamos condená-la por isso, mas entender que faz parte do seu processo de desenvolvimento e amadurecimento. O mesmo não podemos dizer do professor Barry - do qual se espera um nível de maturidade condizente com sua idade e formação. Mas também não o condenemos. Tentemos compreender a fraqueza humana.

Kohlberg, psicólogo estadunidense, tem uma teoria interessante acerca do comportamento moral. Que pode nos ajudar a compreender a psique dos personagens do Daydream Nation. De acordo, com esse pensador, há diferentes níveis de moralidade. O primeiro, denominado de pré-convencional, tem como principal característica uma ética individualista, onde a preocupação com o eu se sobressai. Nesse nível há dois estágios. O primeiro é a consciência de que as regras morais derivam da autoridade. E o segundo a consciência da necessidade de acordos diante dos diferentes interesses pessoais. Prevalecendo sempre o meu interesse como prioridade. Esse é o caso de Caroline quando decide seduzir o professor Barry como uma forma de fugir do tédio do lugar. E também do professor ao ceder a investida de Caroline. Sobretudo porque vê nessa relação um meio de recuperar a confiança perdida em si como escritor.

O segundo nível de moralidade é denominado de convencional, aqui também há mais dois estágios, mas em resumo, o indivíduo passa a ter preocupação com o outro, a reconhecer o outro não como um meio. Esse é o caso do Thurston no seu relacionamento com Caroline e pelo remorso que sente pela morte do amigo. Com isso percebemos que não necessariamente o desenvolvimento moral está relacionado a idade. Pois Thurston é um adolescente ao contrário do professor Barry.

Ainda temos o terceiro nível, denominado de pós-convencional, que também se divide em dois estágios, para Kohlberg este é o mais alto nível de moralidade. E se caracteriza por um comportamento moral fundamentado em princípios éticos. Não é o caso de nenhum dos personagens do filme em análise. No entanto percebemos eles se movendo nesse sentido a partir de um elemento fundamental, o erro.

E o que é o erro senão aquilo que a sociedade estabelece como errado. E ao se estabelecer algo como errado busca-se criminalizá-lo para que os indivíduos, sobretudo os mais jovens, não o pratique. No entanto, esquecemos que o erro é um elemento pedagógico muito importante. E que nos faz crescer. De modo que a questão não é tanto cometer erros, mas a capacidade de aprender com eles e evoluir.

O que me parece é que esse período de transição que caracteriza a juventude  é o que mais cometemos “erros”. Muitas vezes apenas pelo prazer de desafiar o status quo. O cuidado que tem que se ter é que alguns são irreversíveis, como por exemplo, o que levou a morte do amigo do  Thurston. No final, Daydream Nation, nos mostra não uma nação ideal, mas a possível. E essa nação possível, pode ser boa de viver se soubermos aprender com nossos erros. Ou olhando para os personagens, que são um retrato das juventudes que existem na nossa sociedade. Daydream Nation, nos mostra não indivíduos perfeitos, mas reais. E que por serem reais cometem erros mas não cortam os pulsos por isso.

Pedro Ferreira Nunes - É Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins. Graduado em Filosofia (UFT). Especialista em Filosofia e Direitos Humanos (Unifaveni). E Mestre em Filosofia (UFT).

terça-feira, 15 de outubro de 2024

Conto: A noite mais longa

Ele nunca imaginou que um dia colocaria os pés num lugar daqueles. Ainda mais agora que já ultrapassara 60 primaveras. Sempre trabalhou duramente para sustentar a família e buscou educar os filhos para que seguissem o seu exemplo. Das tantas noites difíceis que tivera, aquela era a pior. E quanto pior, mais longa, tornando o sofrimento ainda maior.

Algo lhe dizia que não sairia vivo dali. As pessoas que passavam por ele naquele corredor olhavam-o como se estivesse vendo um morto. Ele sabia que isso não ia demorar acontecer. Os anjos da morte nos seus cavalos negros a qualquer momento se materializariam naquele lugar, fazendo ecoar o som feroz de suas armas. Mais tardavam, fazendo com que os minutos se transformassem em horas. – o que fiz para merecer esse final? A tortura psicológica daquele momento era pior que tudo.

Ele não temia a morte. Sempre fora um homem temente a Deus. Este certamente estaria lhe reservando um bom lugar. Lamentava deixar sua esposa, filhos e netos. Mas se o seu destino era pagar com a vida um erro de um filho. Nada podia fazer. Se não orar e pedir a proteção de Deus para aqueles que ficavam. Orava inclusive pela alma dos seus algozes. – Pai, perdoai-vós, eles não sabem o que fazem.

Por ele não estaria mais naquele lugar. Mais fora orientado a aguardar o amanhecer para que pudesse voltar para casa em segurança. Para ele estava apenas adiando o inevitável. Já mais voltaria a ver a casa que construira com tanto sacrifício. Desde cedo trabalhando duro e o máximo que conseguira fora aquela casinha e uma aposentadoria de miséria. Mas não se lamentava, pelo contrário, agradecia a Deus pelo que tinha – era pouco, mas havia conquistado com trabalho.

Não entendia por que o seu amado filho, mesmo com tanto conselho, decidira pelo caminho da criminalidade. Foram noites e noites de joelhos dobrados, juntamente com sua esposa, orando para Deus, pedindo para que aquele menino tomasse juízo. Mas nada de mudança. Agora estava morto. Tão jovem, tão jovem. Tudo bem que não era flor que se cheirasse. Mas será que merecia aquele destino? Questionava-se.

Se o filho, mesmo com o crime que cometera, não merecia a morte sumária. Ele muito menos. Se tinha mentido para Policia num primeiro momento não fora para proteger o filho criminoso, mas por receio do que esse poderia fazer a si e a sua mulher. Agora que havia esclarecido no seu depoimento o por que dá mentira, sua consciência estava mais tranquila do que nunca. Morreria como culpado de cumplicidade, mas seria absolvido pela justiça divina.

Que noite longa. Parecia nunca ter fim. Ele tentou tirar um cochilo. Mas os pensamentos não lhe dava trégua. Pensava na sua esposa, nos filhos, na casa, nos irmãos da igreja, na plantação de mandioca. Mesmo com a idade avançada e sendo aposentado, não fugia do trabalho. Qualquer pedacinho de terra ele aproveitava para plantar uma mandioquinha, um feijão, um milho, uma abóbora, para ajudar no orçamento da família. 

Ele tentava esquecer dos acontecimentos que o fizeram chegar ali – do confronto que levou a morte do seu filho. Tentava inclusive esquecer de onde estava. Imaginava-se no lugar da sua infância em meio a natureza. Como era bom a vida no campo. Não havia a violência que existe nas cidades. A relação de respeito entre pais e filhos eram outra. Mas passos rapidos nos corredores o fizeram lembrar de onde estava.

Quando os anjos da morte chegaram, o local escureceu. Ele não esboçou reação. Estava sereno. Eram muitos, muitos foram os disparos. Seu corpo ficou estendido no corredor. E os anjos partiram deixando um rastro de sangue, na noite mais longa naquela cidade interiorana. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Um rapaz latino americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in roll. 

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Uma crônica dos últimos momentos das eleições municipais de 2024 em Lajeado

Acompanhando de longe a campanha eleitoral em Lajeado, sobretudo pelas redes sociais, me parecia uma eleição bastante disputada onde não se percebia na reta final um favorito claro. Assim quando cheguei às vésperas da votação tentei sentir o espírito da cidade.

O meu primeiro contato foi com colegas que votariam na Márcia (PSDB). E o que senti nesse bate papo foi uma profunda confiança na eleição da candidata tucana. Eles me disseram que o povão estava todo com a Márcia, ainda que muitos não falassem publicamente. O contato com aqueles que votavam no Tércio foi um pouco diferente. Também acreditavam na vitória, mas pontuando que seria apertado.

Essa visão mudou um pouco depois da carreata promovida pelo candidato republicano que marcou o encerramento da campanha. Eu estive presente participando do ato e fiquei impressionado. Me pareceu ter sido uma estratégia bastante acertada que poderia influenciar os eleitores indecisos. E o sentimento dos que ali estavam é que a vitória era praticamente certa. No entanto, a demonstração de força não impactou na decisão dos eleitores lajeadenses. Tanto que houve vários comentários dizendo que muitos dos que estavam na carreata não eram da cidade. Ou seja, não havia indecisão em relação ao voto por parte do eleitorado.

No domingo a cidade amanheceu tranquila, fui até o meu local de votação entre 11h e 12h, votei e retornei para casa. No período da tarde me organizei para retornar para Palmas. E enquanto estava na margem da rodovia esperando a Van, um colega que fazia parte da campanha do Tércio deu a notícia.

- Perdemos a eleição.

A minha reação foi de surpresa. Quis saber mais detalhes mas ele não tinha. Como ele estava indo para Palmas me ofereceu carona - o que foi providencial pois eu já estava há um bom tempo tentando pegar uma van mas todas que passavam estavam lotadas. Durante a viagem fomos conversando e analisando tanto o resultado como o novo cenário político na cidade. E um ponto bastante enfatizado foi do capital político da Márcia. Ainda não sabíamos de quanto tinha sido a vantagem de um para o outro. E nem quais e quantos vereadores eleitos de cada grupo. Só quando chegamos em Palmas e tivemos acesso a internet é que soubemos.

Para mim ficou evidente que a cidade de Lajeado se moveu num sentido de mudança. E quem melhor incorporou esse sentimento na campanha eleitoral foi a candidata tucana. A renovação de mais de 50% das cadeiras do legislativo lajeadense também corroboram com essa tese. E o mais interessante desse movimento foi ver a eleição de gente jovem com profundas raízes na cidade. Como é o caso do Madruga (Republicanos) e do Márcio Brito (PL). Ouso apostar que essa seja a legislatura mais jovem da história do Lajeado.

Em relação à representação feminina não houve mudança referente à quantidade. Mas o nome da ocupante desta cadeira (Eva Enfermeira/PSDB) é certamente muito significativo tanto pela sua história com o território como pelo seu trabalho como servidora pública da saúde.

Confesso que não me empolguei com a candidatura da Márcia. Para mim será como uma espécie de rainha da Inglaterra. Ou seja, apenas figurativa. Quem realmente vai comandar a administração não será ela. Talvez eu esteja subestimando o seu papel como líder. E espero estar enganado quanto a isso para o bem da cidade.

No geral a gente observou um movimento de mudança. E não podemos ficar tristes diante disso. Sobretudo em relação a eleição para câmara de vereadores com a ascensão de novos parlamentares e a queda de figuras tradicionais da política lajeadense. Óbvio que teremos mudança. Márcia não elegeu a maior bancada na Câmara de Vereadores e precisará ceder espaço para os parlamentares eleitos no grupo do Tércio para poder ter projetos aprovados. Os vereadores por sua vez, mesmo os novatos, nem todos ficaram na oposição.

Enfim, foi assim que vi e acompanhei os momentos finais das eleições em Lajeado. Já não estava na cidade durante a comemoração. Mas pelas postagens nas redes sociais pude perceber a emoção e felicidade do grupo vitorioso. Também pude imaginar a bad trip de quem investiu tanto e viu seus planos frustrados. No interior se vive muito intensamente o período eleitoral de escolha dos representantes locais. E isso deixa suas marcas. No final das contas a única pergunta que importa é: qual a cidade que teremos nos próximos quatro anos?

Pedro Ferreira Nunes - É Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins. Graduado em Filosofia (UFT). Especialista em Filosofia e Direitos Humanos (Unifaveni). E Mestre em Filosofia (UFT).