sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Crônica: Sobre amadurecer

Esses dias fiquei ouvindo a euforia dos meus vizinhos assistindo um jogo de futebol na TV. O comportamento passional deles me fez recordar de mim há alguns anos diante dos jogos do São Paulo Futebol Clube. E o pensamento que me veio a cabeça foi – é, eu amadureci. Já não me deixo afetar dessa forma por um jogo de futebol.

Me lembro que quando comecei a acompanhar os jogos do São Paulo Futebol Clube foi como se entrasse numa montanha russa de afecções. Se o time ganhasse, maravilha, até o próximo jogo a alegria estava garantida. Já se o time perdesse eu mergulhava numa tristeza profunda. As vezes chegava ao ponto de não conseguir dormir a noite após uma derrota. Ficava imaginando comigo -  ah, se o nosso goleiro tivesse feito aquela defesa. Ou se o nosso atacante não tivesse errado aquele gol.

Nada me fazia deixar de assistir os jogos do tricolor paulista. Podia está acontecendo o que tivesse acontecendo. Por exemplo, se fosse na quarta-feira e eu estivesse na escola. Era certeza que na hora do recreio não havia muro que me segurava. Já a minha postura diante da TV era um espetáculo a parte. Num simples jogo do campeonato paulista ou do Rio-São Paulo a adrenalina era tanto que eu não conseguia ficar sentado. Andava de um lado para o outro xingando e esbravejando, segundo eu com os jogadores e o juiz, mas no final das contas era com a televisão ou comigo mesmo.

Eu um cara tão calmo não raramente explodia em cólera, gritava, quebrava o que estava na minha mão (por isso evitava de assistir os jogos com o controle da TV na mão), chutava portas, rasgava a camisa, tocava fogo na bandeira, jurava para mim que nunca mais assistiria um jogo do São Paulo. Mas no próximo estava eu lá. 

Hoje já não me deixo afetar dessa forma por um jogo de futebol, ainda que seja uma final de campeonato. Não  deixei de apreciar uma partida de futebol, de torcer pelo São Paulo. Inclusive contínuo acompanhando diariamente as notícias do time. E as vezes até me permito a assistir os jogos. Mas quando começo a ser afetado negativamente, mudo de canal e vou assistir outra coisa, ou ler um livro. Ou ainda ouvir música. O que não me permito mais é sofrer por algo que não está sob o meu controle. 

Talvez eu tenha me tornado demasiadamente racional. E digo isso não só em relação ao futebol. Não vejo mais por que deveria colocar na mão do outro ou de algo a minha felicidade. Não é por que o meu time perdeu que vou ter uma noite ruim. Não é por que alguém não fez aquilo que eu esperava que vou cortar meus pulsos. A vida já nos oferece em demasia doses de sofrimento dos quais não tem como correr. Por que cargas d'água vou me sujeitar a sofrimentos evitáveis?

Mas nem todo mundo age assim, especialmente torcedores como os meus vizinhos que colocam o seu time do coração num patamar de uma divindade. E nessa mistura de futebol e religião os jogadores são idolatrados como Santos. Isso me fez lembrar o que Marx falou sobre a religião ser o ópio do povo. Nessa linha eu diria que o futebol então é a cocaína. Pobre do diabo que cair nas suas garras.

Por Pedro Ferreira Nunes – Poeta, Escritor e Educador Popular. 

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Algumas palavras sobre o livro “Literatura Tocantinense – Entrevistas”

A literatura tocantinense apesar de jovem, e portanto ainda em construção, tem uma produção considerável fruto do trabalho tanto de autores consagrados como de jovens escritores. Mas essa produção e esses autores nem sempre tem o reconhecimento necessário – seus trabalhos são desconhecidos do grande público. Nesse sentido a publicação em 5 volumes da obra: “Literatura Tocantinense” – Entrevistas, organizada pelo Professor e Escritor Pedro Albeirici, chega para  diminuir essa invisibilidade e oferecer um rico material de pesquisa para quem trabalha com literatura ou gosta de uma boa leitura.

Pedro Albeirici é uma referência literária no Tocantins. Autor de diversas obras, tanto ficcional como não-ficcional, entre elas: “Morte no Atlântico Sul”, “Crônicas do Tocantins e outras viagens” e “A boneca viajante”. Licenciado em Letras e Pedagogia, é Mestre em Literatura Brasileira e Linguística e Doutor em Teoria literária. Exerce atualmente o cargo de Professor na Universidade Federal do Tocantins – Campus de Araguaína. A obra “Literatura Tocantinense – Entrevistas” (Editora Veloso), não só foi organizada por ele, como também financiada do seu próprio bolso – um exemplo da sua militância em busca do fortalecimento da literatura tocantinense. 

A obra

A obra consiste em entrevistas realizadas com autores que produzem literatura, a partir do Estado do Tocantins, acompanhadas de uma breve biografia e dados bibliográficos. Isto é, informações básicas para que o leitor possa conhecer os autores e os seus trabalhos publicados. Trata-se portanto, segundo o idealizador e organizador da obra, de uma espécie de minienciclopédia. O que significa que se o leitor quiser de fato ter um contato com a própria obra dos autores apresentados, deverá buscar em outros espaços. Porém terá em “Literatura Tocantinense – Entrevistas” um conjunto de informações básicas de onde poderá partir.

Um aspecto importante a se ressaltar é o perfil democrático da obra. O leitor irá encontrar durante a leitura não só escritores já consagrados a nível regional, mas também autores que estão buscando o seu espaço. Isso se deu, creio eu, pelo critério de que, para participar do projeto o autor deveria ter pelo menos 1 obra publicada. 

Por outro lado, esse critério também inviabilizou a participação de autores que ainda não tiveram condição de publicar um trabalho. E sabendo o quanto é caro publicar um livro nesse país, ainda mais no Tocantins. Somando-se a isso a dificuldade ainda maior de divulgação e distribuição. Não foram poucos. Certamente não teríamos 5 volumes, mas bem mais. E os custos financeiros também seriam bem maiores para publicar essa obra.

Mesmo assim,  quando a gente lê a obra e vê a quantidade de escritores com livros publicados, de todas as regiões do Estado – de pequenos, médios e grandes municípios. Percebemos o potencial da literatura tocantinense – sua pujança – que não é maior por falta de apoio, sobretudo por parte do poder público. 

Os volumes

Cada volume trás na capa uma imagem de uma paisagem exuberante do Estado do Tocantins. Por exemplo, no volume 1 temos a Cachoeira Véu de Noiva  (numa foto do Marcos Filho Sandes), localizada no município de Araguaína. Já a contracapa trás o Rio Araguaia em Garimpinho, também localizado em Araguaína  (numa foto do Marcos Filho Sandes). No volume 2, temos na capa uma paisagem localizada na terra dos Xerente – município de Tocantinia (numa foto do Edivaldo Xerente) e na contracapa a Cachoeira de Santo Antônio localizada no município de Taguatins (numa foto do Fabiano Vieira). No volume 3, temos na capa a famosa Praia do Paredão (numa foto do Fernando Lucena) localizada no município de Miracema. E na contracapa o Rio Tocantins no município de Tocantinópolis (numa foto do Dirceu Leno). No volume 4, temos duas belas paisagens do Jalapão – na capa a Serra do Espírito Santo e na contracapa o fervedouro do Ceiça (ambas em fotos do Toni Ferreira), localizados no município de Mateiros. Por fim, no volume 5, temos na capa o Morro do Segredo (numa foto da Mirtes Aguiar) e na contracapa a Lagoa da Confusão (numa foto do multifacetado Zacarias Martins).

O volume 1 tem o prefácio assinado por José Manoel Sanches da Cruz Ribeiro (Doutor em Literatura Comparada e Professor da UFNT). E trás 32 entrevistas com autores, segundo Cruz Ribeiro, mais renomados da literatura tocantinense, entre eles estão Belinha, Celio Pedreira e Irma Galhardo. E encerra com um posfácio escrito por Ana Inez Freitas de Oliveira Ferreira (Professora do CEM Filomena).

O Volume 2, assim como os demais, tem a apresentação feita por Zacarias Martins e o posfácio por Rubens Martins da Silva (Professor da UNITINS). Conta com 45 entrevistas, entre elas a da Adriana Rabelo, Consola Brito e Eunete Guimarães. O volume 3 conta com 43 entrevistas com destaque para nomes como Everton dos Andes, Gilson Cavalcante e Juraci Teles. O volume 4 conta com 44 entrevistas com destaque para o Paulo Henrique Costa Mattos, Paulo Albuquerque e Leny Dias. Por fim, o volume 5 conta com 42 entrevistas com destaque para a Rhoselly Xavier, Robson Vila Nova e Zeca Tocantins.

Todos os volumes homenageiam o escritor José Francisco da Silva Concesso (em memória) que nos deixou em 2020. 

Uma crítica 

Uma crítica em relação a obra é que senti nas entrevistas falta de um foco maior no fazer literário de cada escritor – suas inspirações, seu processo de criação, se cria mais no campo da ficção ou não, o seu gênero literário preferido e daí em diante. Me parece que o foco dado é no que o autor pensa da importância da literatura e da cultura. O que não deixa de ser interessante. Enfim, o fato é que ao longo da leitura fiquei com essa sensação, inclusive de que algumas perguntas eram repetitivas.

A importância da obra para a educação 

Quem atua na educação básica como Professor na área de Linguagens, se depara no Documento Curricular do Tocantins  (DCT) com a exigência de se trabalhar a literatura tocantinense. No entanto, salvo exceções, não se encontra obras de autores tocantinenses nas bibliotecas das escolas. Ora, tal exigência deveria vir acompanhada de uma política de apoio e incentivo a produção, divulgação e distribuição de obras literárias Tocantinenses, sobretudo nas bibliotecas públicas. 

Com a ausência de uma política nesse sentido fica-se então dependendo de um professor engajado que possa buscar por iniciativa própria adquirir obras como a “Literatura Tocantinense – Entrevistas”. Geralmente são professores que também são escritores e compreendem a importância da formação de novos leitores para o fortalecimento da literatura e da cultura como um todo.

Mas enfim, a obra “Literatura Tocantinense – Entrevistas” organizada por Pedro Albeirici tende a se tornar uma obra de referência da nossa literatura, sobretudo pela sua importância. Aqueles que tiverem a condição de adquiri-lo, os 5 volumes, terão um rico material em mãos. Além de estarem contribuindo para o fortalecimento da literatura tocantinense. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador, Poeta e Escritor Popular. Atualmente atua como Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

A Esquerda e as perspectivas de mudanças


“deve-se aproveitar a experiência do movimento e dela tirar lições práticas...”.

Lenin

Enfim as primeiras vacinas contra á COVID-19 foram aprovadas e milhares de pessoas mundo afora estão sendo imunizadas – em alguns países mais do que outros, mas estão. Esse talvez seja o começo do fim dessa pandemia – que continua fazendo seus estragos. E continuará até que esse fim chegue, pois não existe vacina contra a mediocridade.

Falando em mediocridade, no dia que a Diretoria da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) se reuniu para deliberar sobre o uso emergencial das vacinas produzidas pelo Butantan e pela Fio Cruz, fiquei lendo alguns comentários no chat da transmissão ao vivo. O nível desses comentários me causou imensa tristeza. Me pareceu que estávamos numa partida de futebol. De um lado a torcida a favor, do outro lado a torcida contra. Ninguém estava preocupado com o jogo, mas em agredir a torcida rival. Isto é, ninguém estava preocupado com o conteúdo da discussão, e muitos ali nem com a importância da vacina para combater a pandemia, mas com o fato de que a aprovação ou não significava a derrota do adversário. 

Postura essa vinda dos bolsonaristas não nos causa nenhuma surpresa. Agora o campo progressista entrar nesse jogo é que é o problema. Ora, ao entrar nesse jogo as chances da esquerda reverter a dinâmica atual das coisas tornam-se cada vez mais difíceis. Afinal de contas estamos falando de um jogo que eles dominam muito bem, e fazer o mesmo significa ter que abrir mão de princípios éticos. E abrir mão dos seus princípios éticos, é deixar de ser esquerda.

Creio firmemente que não será abrindo mão de fazer um debate qualificado para agredir o outro que pensa diferente de mim que se derrotará Bolsonaro e seus congêneres. Por isso eu abomino o qualificativo de gado que alguns antibolsonarista utiliza para atacar o posicionamento de defensores do atual governo. É uma postura antidialogica que mina qualquer possibilidade de se buscar reverter uma determinada posição. 

Quando se  bloqueia o diálogo, o que se está bloqueando é a perspectiva de mudança. 

Tenho consciência que não é possível dialogar com todo mundo, sobretudo com aqueles que não querem dialogar. Mas quando eu assumo uma postura antidialogica estou fechando a possibilidade de diálogo para todos e não apenas para os que não querem.

Acredito que os defensores do atual governo se dividem em dois grupos: O primeiro são os mau caráter, os que lucram com o desmonte do Estado e com o caos do Governo. E o segundo são os ingênuos, aqueles que acreditam que Bolsonaro é um enviado dos céus. Com os primeiros não a diálogo, mas enfrentamento. Já com os segundos não é só possível, como preciso se se quisermos vislumbrar alguma possibilidade de mudança. 

Esse diálogo não ocorrerá nas redes sociais – que viraram um lugar onde majoritariamente se destilam ressentimentos. Mas no contato diário através do trabalho de base. Hoje não se faz mais trabalho de base. E como consequência convoca-se uma greve e não há adesão, defende o impeachment do Presidente, mas não tem força de mobilização para colocar o povo na rua – único caminho para pressionar o congresso a tocar o processo. 

Diante de tudo isso o que nos resta dizer é: Ou a esquerda faz uma autocrítica e repense a estratégia que vem utilizando para derrotar o bolsonarismo ou as perspectivas de mudanças a curto e médio prazo serão cada vez menores. 

Para concluir lembremos das palavras de Lenin no célebre “Que fazer?”, onde fala que a experiência revolucionária e a capacidade de organização são coisas que se adquirem com o tempo. Mas que, no entanto, se faz necessário ter a vontade de desenvolver as qualidades necessárias para que isso ocorra. Sendo que para desenvolver essas qualidades é preciso ter consciência dos seus defeitos. E ter consciência dos seus defeitos é um passo importante para poder corrigi-los.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia. 

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Ratos de Porão: 40 Anos injetando indignação e inconformismo nas nossas veias

Você sabe de onde eu venho?

Da terra do carnaval

Onde a maioria é pobre

E se fode pra viver

Ratos de Porão 

Se não me falhe a memória ouvi o som dos Ratos de Porão pela primeira vez em 2006 quando morava em Goiânia. O som em questão era a música “expresso da escravidão”, do último álbum que eles haviam lançado (Homem inimigo do homem), que estava sendo vinculada na programação da Rádio Venenosa FM. 

Aquele som sujo, veloz e pesado acompanhando uma letra com uma dura crítica social me afetou muito. Eu já apreciava canções de protestos, canções que foram fundamentais para formação da minha consciência política, mas nenhuma delas tinham aquelas características. A partir daquele momento passei a me interessar cada vez mais pela banda e por aquele estilo de música. 

No final de 2006, quando assisti um show ao vivo da banda no Goiânia Noise (Festival de Rock), me tornei um super fã da banda. Que show senhoras, que show senhores. A partir dali a minha guinada para o mundo da música pesada se deu de forma irreversível. Passei a apreciar não só a música mas a cultura que dali se forma – os ambientes dos festivais, as pessoas, o jeito de falar,  de se comportar entre outros.

O primeiro disco que adquiri da banda foi o “Só crássicos” (2000) – uma coletânea com vários sucessos, entre eles: Crucificados pelo sistema, Beber até morrer, Igreja Universal, Crise Geral, Aids, pop e repressão e FMI. Depois adquiri o “Ao vivo no CBGB” (2003) com belas performances nas canções: Obesidade mórbida acidental, Toma trouxa, Agressão/repressão e Biotech is Godizlla. 

Ai depois vieram outros, entre eles o último álbum lançado  (Século Sinistro), que creio conseguiu mais do que qualquer um capitar o espírito das jornadas de Junho de 2013. Mas o meu preferido é um álbum ao vivo de 1992 – “RDP ao Vivo”. Os caras simplesmente destroem (num bom sentido) tudo do início ao fim.

Para quem não sabe, a banda Ratos de Porão nasceu em 1981 em São Paulo, no seio do movimento punk. No entanto no decorrer dos anos foram se distanciando, sobretudo em relação ao som, desse movimento. Mas a sua postura crítica em relação ao sistema dominante nunca abandonaram – já mais fizeram qualquer tipo de concessão para entrarem no “maestrim”. 

Desde o seu surgimento a banda passou por diversas formações. E a mais duradoura é a atual que conta com: Jão na Guitarra, João Gordo no vocal, Boca na bateria e o Juninho no contrabaixo.

Agora em 2021 a banda completa 40 anos de caminhada – uma caminhada que tem como legado um rico material que nos ajuda a compreender a história do nosso país. Mesmo que não se goste do som que a banda faz, e eu inclusive compreendo que não se aprecie esse tipo de música, não se pode negar a relevância das mensagens que ela passa através das letras das canções –analisem uma letra de qualquer álbum da banda e me digam o contrário.

Já se vão muitos anos que ouvi pela primeira vez o som da banda. Desde então conheci muitas bandas, tanto dentro como fora do Brasil. Mas os Ratos de Porão continua como a número 01 na minha lista de bandas preferidas. Suas canções não me deixam esquecer da realidade que vivemos e da necessidade de não se acomodar diante dela. É por tanto uma inspiração no momento que eu escrevo algum texto contra o sistema dominante. 

São 40 anos de história, e nessa data importante não poderia deixar de reconhecer todo o legado que a banda construiu até agora, e espero que continuem construindo por muitos e muitos anos. Infelizmente esse reconhecimento não virá de muitos lugares, pois sabemos bem como os nossos artistas são tratados nesse país. Ainda mais artistas com o perfil da banda Ratos de Porão. Mas creio eu, isso não deve ser motivo de ressentimento por parte da banda, mas sim de orgulho. Orgulho por incomodar aqueles que querem manter as coisas tal como estão – que se incomodam quando veem alguém tirando suas máscaras e injetando indignação e inconformismo nas nossas veias.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador, Poeta e Escritor Popular. 

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Educação: Sobre o decreto que autorizou o retorno das aulas presenciais no Tocantins

Aconteceu o que uma hora iria acontecer. A autorização por parte do Governo do Tocantins, da retomada das atividades educacionais presenciais nas unidades de ensino tanto da rede pública como privada. Apesar do decreto, uma coisa é fato, não será tão fácil essa retomada como foi a suspensão das aulas presenciais. Sobretudo por que não há total segurança, e estrutura adequada no que se refere a escola pública, para que essa retomada ocorra imediatamente.

Para quem não se recorda, a suspensão das atividades educacionais presenciais foram decretadas numa sexta-feira da segunda semana do mês de março de 2020. E já na segunda-feira as escolas da rede estadual estavam todas paradas. Agora novamente numa sexta-feira, o governo decreta a volta das atividades educacionais presenciais nas unidades de ensino. Mas nesse caso não significa que a volta será imediata. Talvez para rede privada que há algum tempo vinha pressionando o governo a autorizar esse retorno. Já no caso da maioria das escolas públicas, a situação é diferente.

Além do aspecto estrutural, que não é segredo para ninguém ser um tanto inadequado, não podemos perder de vista o perfil socioeconômico dos estudantes das escolas públicas – ainda mais quando se fala daquelas que se localizam no interior e nas periferias das grandes cidades. Perfil que os colocam numa situação de maior vulnerabilidade em relação a pandemia de COVID-19.

Sim, pandemia de COVID-19, que ao contrário do que alguns pensam (inclusive há aqueles que acreditam que nem existe pandemia de COVID-19), ainda não acabou. E nem tão cedo acabará, apesar do início da vacinação. 

É importante lembrar que no Tocantins (como em boa parte do Brasil), o mês de Dezembro de 2020 e Janeiro de 2021, foram marcados por um aumento significativo de casos e mortes decorrentes do Novo CoronaVírus. Tanto que os governos municipais de cidades como Palmas, Araguaína, Gurupi, Paraíso e Porto Nacional tiveram que tomar medidas mais enérgicas de prevenção e contenção da COVID-19.

Medidas que precisam ser mantidas sobretudo por que a imunização da população tocantinense através da vacinação avança muito lentamente. De acordo com a Secretaria de Saúde do Tocantins, dados do dia 03 de fevereiro, aponta que foram aplicadas 9.862 doses – um quantitativo bastante pequeno sobretudo quando olhamos para a quantidade de doses recebidas (60.900). Sem falar que o número de dose disponível até agora está bem distante do necessário para imunizar toda a população tocantinense – imunização que leva um tempo para surtir o efeito esperado.

Diante desse cenário a palavra que deve nos guiar nesse momento de retomada é prudência. Prudência para que não se faça como se diz popularmente – colocar a carroça na frente dos bois. Certamente precisamos discutir o inevitável, que é a retomada das atividades educacionais presenciais nas unidades de ensino. E além de discutir ter um planejamento concreto, que passa por criar condições para que isso possa ocorrer.

Por outro lado, não podemos dizer que esse decreto do Governo do Tocantins nos pega de surpresa. Na reta final de 2020 o governo já vinha flexibilizando as medidas restritivas no campo educacional. E inclusive lançou um protocolo de segurança, que entre outras coisas determinava a criação de um comitê na escola, responsável por avaliar e definir se aquela unidade de ensino teria ou não condição de um retorno as atividades educacionais presenciais. 

Também nessa linha, tivemos recentemente o lançamento do Programa Volta ao Novo, que tem como objetivo preparar socioemocionalmente os profissionais da educação para esse retorno. 

São medidas que apontavam efetivamente para retomada das aulas presenciais. No entanto, o fato de outros Estados estarem tomando medidas nesse sentido, pode ter acelerado esse processo no Tocantins. E ai é que se está o risco de se colocar a carroça na frente dos bois.

Diante disso os comitês locais terão uma responsabilidade enorme nesse processo de retomada gradual – precisaram ouvir a comunidade escolar para tomar qualquer decisão que autorize a volta das atividades educacionais presenciais naquela determinada unidade de ensino. Pois se a escola se tornar um foco de disseminação da COVID-19, os estragos serão irreversíveis. 

Um ponto a se ressaltar é que em menos de um ano de aulas remotas, é possível perceber um esgotamento físico e mental por parte dos estudantes, professores e demais profissionais da educação com esse modelo de educação. Tanto que percebemos um menor engajamento nas atividades desenvolvidas. E em conversas informais, estudantes, professores e demais profissionais da educação falam claramente que gostariam que as aulas presenciais retornasse. 

Talvez pensariam diferente se se fizessem a seguinte pergunta: Como será? Por que certamente não será como antes da pandemia. Estamos preparados para esse retorno? Temos condição de segurança para tanto? São questões que não podem deixar de se fazer. 

É diante de tudo isso que reafirmamos – voltar não será tão fácil como foi parar. Apesar do decreto autorizando a volta das aulas presenciais, e aqui falo sobretudo olhando para escola pública, ainda há uma série de questões que precisam ser resolvidas para que isso ocorra. Ou pelo menos deveria ser assim.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Graduado em Filosofia.

sábado, 30 de janeiro de 2021

Lajeado: “No coração dos deuses”

Se a memória não me falha (é, tô ficando velho) foi no verão de 1997 (talvez 1998) que Lajeado foi invadida por aventureiros em busca de um tesouro escondido por essas bandas. Aqui eles se deparariam com a bandeira do velho Fernão Dias e acabariam nas garras de uma poderosa nação indígena – que habitava essas paragens.

Aventureiros? Bandeirantes? Indios? Tesouros? Não, não estou ficando louco. Não é invenção do meu tempo de meninisse. Estou falando do primeiro longa metragem gravado no Tocantins e que teve a cidade de Lajeado como um dos seus cenários. Nesse tempo morávamos numa chácara às margens do rio Tocantins próximo a chácara de dona Júlia e seu Josias, quando de repente começaram a erguer uma aldeia Krahô e um pouco mais acima um acampamento de garimpeiros.

Num lugar onde não havia novidades, aquela novidade alvoroçou todos nós, especialmente as crianças – sobretudo quando chegaram os índios krahô e os atores “globais” liderados por ninguém menos que Antônio Fagundes – que naquele período fazia muito sucesso por essas bandas por ter protagonizado a novela “O Rei do Gado” de Benedito Rui Barbosa.

Lembro que uma noite acompanhamos a gravação de uma cena com o Antônio Fagundes e os índios Krahô na aldeia fictícia. Foi o único momento que os lajeadenses tiveram acesso ao set de filmagem. Mesmo assim não foi possível saber do que se tratava a estória – o que fazia com que ficássemos especulando sobre. 

Depois de um tempo fomos convidados para o evento de lançamento do filme que ocorreria em Porto Nacional (onde também havia sido gravado cenas do filme). Lembro que a multidão presente no evento em praça pública gostou muito da exibição. Eu particulamente não me recordo o que senti e nem me lembro do que se tratava o filme. Acho que nem eu e nem boa parte dos que saíram do Lajeado para acompanhar a exibição.

O filme

Além da gravação da cena com o Antônio Fagundes citada acima, outra coisa que eu não havia esquecido era o nome do filme – “No coração dos deuses”. A partir dessa referência fui pesquisar para saber mais sobre a obra e tive a grata surpresa de descobrir que a mesma havia sido disponibilizada na íntegra no YouTube (https://youtu.be/tNd0qn5-Mr4) Só então eu descobri do que se tratava. E fiquei encantado não só pela questão emotiva que me fez recordar a minha infância, de rever algumas paisagens que se perderam com a construção da Usina Hidrelétrica Luiz Eduardo Magalhães (o filme foi gravado antes das obras da UHE se iniciarem). Mas sobretudo pelo fato de se tratar de um bom filme, com uma boa estória, bons atores e uma excelente trilha sonora.

“No coração dos deuses” é um filme do cineasta Geraldo Moraes, que tem no elenco, além do Antônio Fagundes, Roberto Bonfim, Tonico Pereira, Regina Dourado, Iara Jamra, Ângelo Antônio entre outros. Sem falar na participação especial dos indios Krahô. A trilha sonara foi composta pelo André Moraes juntamente com ninguém menos que Andreas Kisser e Igor Cavaleira (Sepultura). E que contou com a participação especial do Mike Patton (Faith No More). De modo que não é surpresa que essa trilha tenha sido premiada em vários festivais de cinema como o de Brasília e o de Pernambuco. 

A estória se desenvolve em torno de um grupo de aventureiros que partem em busca do tesouro dos martírios após encontrar um mapa do século XVII que indica a sua existência. Ao partir em busca desse tesouro sertão adentro eles não imaginam o que encontraram e o que passaram. A aventura não os levaram a outro lugar apenas, mas também a outra época histórica – de um lado a bandeira do famoso Bandeirante Fernão Dias, do outro uma poderosa nação indígena. Decifrar os mistérios do mapa e enfrentar os obstáculos que surgirão no caminho será o desafio desses aventureiros para que encontrem o tesouro.

A mim me pareceu um filme de aventura ala “Indiana Jones” como poucas vezes vi no cinema brasileiro. Isso sem tentar reproduzir fórmulas importadas. Há muita referência a nossa cultura e ao nosso folclore. O elenco está afiadissimo, com destaque para atuação do Antônio Fagundes. Os efeitos especiais foram bem trabalhado e a fotografia está impecável ajudada pela paisagem exuberante do Tocantins, e mais especificamente do Lajeado. 

Diante disso não poderia deixar de recomenda-lo. Seja pela curiosidade pelo fato de ter sido o primeiro longa metragem a ter sido gravado no Tocantins – quem sabe buscar identificar algumas paisagens da cidade de Lajeado antes da construção da UHE. Seja pelo prazer de assistir um filme de aventura com uma boa estória, um ótimo elenco e uma excelente trilha sonora. Ou ainda para aprender um pouco sobre nossa cultura e nossa história – o que faz desse filme uma boa dica para se trabalhar a questão da formação e povoamento do norte goiano.


Por Pedro Ferreira Nunes – Educador, Poeta e Escritor Popular. 

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

A pandemia de COVID-19 e o setor Cultural no Tocantins

Entre os setores mais atingidos pelas consequências das medidas impostas para contenção da COVID-19, o cultural é certamente um deles. Por outro lado surgiu a oportunidade, e necessidade, dos artistas saírem da sua zona de conforto e buscarem alternativas para produzir e divulgar suas produções artísticas. 

No Tocantins não foi diferente, mesmo tendo um setor cultural fragilizado pela falta de políticas públicas de apoio e incentivo a cultura. Tivemos ao longo desse período pandêmico diversas iniciativas que mostram uma rica produção artística por parte dos artistas tocantinenses em diversas áreas. Bem como a utilização das mídias digitais para divulgação e compartilhamento dessa produção. Como consequência desse processo temos hoje uma maior apropriação, por parte da classe artística regional, do mundo digital, e da parte do público, um maior número de referências artísticas locais.

Eu particularmente passei a conhecer só agora nesse período pandêmico, muitos artistas que produzem arte no Tocantins. Olha que me considero um cara antenado e informado. Mas a questão é que estes artistas não tem a oportunidade de circular, e nós que vivemos no interior sobretudo,  acabamos não tendo acesso a eles, e nem eles a nós. Com as lives e outros eventos virtuais isso se tornou possível. 

Certamente a iniciativa da Prefeitura de Palmas com o edital Palmas Curte Arte em Casa e da Prefeitura de Porto Nacional com a edição virtual  da Semana Cultural e da Feira Literária muito contribuíram para que os artistas de diversas áreas se sentissem estimulados a ocupar os espaços virtuais como o youtube. Desse modo se você pesquisa hoje no youtube: Palmas Curte Arte em Casa ou Flip portuense, você terá um ótimo leque de opções com atrações culturais Tocantinenses. Além disso é possível encontrar o trabalho de outros artistas produzidos de forma independente. 

Se por um lado houve esse avanço por outro o retorno financeiro não foi o mesmo. O que mostra que o espaço virtual não substituí o presencial. Ainda mais por que os eventos culturais mobilizam toda uma cadeia de produção para além do artista. É sabido que alguns artistas conseguem lucrar com eventos on line, esse não é o caso de 99,9% dos nossos artistas.

Daí a importância da lei Aldir Blanc que injetará 17,4 milhões na economia do Tocantins através de Projetos Culturais – mostrando a sua importância para além de um recurso destinado a gerar uma renda para classe artística. Daí também a revolta por parte dessa classe artística com a devolução, por parte do governo Estadual, de 1,2 milhões, que poderiam ter sido usados para contemplar mais projetos e assim beneficiar muito mais artistas. 

Se não houvesse demanda tudo bem, mas ao que parece, não houve foi vontade política. De modo que creio ser correto o questionamento levantado tanto em relação a este ponto como a outros. Por exemplo, a respeito dos critérios utilizados para a seleção dos projetos. 

Mesmo antes desse questionamento público, quando consultei a lista para ver quais artistas seriam contemplados, esse aspecto me chamou atenção – o nome de alguns contemplados em mais de um projeto ou que não vivem exclusivamente da arte (ou pelo menos que não tem essa como a principal fonte de renda). 

Não gosto de dar o meu exemplo pessoal, mas vou fazê-lo. Eu tenho alguns projetos artísticos, sobretudo no campo da literatura. Mas não achei que seria ético da minha parte inscrever projeto meu, sendo que atualmente estou empregado. Se eu me escrevesse e fosse contemplado poderia está tirando a vaga de um artista mais necessitado do que eu, no atual contexto. 

Se fosse um edital de Cultura regular tudo bem, mas estamos falando de uma lei que tem como objetivo “promover ações para garantir uma renda emergencial para trabalhadores da Cultura e manutenção dos espaços culturais brasileiros durante o período de pandemia do Covid‐19” (Lei Aldir Blanc). Se eu tenho outra fonte de renda por que vou tomar o lugar daqueles que não tem? Mas tudo bem, não estou aqui para julgar. Cada um com sua consciência. Por outro lado, os pareceristas, que segundo o governo tinha um perfil técnico, deviam ter se atentado para isso.

De todo modo, se executados, os diversos projetos contemplados irão contribuir para que 2021 seja um ano movimentado no Tocantins, do ponto de vista cultural. E a partir daí não só garantir uma renda mínima para artistas e espaços artísticos, como também para o fortalecimento da cultura no Tocantins. Óbvio,  esse fortalecimento só se dará de forma contínua, no momento que tivermos políticas públicas para cultura numa perspectiva de Estado e não de governo, numa perspectiva permanente e não pontual. Aos artistas cabe continuar não se acomodando e se reinventando – buscando alternativas para produzir e divulgar os seus trabalhos sem a necessidade de editais.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador,  Poeta e Escritor Popular.